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Cultura

UMA MENSAGEM DA REUNIÃO DE ABERTURA DO “THE TORTURED POETS DEPARTMENT”

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Taylor Swift lançou, a 19 de abril, o seu 11.º álbum de originais, The Tortured Poets Department, que passou a deter o recorde de disco mais tocado em dia de estreia no Spotify, com 330 milhões de streams. A cantora norte-americana passará por Portugal, pelo Estádio da Luz, a 24 e 25 de maio deste ano. Por Francisca Costa

Taylor Swift é um nome que a maioria conhece, mas que diz muito a uns e pouco a outros. É, precisamente isso, em parte, que a própria aborda em algumas das trinta e uma canções do álbum (dezasseis anunciadas previamente e quinze canções surpresa, presentes no THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY).

A narração de duas horas e dois minutos é quase omnisciente: Swift consegue mostrar o quão bem se conhece e o quanto está minuciosamente atenta a quem a ouve e observa, o que a transforma numa narradora na terceira pessoa  ao assumir todos os pontos de vista possíveis da sua própria história, retirando-se, por vezes.

O primeiro single de The Tortured Poets Department é “Fortnight” e conta com a participação de Post Malone e com um videoclipe. Taylor colabora, ainda, com Florence Welch, dos Florence and the Machine, em “Florida!!!” – um tema eufórico, quase épico.

Já a produção do álbum foi entregue, como habitual, a Jack Antonoff e Aaron Dessner. Os sons que se fazem ouvir são, simultaneamente, reconhecíveis e inéditos – há quem defenda que a colaboração de longa data com Antonoff não valorize os talentos de ambos. Por outro lado, a produção de Dessner tem vindo a ser cada vez mais elogiada, sobressaindo-se pelos tons mais suaves, que, neste registo, talvez absorvam menos a voz e letra de Swift. Aos ouvidos mais atentos soará a uma mistura entre os anteriores discos de Taylor: folklore, evermore e Midnights

O The Tortured Poets Department tem como prólogo um poema de Stevie Nicks (auto proclamada fã de Taylor, e de quem esta fala no álbum) e encerra com versos de Taylor. No fundo, ambos os textos mostram o quão difícil é pôr-se na posição de quem já chegou a níveis estratosféricos – tocando (e ultrapassando) o céu.

Podemos tentar perceber esta sensação de chegar ao topo do Olimpo em temas como “Who’s Afraid of Little Old Me?” ou “I Can Do It With a Broken Heart”, onde Taylor, de garras afiadas, defende a sua integridade e mostra o quão diligente, decidida e dedicada é, mostrando que sabe que já não será só uma poeta ou uma artista, mas um ícone.

O mote destas faixas é, de certa forma, a célebre frase “o espetáculo tem que continuar” (a “The Eras Tour” já é considerada a tour mais rentável da história) – o que, aliás, vai ao encontro do que Swift confessou à revista Time, quando foi considerada a Pessoa do Ano 2023: o seu estado de alma não pode influenciar a sua performance em palco.

The Tortured Poets Department será, assim, o seu trabalho mais vulnerável até à data. Fala (muito) da sua saúde mental, de ligações complexas e de como consegue enfrentar os seus demónios (sejam eles humanos ou metafóricos).

Imagem: Genius.

Quanto aos seus inimigos de “carne e osso”, usa a mitologia grega, comparando-se a “Cassandra”, no tema com o mesmo nome, (profetisa de Apolo, que possuía o dom de anunciar profecias nas quais ninguém acreditava), no qual menciona os episódios com a família Kardashian e com Kanye West, numa espécie de “I told you so”, que tem em conta as posteriores polémicas do rapper.

De igual forma, “The Manuscript” encerra não só o álbum (duplo), mas, em simultâneo, a vendetta de Swift, que chegou a ser considerada uma persona non-grata. É uma faixa pesada, em que Taylor menciona uma relação do seu passado, com um homem mais velho, e as dinâmicas inerentes à diferença de idade. Na canção, revela que lhe foi  dito que se “o sexo fosse tão bom quanto as conversas, que, em breve, passeariam carrinhos de bebé”, mas ele não cumpriu a promessa, pelo contrário, a relação acabou, e, com ela, a felicidade de Swift na altura. Termina, contudo, a canção, ao dizer que a história agora já não é dela – é de todos aqueles que a ouvem.

Liberta-se, assim, do “manuscrito”, o que poderá servir não só de catarse, mas também como uma despedida simbólica dos primeiros dezoito anos da sua carreira – pensando-se que o seu próximo projeto será um filme (a artista, fã de dar pistas desvendáveis pelos fãs, publicou o vídeo da letra desta faixa sob forma de guião).

Taylor toca em vários temas ao longo das trinta e uma canções e mostra, mais do que nunca, o quanto já sofreu. Mantém-se, no entanto, uma auto assumida eterna otimista, que empurrará continuamente a pedra, encosta acima, tal como Sísifo, conseguindo, contrariamente ao mito, chegar ao cume da montanha (referência que faz na irónica canção “thanK you aIMee” – as letras em maiúsculas soletram “Kim” [Kardashian]: o “quem ri por último, ri melhor” que a artista tem vindo a profetizar desde Reputation ou “Karma” de Midnights). 

Já no que diz respeito às canções de amor e desamor deste disco (o aspeto da vida de Swift mais escrutinado desde o início da sua carreira), estas abordam as suas três mais recentes relações.

Pensar-se-ia que o fim do namoro com Joe Alwyn, com quem esteve seis anos, seria o tema primordial do álbum. Algumas canções são dedicadas ao ator inglês, tais como “So Long, London” (a quinta faixa do disco – a posição da música mais triste de cada álbum de Taylor desde Fearless) ou “The Albatross” (onde se nota uma forte influência do romantismo, nomeadamente do poema “The Rime of The Ancient Mariner”, de Coleridge – Alwyn e Swift costumavam visitar o “The Lake District”, associado aos poetas românticos ingleses).

Joe será também o sujeito poético em “loml” (que, por norma, é acrónimo de ‘love of my life’, mas que é aqui substituído por ‘loss of my life’) ou “How Did It End?” – já que, alegadamente, Alwyn não lidava bem com a fama de Swift, tendo sido esse o principal motivo do afastamento entre os dois.

Todavia, contrariamente ao esperado, Swift acaba por focar-se mais na sua curta relação com Matty Healy, o polémico vocalista da banda The 1975.No tema “The Tortured Poets Department”, homónimo do álbum, traça um paralelismo entre a relação de ambos com Dylan Thomas e Patti Smith, tendo o mítico Chelsea Hotel como pano de fundo – Thomas, poeta galês, teve um fim trágico e Smith, artista norte-americana, continua a prosperar aos setenta e sete anos.

Para além da sua carreira musical, Healy é conhecido pelas suas polémicas declarações e pelo historial de abuso de drogas – as suas tendências autodestrutivas são mencionadas em “The Smallest Man Who Ever Lived”, assim como em “Peter”, que poderá ser uma referência ao verso “Peter Losing Wendy”, da faixa “Cardigan” de folklore. Assim como há quatro anos, nestes dois temas do atual disco, Taylor menciona “alguém” que lhe disse que, quando “crescesse”, voltaria para junto dela.

O vocalista dos The 1975 volta a ter um papel preponderante em outras canções, tais como “My Boy Only Breaks His Favorite Toys”, “Down Bad”, “I Can Fix Him (No Really I Can)”, “imgonnagetyouback”, “Chloe or Sam or Sophia or Marcus” ou, ainda, “Fresh Out Of The Slammer”, em que Swift afirma que, assim que saísse da “prisão” (relação com Alwyn), já saberia com quem falaria primeiramente. Taylor dá, novamente, a entender que Matty esteve sempre presente nos seus pensamentos em “Guilty As Sin” – tema onde faz referência à banda The Blue Nile, uma das influências sonoras do álbum (e grupo preferido do cantor). Volta a falar de músicos que Healy já mencionou, publicamente, em “The Black Dog”, onde fala dos The Starting Line (é assim que parece dizer aos mais atentos sobre quem se trata cada tema).

Existe, todavia, uma faixa que se destaca das demais pelo particular desalento demonstrado: “But Daddy I Love Him” faz referência à Pequena-Sereia, conto de Hans Christian Andersen, onde a artista assume, firmemente, que preferiria desistir de tudo (assim como Ariel da sua voz) a ficar sem Healy. Swift estaria tão desesperadamente apaixonada, que abdicaria da sua carreira em prole da companhia de Matty, caso essa dicotomia surgisse. 

Finalmente, existe ainda espaço para a sua atual relação com Travis Kelce, “tight end” dos Kansas City Chiefs, em “The Alchemy” e “So High School” (onde refere o romance “A Wrinkle in Time” de Madeleine L’Engle).

A relação poderia ser improvável – Travis Kelce não é um “poeta atormentado”, como os anteriores amores de Taylor – o que a mesma salienta, em tom jocoso, insinuando que o jogador de futebol americano poderia ter “feito bullying [a Matty Healy] nos tempos de escola”. No entanto, as canções de amor sobre Kelce são os temas românticos mais leves e descomplicados de toda a sua discografia, emulando aquilo que a própria relação, aparentemente, é: simples e fácil, sem twists and turns. Quando ouvimos esses temas, a sua prece, na canção “The Prophecy”, em que Taylor implora por alguém que a perceba e esteja ao seu lado, parece ter sido ouvida.

Esta “súplica” por algum equilíbrio dentro do caos inerente à sua vida continua em “I Look in People ‘s Windows” ou em “I Hate It Here”– tema autobiográfico que fala de uma menina precoce, que lia o “The Secret Garden” de Frances Hodgson Burnett. “Robin” e “The Bolter” encontram-se nesse mesmo registo. Nestas faixas almeja tanto alguma “normalidade”, que se chegam a  assemelhar a um grito de aflição de alguém que sabe que nunca terá uma vida comum. 

Imagem: Genius.

No fundo, Taylor Swift, enquanto artista, autora, crítica (de si mesma, principalmente) e, sobretudo, “ídola” de muitos aqueles que a seguem, pode resumir-se na última estrofe de “Clara Bow” , tema que encerra o álbum base e que tem o mesmo nome da atriz de filme mudo, que teve uma tumultuosa vida – a canção fala da pressão posta nas diferentes artistas femininas ao longo dos tempos e da procura incessante pela próxima grande estrela:

 “You look like Taylor Swift/In this light, we’re loving it/You’ve got edge, she never did/The future’s bright, dazzling.”

A sua marca na história da música é agora inegável e inquebrável, sendo os seus contínuos recordes uma prova disso. Este álbum não deixa margem para dúvidas: o futuro de Taylor Swift será, efetivamente,  “brilhante e resplandecente” – até porque o presente já o é.

 

Por Francisca Costa