Ciência e Saúde
“Dance your PhD”: o concurso que põe cientistas a dançar
“Kangaroo Time” é o nome do vídeo vencedor da edição de 2024 do Dance your PhD, um concurso da revista Science que promove a expressão da investigação científica através da dança.
Criado em 2008, o Dance Your PhD é um concurso anual e internacional, que desafia alunos e cientistas a explicar os conceitos complexos da sua investigação através de dança interpretativa.
Fundado por John Bohannon, antigo contribuidor da Science, a ideia do concurso surgiu numa festa de ano novo que contava com muitos cientistas, mas pouca dança. Bohannon transformou a festa num concurso de dança, onde propôs aos convidados mostrar o seu trabalho sem usar palavras, tirando partido da natureza artística e de performance que diz ser parte de todos os cientistas: “Acho que, em geral, são exibicionistas. Se estás disposto a defender um tema de investigação obscuro e louco ao qual dedicaste a tua vida, então provavelmente há algo em ti que quer dançar.”
A ideia desenvolveu-se a partir daí: em 2008, um concurso de dança interpretativa de teses de doutoramento decorreu num evento ao vivo, no IMP (Research Institute of Molecular Pathology) em Viena. Era suposto ser um evento único, que, devido à sua popularidade, acabou por se tornar a primeira edição, do agora anual Dance your PhD.
Atualmente, cientistas de todo o mundo participam no concurso. Este ano foram cinco os investigadores com prémios atribuídos, cada um no valor de 750$ US (aproximadamente 680€), nas categorias de Ciências Sociais, Química, Física, Biologia e na categoria especial de Ciência Quântica ou Inteligência Artificial. Destas categorias, foi escolhido ainda um vencedor geral, que foi premiado com uns adicionais 2000 $ US (aproximadamente 1830€).
Vencedor geral e na categoria de Ciências Sociais
Weliton Menário Costa, da Australian National University (ANU), foi o cientista vencedor do concurso geral e na categoria de ciências socias, com a interpretação da sua tese “Personality, Social Environment, and Maternal-level Effects: Insights from a Wild Kangaroo Population“.
O seu vídeo, “Kangaroo Time”, foi descrito pela Science como uma “loucura alegre”, elogiado pela surpresa, alegria e diversão e pela acessibilidade na explicação da ciência envolvida nas dinâmicas de grupo dos marsupiais.
Tendo como pano de fundo um prado australiano sob o pôr do sol, o vídeo reúne bailarinos clássicos e modernos, drag queens, twerkers, e muitos dos amigos de Weliton, que foram desafiados a adaptar-se à dinâmica do grupo. “Eu queria mostrar a diversidade do comportamento dos cangurus e a forma mais fácil era obter a diversidade de dança que já temos. Não os coreografei, eles estavam apenas a ser eles próprios”, afirmou em entrevista à Science.
De origem brasileira, Weliton desenvolveu o seu PhD em ecologia na Austrália, tendo estudado cangurus cinzentos (Macropus giganteus), do Wilsons Promontory National Park. Ao longo dos quatro anos, o investigador concluiu que, à semelhança dos humanos, também os cangurus desenvolvem personalidades distintas, exibindo-as mesmo enquanto ainda bebés, e frequentemente espelhando as personalidades dos seus pais e irmãos. Percebeu ainda que os cangurus desenvolvem círculos sociais e aprendem dicas sociais a partir de dinâmicas de grupo.
Para além de ser uma divulgação interessante da sua pesquisa, Weliton queria também que o vídeo fosse uma celebração da diversidade em todas as suas formas. “Os cangurus são diferentes, tal como nós”, diz ele, “as diferenças acontecem em todas as espécies – é isso que torna a ciência, a arte e as comunidades fantásticas”.
Atualmente, o vencedor do concurso já não trabalha diretamente na ciência, mas sim como cantor e autor musical com o nome WELI, sendo Kangaroo Time uma das suas músicas originais.
Vencedor na categoria de Química
Xuebing Zhang, da City University of Hong Kong, venceu na categoria de química com o vídeo sobre a sua investigação de doutoramento na área da neurobiologia.
“Circadian Clock Communication Between Different Cells” é o título do vídeo vencedor, onde a investigadora oferece background sobre os componentes do seu trabalho e descreve a sua importância no tratamento da neuro-degeneração. “Dançar é a minha forma de diminuir o stress e libertar a pressão que advém da vida de doutoramento. Muitas vezes dou por mim a imaginar como o microambiente (proteínas, ARN na célula) é feito de movimento, de dança. Espero que este vídeo vos inspire a explorar a ciência”, diz Zhang do seu vídeo.
Vencedor na categoria de Física
Na categoria de física, a estudante de doutoramento Layla El-Khoury da North Carolina State University foi a vencedora com a submissão “Force of Flows”.
A trabalhar no departamento de Engenharia Biológica e Agrícola, o vídeo é inspirado no seu projeto de investigação, sobre como os cursos de água se comportam, mudam e sofrem erosão ao longo do tempo, utilizando modelos estatísticos para prever prováveis locais de erosão, e procurando a identificação e melhoramento de procedimentos e protocolos. “Esta peça foi diretamente inspirada no comportamento natural de um ribeiro e na forma como este percorre o espaço”, afirma El-Khoury. Para além do seu doutoramento, a aluna faz ainda parte da companhia de dança do Departamento de Artes e Tecnologias do Espetáculo onde é bailarina e coreógrafa.
Vencedor na categoria de Biologia
Na categoria de biologia, o prémio foi para Siena Dumas Ang, estudante de doutoramento em biologia quantitativa e computacional na Princeton University, com o vídeo “Epigenetics of Early Life Adversity”.
“Como é que as experiências dos primeiros anos de vida afetam os resultados na vida mais tarde?” é a questão central do seu trabalho – e do seu vídeo – que faz uma reflexão sobre o papel da epigenética no registo, previsão e diminuição dos efeitos do stress infantil, estudando possíveis marcadores epigenéticos associados a abuso e negligência infantil. No vídeo participam vários dos seus colegas, o seu marido e ainda os seus filhos (um deles ainda no útero!).
Vencedor na categoria especial de Ciência Quântica ou Inteligência Artificial (IA)
Em 2024, o concurso teve uma categoria especial de ciência quântica e IA, de onde Joseph Léger, da Nantes University, saiu vencedor, com a submissão “Quantum Superposition”.
Léger é um aluno de doutoramento, a trabalhar na área de bioinformática aplicada ao desenvolvimento celular, e com formação em dança contemporânea. É fundador e membro da companhia de dança “Compagnie SIC CORPUS EST”, que explora conceitos científicos através da coreografia. No seu vídeo, Léger procurou simplificar e introduzir os princípios de sobreposição quântica, na esperança de “suscitar a curiosidade científica em relação aos conceitos surpreendentes da física quântica”.
As submissões, em formato de vídeo de Youtube, foram consideradas por um painel de júris constituído por cientistas, bailarinos e artistas, que as avaliam em critérios como o mérito científico, o mérito artístico e a criatividade na combinação de ciência e arte.
O concurso vai já na sua 16ª edição, com organização da revista Science e da American Association for the Advancement of Science (AAAS), com a edição deste ano a ser ainda patrocinada pela empresa de inteligência artificial SandboxAQ.
Já em 2010, muito antes de conhecer a longevidade do concurso, Bohannon questionou-se sobre a sua popularidade no artigo “Porque é que os cientistas dançam?”. Falando com os participantes acerca das razões pelas quais se envolveram no concurso, e sobre a sua experiência depois dele, o autor da ideia concluiu que a maior parte dos participantes fá-lo como uma via de educação e divulgação de ciência, mas que muitos encontraram outros usos para a dança: reexaminar os seus trabalhos, explorar novos conceitos, ou simplesmente celebrar a interseção entre a ciência e a arte.
Artigo da autoria de Ana Luísa Silva.