Desporto
RUI COSTA: A DESILUSÃO PORTUGUESA QUE NÃO FOI ASSIM TANTA
À semelhança do que sucedeu com Sérgio Paulinho, quando este conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas’04, no ano passado, nos mundiais de ciclismo de estrada, ninguém contava com uma vitória portuguesa.
No ano anterior, o jovem promissor Rui Costa, tinha conquistado um inédito 11º lugar – o melhor de sempre de um ciclista português – na mesma prova. Por isso, os portugueses ambicionavam, quanto muito, um top-10, mas o ciclista poveiro surpreendeu-nos a todos, batendo ao sprint o espanhol, favorito à partida, Joaquim “Purito” Rodriguez, depois de recuperar de uma diferença de 300 metros, no espaço de um quilómetro e levando a camisola arco-íris (símbolo de campeão do mundo) para casa, para deleite de Portugal.
Assim sendo, este ano as expectativas em relação ao corredor da Lampre-Merida eram altas. Pela primeira vez em muitos anos, outra modalidade, que não o futebol, foi capa de um jornal, no mesmo dia em que João Sousa, que também marcou presença na capa das mesmas edições, arrecadou a primeira vitória por um português numa prova ATP, na modalidade de ténis.
Ao longo do ano, foram várias as páginas nos diversos jornais desportivos dedicadas ao ciclismo, com especial destaque para Rui Costa, pelo que, esta modalidade se transformou, à semelhança da canoagem (devido à medalha de prata de Emanuel Silva Fernando Pimenta na prova de k2 1000 metros, nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, e ao ouro de Emanuel Silva e João Ribeiro em k4 1000, nos Mundiais de 2013, na Alemanha), no desporto da moda.
Ao contrário do que aconteceu em 2013, a RTP 2 decidiu transmitir os Campeonatos do Mundo de 2014, provavelmente esperançada que os resultados do ano anterior se repetissem.
Quando o português arrecadou um medíocre 23º lugar, as críticas foram muitas e a palavra “desilusão” foi dita pelos comentadores da EuroSport e da RTP e o ciclismo esquecido e, embora estes tenham lembrado que a época do “nosso” Rui foi fenomenal, aquela palavra – “desilusão” – provocou um efeito dominó, que nem um soundbite, e mais nada do que foi dito foi lembrado.
No entanto, do ponto de vista desportivo, a época dos ciclistas portugueses foi a melhor de que há memória. Nem nos tempos de Alves Barbosa e Ribeiro da Silva, ou de Joaquim Agostinho e Marco Chagas, os portugueses estiveram tanto em destaque como na temporada de 2014.
Durante a época, o “Ronaldo” do ciclismo – Rui Costa – logrou conseguir um segundo lugar no “mini-tour de France”, o Paris-Nice; voltou a conseguir um terceiro lugar na Volta à Romandia; ganhou pela terceira vez a Volta à Suíça, estabelecendo um recorde máximo de número de vitórias consecutivas nessa prova – um feito que ficará para sempre na História do Ciclismo Internacional e não, somente, português; e conseguiu o primeiro pódio de um ciclista luso num dos monumentos do ciclismo (terceiro lugar na Volta à Lombardia); culminando com um quarto lugar na Volta a Pequim, que lhe permitiu terminar a época no quarto lugar do ranking da UCI (União Ciclista Internacional)
Ora, abordando esta última prova, caso o português tivesse conquistado um segundo lugar na China, ele teria arrecadado um lugar no pódio do ranking final da temporada, mas o quarto lugar na Volta a Pequim acabou por se tornar uma maldição para o ciclismo português.
Os portugueses querem vitórias ou, quando muito, medalhas; e só dão valor a grandes feitos, não conseguindo ver vitórias que não são tão mediáticas, mas que talvez sejam mais notáveis para aqueles que percebem de ciclismo.
Se o português tivesse terminado a época no terceiro lugar da UCI, a temporada do ciclismo tinha sido salva mas, como se manteve pelo quarto lugar, foi uma “desilusão”, visto que nem terminou o Tour, abandonando a prova francesa devido a uma broncopneumonia, quando estava num modesto 14º lugar, e obteve um resultado muito abaixo das expectativas nos mundiais.
Porém, não foi só Rui Costa, o nosso embaixador do desporto de duas rodas, que se distinguiu este ano. Tiago Machado, a quem há uns anos foi apontado um futuro promissor, finalmente conseguiu fazer jus a essa distinção, logrando uma vitória na Volta a Eslovénia, uma prova Continental, que não faz parte do itinerário da World Tour, mas que tem tanta importância como, por exemplo, a vitória de João Sousa em Kuala Lumpur; Rafael Reis conseguiu um fantástico quarto lugar nos mundiais de contrarrelógio de sub-23; Nélson Oliveira conseguiu um brilhante sétimo lugar nos mundiais de contrarrelógio de séniores, alcançando a melhor posição de sempre de um português nessa prova e estabeleceu o melhor tempo, que perdurou durante mais de uma hora.
Assim sendo, concluo que, efetivamente, houve uma desilusão portuguesa para com os resultados obtidos este ano, na modalidade de ciclismo. No entanto, para quem sabe ler nas entrelinhas, percebe que este ano foi fenomenal e que, tendo em conta a idade dos nossos principais ciclistas portugueses (Rui Costa – 28 anos, Tiago Machado – 29 anos e André Cardoso – 30 anos), os próximos anos prometem altos voos dos nossos corredores.
Por isso, pergunto-me: E se no próximo ano a televisão e os jornais voltarem a desvalorizar esta modalidade e os portugueses conseguirem grandes resultados? Provavelmente, o ciclismo voltará a ser falado pelas bocas de Portugal, mas será que nós não mereceremos ver quem eleva o nosso país, em direto? Ou teremos de recorrer constantemente aquelas transmissões on-line de fraca qualidade, sendo que nem todos têm acesso a elas?
Tudo isto em detrimento do futebol, que só nos trás desilusões e amarguras.
Tiago Castro
25/10/2014 at 20:55
muito bom são coisas destas que precisamos em portugal. Notícias com fundamento e com objetividade.
Muitíssimo bom
Sandro Monteiro
25/10/2014 at 21:24
Concordo com o texto, principalmente na parte final. Em Portugal sempre e apenas se deu valor ao futebol. Ultimamente tem-se visto mais sobre as outras modalidades também devido ás vitórias portuguesas como o exemplo recente no ténis de mesa. Fala-se durante algumas semanas mas depois o foco volta de facto ao futebol. Penso que deveria haver mais apoio nas outras modalidades e não apenas quando existem bons resultados, até porque os portugueses gostam de elevar a fasquia e quando não conseguimos igualar os resultados anteriores é logo uma desilusão.
Osvaldo Lemos
25/10/2014 at 21:45
Ora aqui está um tema que dá pano para mangas.
O autor do artigo fala aqui, e bem, das feridas do desporto nacional (e talvez mundial), sendo: o desempenho do Rui Costa; a eterna má gestão de espectativas no que diz respeito ao desporto nacional; e, embora que, na minha opinião, de forma subentendida, na dicotomia entre resultado desportivo/divulgação das modalidades.
Em relação ao desempenho do Rui Costa, e na pele de um seguidor exporádico da modalidade, acho que há muito pouco a dizer, senão que é claramente um dos melhores de sempre na disciplina, do nosso país. Sinto pena que para que tudo seja mais apelativo tenhamos sempre de recorrer a analogias às modalidades mais conhecidas (“o Ronaldo do ciclismo”) mas isso é fruto da incultura portuguesa face ao desporto. Recorrendo ao lugar comum das analogias com o futebol, o resumo da época desportiva do Rui Costa é semelhante à de um quarto melhor jogador do mundo, vulgo Iniesta, Di Maria, entre outros, mas muito poucos.
Em relação às expectativas alimentadas em relação ao Rui Costa, comparo-as às mesmas tidas em relação ao Nélson Évora. Temos de perceber que as épocas desportivas desta modalidades não são iguais ao futebol, há períodos de off-season durante o ano e a preparação é feita de forma diferente, as variavéis são muito mais influentes do que em modalidades contínuas. No ciclismo, por exemplo, não há corridas à quarta e ao domingo. Entenda-se isso e sejamos justos, apoiemos e compreendamos que no futebol somos desiludidos várias vezes por ano.
Já quanto ao tema da divulgação (em massa) das modalidades e suas conquistas, todos sabemos bem que uma entrevista de um jogador patrocinado pelo BES (ou Novo Banco), por um sem fim de marcas de produtos de cabelo, que fale sobre assuntos nada relacionados com a modalidade que pratica tem muitos mais leitores do que um atleta com patrocínios medianos (para dizer bem) que conquiste algo como o melhor resultado de sempre na classificação mundial referente à sua modalidade.
Já agora, o karateca Nuno Moreira tem um currículo invejável para qualquer desportista. Acho que nunca ninguém lhe pediu um autógrafo…
Tiago Silva
25/10/2014 at 22:29
Penso que o valor do Rui Costa é, unanimemente, igual ao do Joaquim Agostinho. Não só estamos perante um corredor, subvalorizado apenas nível nacional, de grande nível que é um exímio leitor de corrida.
Além disso, o ciclismo é recheado de surpresas – basta lembrar o ouro olímpico de Vinoukorov ou o novíssimo campeão de estrada o Kwiatkowski – e, atendendo ao circuito montanhoso do Tour do próximo ano, o Rui Costa possa dar umas alegrias.
No entanto, os favoritos Nibali, Froome, Quintana e Contador têm a favor equipas recheadas de talentos. O Rui, poderá, ser uma aposta segura para o top-5 mundial e do Tour do ano que vem.
P.s. Emanuel Silva e João Ribeiro foram campeões mundiais de regatas em linha em K2 na distância de 500 metros.
Gustavo Silva
26/10/2014 at 00:59
Realmente é triste que outras modalidades não sejam tão bem retratadas nos mass media como é o futebol. Ainda recentemente houve um troféu ganho por portugueses num campeonato importante de ténis de mesa e que nem sequer passou na televisão. Houve uns jornais desportivos que fizeram referência. Obviamente que deveria haver mais escrita noutras modalidades para além do futebol, já que as mesmas ganharam outra relevância no desporto nacional (como o ciclismo, por exemplo, já que há uns anos havia poucos corredores no topo e, agora, encontramos muitos lá no meio dos “canhões”).
Bom texto 🙂