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Ciência e Saúde

Prémios Nobel de 2024 da ciência: das pequenas moléculas à inteligência artificial

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Símbolo do Prémio Nobel

No início do mês, foram anunciados os vencedores dos Prémios Nobel de 2024. Entre as inovações científicas premiadas, destacam-se descobertas com um impacto significativo na sociedade, desde a medicina até à tecnologia.

 

Os Prémios Nobel de 2024 foram anunciados entre os dias 7 e 14 deste mês de outubro. O conjunto de seis prémios anuais é atribuído aos indivíduos que realizem “o maior benefício para a humanidade”, de acordo com um dos últimos desejos de Alfred Nobel.

Micro-ARNs: as pequenas moléculas que controlam a vida

No dia 7 de Outubro, os biólogos norte-americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun, foram distinguidos com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina pela descoberta dos micro-ARNs e o seu papel na regulação genética.

Embora todas as células do corpo humano contenham o mesmo ADN, cada uma consegue especializar-se para desenvolver funções diferentes –como acontece, por exemplo, com as células neuronais, da pele, e musculares. Isto é possível devido à produção de diferentes proteínas em cada conjunto de células. São precisamente os micro-ARNs que permitem o controlo das proteínas produzidas em cada célula.

Na década de 90, Ambros e Ruvkun descobriram independentemente a existência dos micro-RNAs e mostraram que estas pequenas moléculas conseguem “desligar” a produção de proteínas. Hoje, conhecem-se milhares de micro-ARNs humanos, envolvidos em funções essenciais como o desenvolvimento embrionário e a prevenção de doenças. A descoberta destas moléculas permitiu a criação de novas terapias contra vários tipos de cancro, doenças cardíacas e neurodegenerativas, entre outras.

Os micro-ARNs são pequenas moléculas que existem nas células de animais, plantas e até mesmo de vírus.

Representação do mecanismo de expressão e regulação genética. Os micro-ARNs existem nas células de animais, plantas e até mesmo de vírus.

Redes neuronais: como o cérebro humano inspirou a Inteligência Artificial

O Prémio Nobel de Física surpreendeu a comunidade científica ao ser concedido a John J. Hopfield e Geoffrey Hinton, pelas suas descobertas e invenções com redes neuronais artificiais, utilizadas para aprendizagem de máquina ou, em inglês, machine learning. Apesar de, atualmente, esta área de pesquisa ser associada à Inteligência Artificial, o prémio reconheceu a profunda conexão desta temática com a física.

Redes neuronais são modelos computacionais inspirados no cérebro humano. Tal como os neurónios enviam e recebem sinais, as redes neuronais utilizam neurónios artificiais para processar informações. De forma semelhante, tal como os cérebros precisam de ser treinados através da aprendizagem, também as redes neuronais devem ser treinada com grandes quantidades de dados, para poderem resolver problemas complexos com elevada precisão.

As redes neuronais foram uma peça fundamental no desenvolvimento da Inteligência Artificial que hoje faz parte do quotidiano. Alguns exemplos incluem o reconhecimento facial dos telemóveis, a tradução de texto em tempo real, a recomendação de filmes, séries e música com base nas preferências de cada indivíduo, entre outros.

John Hopfield focou-se no estudo de redes neuronais conhecidas como Redes de Hopfield. Nos anos 80, o físico norte-americano mostrou que as redes neuronais podem ser utilizadas como uma forma simples de memória. Na mesma década, Geoffrey Hinton, cientista de computação anglo-canadiense, desenvolveu um modelo chamado Máquina de Boltzmann. Esta é capaz de reconhecer e gerar novos padrões, o que permitiu o desenvolvimento da Inteligência Artificial Generativa, hoje usada para criar vídeos ou textos automaticamente.

Exemplo de funcionamento de uma rede neuronal: a imagem passa por extração de características e classificação para ser possível gerar o resultado final.

Exemplo de funcionamento de uma rede neuronal: a imagem passa por extração de características e classificação para ser possível gerar o resultado final.

Inteligência Artificial para prever a estrutura das proteínas

O Prémio Nobel de Química de 2024 foi atribuído a Demis Hassabis e John Jumper, pela previsão da estrutura de proteínas, e a David Baker, pelo design computacional de proteínas.

Um dos maiores desafios da bioquímica é a previsão da estrutura tridimensional das proteínas a partir apenas da sequência de aminoácidos que a constitui. Todas as proteínas do corpo humano são constituídas por sequências de aminoácidos. Apesar de existirem apenas 20 aminoácidos essenciais, a estrutura primária de uma proteína pode ser constituída por sequências com mais de 30 mil destas moléculas. Cada um desses aminoácidos interage não só com os seus vizinhos próximos através de ligações polipeptídicas, mas também com outros que se encontrem mais longe na sequência, através de ligações intermoleculares. São estas interações que definem a secundária e, consequentemente, terciária das proteínas. Assim, para prever a sua estrutura, é necessário perceber como é que cada um dos milhares de aminoácidos interagem entre si.

Representação hierárquica dos níveis estruturais de uma proteína, desde a sequência de aminoácidos que a constitui até à sua forma final e funcional.

Representação hierárquica dos níveis estruturais de uma proteína, desde a sequência de aminoácidos que a constitui até à sua forma final e funcional.

Apesar da modelação computacional de proteínas ser uma metodologia utilizada há mais de quatro décadas, só em 2020, com o uso do AlphaFold 2, uma ferramenta de inteligência artificial concebida por Hassabis and Jumper, é que foi possível prever a estrutura de quase todas as 200 milhões de proteínas conhecidas, a partir das suas sequências.

Adicionalmente, o prémio Nobel também foi atribuído a David Baker pela sua contribuição no design computacional de proteínas artificiais. Estas proteínas não existem na natureza, sendo criadas com estruturas e propriedades específicas para desempenharem uma função desejada – como vacinas, nanomateriais e sensores. Em 2003, Baker desenvolveu um algoritmo denominado Rosetta, que permite não só prever a estrutura terciária de proteínas, como também criar novas estruturas.

Provável proteína de resistência a doenças em plantas, At1g58602; Q8W3K0. Fonte: AlphaFold 2.

Representação de uma proteína no AlphaFold 2. O código de cores corresponde ao grau de confiança na previsão da estrutura da proteína nesse local. As zonas a azul estão associadas a uma maior precisão. Estrutura terciária de uma proteína de resistência a doenças em plantas, gerada pelo AlphaFold 2. UniProt Code: Q8W3K0.

Texto por Isabel Sousa. Revisto por Joana Silva. Créditos da imagem de capa: Adam Baker, https://www.flickr.com/photos/atbaker/8459286843/