Ciência e Saúde
Hidrogénio como fonte de Energia Renovável
Hidrogénio gasoso: terá a molécula mais pequena do universo o potencial para revolucionar a investida contra o uso de combustíveis fósseis?
Desde a revolução industrial que a libertação de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera tem vido a aumentar, ano após ano, de modo exponencial. Apesar do CO2 não ser o composto químico que, a nível individual, cause mais efeito de estufa, a sua abundância (424 partes por milhão (ppm), enquanto metano, por exemplo, têm uma concentração de 1,7 ppm) e frequência com a qual é libertado para a atmosfera acabam por o torná-lo a maior ameaça à estabilização das alterações climáticas.
Para confrontar esta realidade, o desenvolvimento de energias sustentáveis que nos permitam diminuir a nossa dependência em combustíveis fósseis, que são os principais emissores de dióxido de carbono, tem sido tópico central no âmbito da organização e planeamento do futuro da espécie humana. Várias tecnologias já foram desenvolvidas e estão a ser cada vez mais implementadas, nomeadamente painéis solares, energia obtida a partir das marés, energia geotérmica, entre outras.
Uma destas tecnologias emergentes baseia-se no uso do gás hidrogénio (H2) como combustível para motores de diversos veículos, visando substituir compostos provenientes de petróleo, como a gasolina e o gasóleo.
Apesar do seu potencial, estas tecnologias ainda não estão prontas para produção em larga escala, o que pode pôr em causa a viabilidade do hidrogénio como verdadeiro substituto dos combustíveis fosseis no futuro próximo.
Hidrogénio é, de longe, o elemento mais abundante no universo, uma vez que tem apenas um protão. No entanto, como é muito reativo, existe no nosso planeta, fundamentalmente, ligado a outros átomos, em todo o tipo de moléculas. No estado gasoso, H2 é demasiado leve para ser “agarrado” pela gravidade terrestre, acabando por escapar para o espaço.
Não obstante, quando o conseguimos armazenar, o hidrogénio gasoso pode ser usado para gerar energia através de dois métodos distintos: por combustão ou por meio eletroquímico. Ambos os processos apresentam vantagens claras, mas também limitações por ultrapassar.
A combustão do hidrogénio, ao contrário dos derivados do petróleo, não produz monóxido nem dióxido de carbono, dada a ausência de carbono na lista de reagentes (O2 e H2). Contudo, ao decorrer em condições atmosféricas padrão, a elevada concentração do gás nitrogénio no ar pode levar à produção de óxidos de nitrogénio, nocivos para a saúde humana. Apesar de serem implementados sistemas de exaustão dos gases produzidos, o uso destes em espaços fechados continua a não ser aconselhado.
A produção de energia elétrica através do hidrogénio requere um processo mais elaborado, auxiliados por catalisadores, isto é, por substâncias que aceleram a velocidade a que uma reação química decorre, sem serem consumidas durante a mesma. O processo decorre numa célula de combustível (representada na imagem), com a seguinte constituição: dois elétrodos, cátodo e ânodo, condutores elétricos que ligam partes não metálicas do sistema, uma membrana permeável aos iões hidrogénio (H+), produtos da cisão de H2, uma ligação condutora entre os dois elétrodos, por onde os eletrões libertados pela mesma reação passam, criando corrente elétrica e, por fim, câmaras de gases, por onde circulam o ar atmosférico e o hidrogénio.
Para alcançar o devido funcionamento desta célula, existem duas reações fulcrais:
- A redução da molécula de hidrogénio a iões hidrogénio e eletrões, no ânodo:
H2 (g)→2 H+ (aq)+2 e–
- A redução do oxigénio no ar atmosférico a água, no cátodo, que tem dois mecanismos possíveis, sendo o mecanismo a) o mais eficaz:
a) O2 (g)+4 H+ (aq)+4 e–→2 H2O (l)
b) O2 (g)+2 H+ (aq)+2 e–→H2O2 (aq)
H2O2 (aq)+2 H+ (aq)+2 e–→2 H2 O (l)
Uma vez que a reação 2 é a reação que ocorre de modo mais lento, é ela que limita a capacidade da célula de produzir energia. No desenvolvimento desta tecnologia, a síntese de materiais capazes da catálise da segunda reação tem sido um dos focos principais, tal como a procura por materiais mais estáveis e duradouros.
Apesar de já existirem não só motores a combustão de hidrogénio, como também células de combustível de hidrogénio funcionais, ainda se verificam muitas limitações, quer no desenvolvimento dos próprios instrumentos, quer na produção de hidrogénio. Os motores de combustão de hidrogénio continuam a não ser tão eficientes nem tão potentes como os motores que usam combustíveis fósseis, o que diminui a autonomia do veículo. Adicionalmente, as células de hidrogénio atuais utilizam catalisadores com platina, um material caro e escasso. Estes catalisadores não são tão eficientes como seria desejado e os seus possíveis substitutos não apresentam níveis de estabilidade e longevidade necessários.
Em 2019, cerca de 98% do hidrogénio gasoso era produzido através de metano, através de um processo que liberta CO2. Num cenário ideal, o hidrogénio seria obtido a partir da água, o que é possível através da hidrólise da mesma, mas é ainda um processo muito dispendioso a níveis industriais.
Se no futuro se alcançarem níveis de desenvolvimento adequados, será possível elaborar sistemas em que a água é usada para formar hidrogénio, com o qual se produz energia e, de seguida, se combina com oxigénio fornecido, reavendo em parte a água que foi gasta.
Descobertas recentes face a grandes reservatórios subterrâneos de hidrogénio gasoso têm gerado grande entusiasmo e poderiam elevar a relevância desta energia de modo imediato. “Hidrogénio branco”, que foi produzido naturalmente sob a superfície terrestre, pode ajudar a revolução de hidrogénio como energia sustentável, mas a sua exploração ainda está numa fase muito rudimentar.
Portanto, apesar do claro potencial que estes métodos de obtenção de de hidrogénio gasoso para posterior produção de energia apresentam, a sua veemência como substitutos viáveis, a curto prazo, de combustíveis fosseis ainda está para ser comprovada.
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Artigo escrito por Miguel Amaro. Revisto por Joana Silva.