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Artigo de Opinião

O fôlego antes do mergulho: por que a verdade serve a nossa tristeza existencial?

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Imagem: Arquivo Pessoal (Ícaro Machado)

Não sou muito de podcasters, TikTokers e influencers estilo “a vida é linda, basta seguir esse passo-a-passo…” […] me acho um tanto alheio a estas novas formas de comunicar e compartilhar conhecimento de mundo… um tanto meio fútil… um tanto raso de tão ligeiro. Plastic is fantastic (risos).

Mesmo assim, claro, sei que na via de tantos “produtos do meio”, existem alguns outros com materiais bons e complexos, quiçá completos, a depender da perspetiva. Nisso, tenho consumido o podcast Filosofia Vermelha.

Este é um podcast de filosofia, política e psicánalise desenvolvido pelo brasileiro que vive na Alemanha, Glauber Ataíde, que é mestre e bacharel em filosofia. Nos áudios intercalados por obras musicais clássicas, o professor-pesquisador-psicanalista — isso é juízo de valor meu — se debruça em comentar obras, teóricos, teorias e assuntos cotidianos, numa perspetiva esclarecedora — promessa iluminista —, mas também numa vontade de compartilhar toda a sua maiêutica filosófica de um ser pensante em movimento.

Dentre tantos assuntos como “Deus está Morto”, “O fetichismo da mercadoria”, “Gosto se discute, sim”, “Ricos de esquerda”, “O desaparecimento da infância” e tantos outros, dois novos episódios me empurraram até esse artigo de hoje: Sabedoria e Tristeza e Socialismo e Panaceia.

Portanto, embalado por estas partilhas, decidi compartilhar a reorganização de alguns escritos “perdidos” no tempo — ou que foram publicados em fragmento nas instâncias da minha existência digital.

A vida é norteada por verdades falseadas ao bel-prazer do capital, no caso

E se eu te contasse que tudo que conhecemos sobre o mundo até hoje é uma grande mentira justificada. Sim! Ela é cientificamente comprovada, até. Afinal, a verdade é um dos maiores mitos da humanidade. Segundo Sócrates, grande filosofo grego, “a verdade está latente em todo ser humano, podendo aflorar aos poucos na medida em que se responde a uma série de perguntas simples, quase ingénuas, porém perspicazes”.

Em metáfora — oh, não! A verdade é um banquete [Platão] posto à mesa: frutas, legumes, pratos finos, especiarias, doces e salgados; e, para misturar, bebidas diversas. Tudo exposto, pronto para ser devorado. A fome de verdade, quem nunca?

A lucidez é a água fria que empurra tudo para dentro (ou para fora). Ela estufa a barriga e ajuda a digerir a digestão das coisas, isso mesmo, todo esse pleonasmo. Comer da verdade crua é mastigar, pedaço por pedaço. É sentir o gosto e saciar o desejo desejado.

Será que o conhecimento pode nos deixar tristes [sabedoria e tristeza]?

Dos seminários sobre ética, 2017

A explosão do acesso à informação está nos direcionando para uma espécie de lago raso de partículas fracas: são águas lisas e sorrateiras. Sem aprofundamento e densidade estética, as pessoas não cerceiam mais a grande esfera informação — o que é controverso, já que estamos vivendo (n)o excesso delas.

É triste, mas não desbravamos mais para além do lead (famosa técnica jornalística básica para estruturar uma notícia). O conhecimento>informação agora assume o papel de comida mastigada (im)posta à boca. E todo mundo sabe que comida ligeiramente abocanhada perde, a cada nova mastigada, a sua primazia: gosto.

Nisso, o que deveria ser um prazeroso saciar, transforma-se num grande e relutante engasgue — uma briga travada entre a criatura faminta e o alimento sujo.

— Tempero demais!

Aqui, esquecemos de que a comida, assim como a verdade, deve ser servida em pratos adequados. Sábio é aquele que prova de tudo um pouco. Contudo, não se engane, comida fria perde gosto, assim como a verdade mal contada. Mas o pior de tudo, é comer comida mastigada. Sem gosto, sem forma, envolvida pela saliva de terceiros.

A verdade mastigada desce fácil, mas é insípida. Bom mesmo é colocar no prato tudo daquilo que se quer comer. Mas não vacila: comida farta abocanhada às pressas engasga.

E o quanto de verdade você consegue engolir?

O mercado de verdades sobre nós mesmo

O capitalismo diz que a personalização da minha identidade é o meu direito de ser autêntico. Por isso, compro versões de mim, todas disponíveis em prateleiras digitais. Marketplace da felicidade.

Então, caracterizado daquilo que melhor me representa, dentre tudo que me foi previamente oferecido sobre mim — que fora gradativamente pensado a partir daquilo que penso ser (algoritmos) —, escolho as lutas das quais devo enfrentar dentre as disponíveis no mercado do Ser combativo, unindo-as com as minhas convicções e traumas, para assim destilar toda a minha opinião embasada apenas no meu direito de tê-la. Em Socialismo Panaceia, ler-se Semicultura (Adorno).

Estudo, junto todos os papeis com o meu nome escrito — cadeia de validações —, até melhoro o discurso, mas continuo cada vez mais sozinho e infeliz. Mas veja! Felicidade também é comercializada, ou não, inventada. Quem cria o que te faz feliz?

A gente só aprende quem se é, olhando de fora para dentro. O resto da gente é criação da nossa cabeça. É um grande espectro de nosso ego narcísico de ser gente grande (ou não).

Te cria. Toda verdade traz consigo a dor e a alegria de sua própria existência. Não oscila! A gente é o bom dia que deseja; o choro que salga à boca na emoção; é o amargor de perder um grande amor; é correr para não deixar o outro a esperar. A gente é banho de chuva.

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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