Ciência e Saúde
Madrugador ou notívago: o que dizem os padrões de sono sobre a nossa saúde
Diferentes cronotipos, isto é, predisposições naturais que determinam as alturas do dia em que nos sentimos mais alerta ou com sono, podem influenciar comportamentos e estar ligados a diferenças na função cognitiva.
Quando se fala de preferências de sono, é comum dividir a população em dois grupos opositores: os madrugadores, pessoas que acordam cedo e se sentem mais eficientes durante a manhã; e os notívagos, aqueles que preferem acordar mais tarde e são mais produtivos à noite. Mas em termos de saúde e bem-estar, qual destes comportamentos é o mais benéfico?
Quanto à perceção social, há um claro vencedor, não fosse a expressão popular “Deus ajuda quem cedo madruga”. Há uma conotação positiva associada a pessoas madrugadoras, e o próprio funcionamento da sociedade tende a favorecer este comportamento. No entanto, e como é comum, a ciência traz ao dilema um pouco mais de nuance.
Do ponto de vista científico, é difícil categorizar a população em apenas dois grupos, sem se ser demasiado simplista. É também necessário remover da equação uma visão demasiado moralista e estereotipada associada a determinadas preferências de sono. Um estudo de 2022 na revista Behavioral Sleep Medicine conclui que há um estigma social associado a pessoas notívagas, percecionadas como mais preguiçosas, indisciplinadas, pouco saudáveis, imaturas, mas também criativas e jovens. A preferência de sono advém, no entanto, de mais fatores do que escolhas pessoais.
Á semelhança de outros mamíferos, os seres humanos são, biologicamente, diurnos. Isto significa que têm atividade durante o dia e dormem durante a noite, num ciclo biológico de aproximadamente 24 horas chamado de ritmo circadiano. No entanto, especialmente na sociedade moderna industrializada, com acesso e sobre-exposição a luz artificial, tecnologia e estilos de vida/trabalho irregulares, as preferências de tempo, horário e ambiente de sono foram-se alterando. Apesar da maioria das pessoas ter uma preferência por dormir algures no intervalo entre as 23h00 e as 7h00, estima-se que 40% da população não se encaixa no padrão típico, e que 60% da população tem um comportamento intermédio: nem madrugador, nem notívago, mas sim uma mistura dos dois.
O cronotipo é a predisposição natural que cada indivíduo tem de sentir picos de energia ou cansaço, de acordo com a hora do dia, considerando as horas de sono, mas também as horas de mais produtividade. Em termos biológicos, o cronotipo origina-se maioritariamente da genética, variações do ritmo circadiano, e diferenças na sensibilidade à luz. Leon Lack, da Flinders University na Austrália, afirma que depois de definidos, os cronotipos são difíceis de mudar. Há grande probabilidade de serem características imutáveis, com a única exceção a ser o envelhecimento, que tende a adiantar este relógio pessoal com o passar das décadas, tornando as pessoas mais madrugadoras. Mas para lá da genética, o cronotipo é também influenciado pela personalidade e rotina de cada indivíduo.
Há vários estudos que se debruçam sobre as diferenças entre cronotipos e que influências estas têm na saúde. Muitos corroboram uma ideia de superioridade benéfica das pessoas madrugadoras, sendo consideradas mais felizes e satisfeitas com a vida, e menos propícias a estados depressivos. No entanto, esta interpretação complica-se quando explorada a origem dessas diferenças: as pessoas notívagas tendem a dormir menos e a ter mais problemas de sono, e isso, mais do que o horário de sono, pode explicar os aspetos negativos deste cronotipo.
Quando se trata de destreza mental, outros estudos favorecem as pessoas mais noturnas. Uma recente publicação da Imperial College of London investigou a influência do cronotipo na função cognitiva. O estudo envolveu mais de 26 000 pessoas, a partir de dados do UK Biobank, tendo em conta dados como a duração, padrões e qualidade do sono, e como estes se relacionam com a destreza mental e capacidade cognitiva.
Dos três grupos de cronotipos considerados – madrugadores, intermédios, e notívagos, foram estes dois últimos que, de forma geral, mostraram melhor desempenho nos testes realizados. Em dois grupos de indivíduos noturnos a pontuação foi 13,5% e 7,5% superior à dos madrugadores. Já para o grupo de indivíduos com um cronotipo intermédio os valores foram 10,6% e 6,3% superiores. Os dados foram ainda ajustados para fatores de saúde e estilo de vida como a idade, sexo, consumo de álcool e tabaco, e existência de doenças crónicas como doenças cardiovasculares ou diabetes. Nestes casos, os resultados foram superiores para indivíduos mais jovens e saudáveis.
Uma das principais conclusões do estudo foi, no entanto, a importância do número de horas de sono, com a melhor performance cognitiva no grupo de pessoas que dormem 7 a 9 horas por dia. “Embora seja essencial compreender e trabalhar com as nossas tendências naturais de sono, é igualmente importante lembrarmo-nos de dormir o suficiente, nem demasiado tempo nem demasiado pouco. Isto é crucial para manter o cérebro saudável e a funcionar no seu melhor”, afirma Raha West, principal autora do estudo.
Apesar de tudo, outros investigadores salientam a necessidade de interpretar estes resultados com prudência. Jessica Chelekis, professora da Brunel University London, salienta “importantes limitações” no estudo, como o facto de este não incluir dados sobre níveis de escolaridade ou horas do dia em que os testes cognitivos foram efetuados.
Com base na ciência, é impossível determinar um destes comportamentos como mais favorável, até porque, diferentes cronotipos são moldados por fatores que vão para além dos nossos genes, como a personalidade, o nosso ambiente familiar e os papéis profissionais e as rotinas que estes exigem de nós. O principal valor destes estudos está num dos seus objetivos fundamentais: questionar e desafiar os estereótipos à volta do sono.
Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Joana Silva.