Ciência e Saúde
Poderá o medo de agulhas estar com os dias contados?
A belenofobia, ou o medo de agulhas, é um problema que afeta cerca de 3.5% a 10% da população portuguesa, levando muitas pessoas a adiar a tão importante vacinação. No entanto, e se fosse possível administrar vacinas com um simples sopro de ar comprimido?
A utilização de sistemas de injeção com ar comprimido não é uma novidade. Na década de 50, nos Estados Unidos da América, estes sistemas eram amplamente utilizados em campanhas de vacinação em massa por todo o país, especialmente nas forças armadas. No entanto, facilmente se detetou que a alta pressão (por vezes a rondar os 80 bar) causava dor e perfurações quando o bocal do sistema não estava corretamente posicionado no local da injeção. Além disso, práticas de higiene inadequadas e a contaminação cruzada de fluidos biológicos contribuíram significativamente para o aumento do número de casos de hepatite B e C no país. Como resultado, a administração de vacinas por sistemas de injeção com ar comprimido foi cessada a partir da década de 90.
Isto até Jeremiah Gassensmith, professor da Universidade de Texas, decidir retirar o máximo proveito do seu tempo em isolamento imposto pela pandemia de COVID-19. Durante esse período, Gassensmith comprou componentes, a preços acessíveis, e criou um sistema de injeção a jato alimentado a gás, iniciando uma série de experiências, que incluíam o lançamento de sal contra papel de alumínio. Quando a normalidade voltou, entregou as peças à estudante de doutoramento, Yalini Wijesundara, com um simples recado: “Construí isto devido ao tédio da pandemia e agora, provavelmente, deveríamos tentar encontrar algo a fazer com isto”.
Assim, a equipa de cientistas da universidade localizada em Dallas desenvolveu o conceito de um pequeno dispositivo, o “MOF-Jet”, capaz de disparar partículas microscópicas de vacina envolvidas em estruturas metal-orgânicas porosas, cristalinas e robustas. Estas estruturas, muito sensíveis aos ácidos, impedem que as partículas, ao atingir a pele, respinguem nesta, permitindo, ao invés, que a atravessem. Uma vez no interior do corpo, estas partículas dissolvem-se, existindo assim a libertação da vacina na corrente sanguínea.
É importante destacar que estas “gaiolas” moleculares, também conferem aos materiais uma notável estabilidade térmica que abre caminho para a possibilidade de armazenar vacinas sem a necessidade de refrigeração. Isto não só poupa tempo e recursos no transporte como também, de forma crítica, amplia o acesso à vacinação a uma população maior.
Por último, Gassensmith e a sua equipa também se aperceberam que, sem alterar a formulação dos fármacos, poderiam facilmente libertá-los em diferentes intervalos de tempo, apenas alterando o gás utilizado na injeção. Quando o material é disparado com dióxido de carbono, a libertação ocorre mais rapidamente nas células. Por outro lado, se ar for utilizado, a libertação pode demorar de 4 a 5 dias. Assim, alternando o gás de transporte, é possível administrar fármacos e vacinas com um período de libertação modificado, isto é, rápido ou lento, de acordo com as necessidades específicas do paciente.
Embora a pesquisa ainda esteja em progresso, os resultados preliminares das experiências estão a ser bastante positivos e promissores e talvez, em breve, o uso de agulhas se comece a tornar obsoleto.
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Texto por Beatriz Ferreira. Revisto por Diana Cunha.