Artigo de Opinião
CARLOS LISBOA: RECORDANDO O HOMEM QUE CHEIRAVA BEM
Figuras ícones do desporto mundial, Portugal tem poucas: Eusébio, Ronaldo e Carlos Lopes serão provavelmente os únicos que aparecerão com maior relevo no livro da História do Desporto. No entanto, a nível nacional houve alguns nomes que, se talvez Portugal tivesse outra dimensão desportiva a nível internacional, podiam ter outro figurino.
Eusébio beneficiou do facto de o Benfica e o futebol terem uma amplitude enorme no mundo do desporto, sendo que, não só, foi consagrado como o melhor do desporto-rei, como o Benfica ganhou a competição de clubes mais importante do mundo. Por outro lado, Carlos Lopes também logrou se sobressair dos demais atletas graças a uma medalha de ouro na mais épica prova de atletismo – a Maratona – e logo nos Jogos Olímpicos, que é o expoente máximo que um atleta almeja atingir alguma vez na vida. Finalmente, de Ronaldo, a figura mais mediática que o futebol teve até hoje, nem é preciso dizer nada.
No entanto, outros desportistas portugueses se distinguiram, só que a nível nacional. Entre eles destaco Joaquim Agostinho, conhecido como o “Eusébio do ciclismo”, António Livramento, o “Wayne Gretkzky” do hóquei em campo, que teve o azar de ser o melhor de sempre numa modalidade sem grande repercussão mundial e “o homem que cheirava bem” Carlos Lisboa, o Michael Jordan português.
Falando deste último, refiro-me a ele desse modo por causa da famosa música que os adeptos benfiquistas lhe cantavam: “Cheira bem, cheira a Lisboa” – numa demonstração do carinho e do respeito que os benfiquistas lhe tinham.
Carlos Lisboa foi uma figura incontornável do basquetebol português. Nunca nenhum outro se chegou perto mas, em petiz, até ponderou abandonar a modalidade, quando saiu dos cadetes do Benfica, alegando ser chamado a jogo poucas vezes.
Na altura, a segunda maior figura nacional de basquetebol, o “Magic Johnson” português, Mário Albuquerque (reparem como, devido à falta de conhecimento desportivo nacional além-futebol, tenho de estar constantemente a fazer analogias futebolísticas ou internacionais… enfim), convenceu-o a ingressar no Sporting e foi no clube leonino que ganhou notoriedade, tendo vencido o campeonato nacional por quatro vezes.
Porém, com o fim do Sporting, pelo menos no que diz respeito ao basquetebol, Carlos Lisboa mudou-se para o Queluz, onde carregou a equipa às costas e conquistou o primeiro título do clube – a taça – e o primeiro campeonato nacional – corria a época de 1983/1984.
Pouco depois, pediu um bilhete de ida para Lisboa. Apanhou o comboio da linha de Sintra que para na estação de Benfica e transferiu-se para o clube encarnado, que não ganhava o campeonato há 10 anos. Aí deu o salto. O salto para a posteridade. O salto que tanto o eternizou. Aquele salto para trás, a seguir a um rodopiar de costas, que não dava hipóteses a ninguém.
E não! Não estou a falar do salto do Michael Jordan que tantos pontos lhe permitiu marcar. O salto do Carlos Lisboa, ao contrário do do americano, exigia um movimento giratório de 360 graus, enquanto o do número 23 dos Chicago Bulls obrigava a somente metade do esforço.
Já agora, o meu pai, que também jogou basquetebol no campeonato nacional e tem um incrível recorde máximo de sete triplos num só jogo, faz o mesmo movimento, mas em slow motion, quando comparado à velocidade do Carlos Lisboa, e dribla ao mesmo tempo que gira – o Lisboa não driblava, usando somente os dois passos permitidos por lei – impressionante hein? Eu, que até tenho um lançamento jeitoso, já o tentei fazer e tenho dificuldades em marcar um cesto que seja na pseudo-tabela cá de casa e estou a jogar sozinho, sem marcação!
Continuando, logo na primeira época no clube da luz, Carlos Lisboa acabou com a fome de títulos do Benfica, dirigindo os encarnados à conquista de 10 campeonatos em 12 anos, sendo que, sete desses títulos foram seguidos – um recorde nacional.
É verdade que teve um adeus inglório, perdendo o campeonato nacional para o rival Porto – e quanto o odiavam, já na altura, os portistas, mesmo antes daquele episódio, lamentável de ambas as partes, em 2011!
De qualquer forma foi nessa época de 1995/1996 que Lisboa se imortalizou. Se já era discutivelmente o melhor de sempre, depois de carregar a equipa às costas para a Liga dos Campeões de Basquetebol, com 45 pontos contra o Partizan (que por acaso são mais pontos do que o detentor do recorde máximo de pontos num só jogo na EuroLeague) e dez triplos (que, por outra coincidência inexplicável, também são mais do que os que marcou Saulius Stombergas, detentor do recorde da Euroleague, para mais triplos num só jogo) tornou-se o número 1 português.
Nessa época, o Benfica bateu-se de igual para igual com os monstros Real Madrid e Barcelona e Carlos Lisboa tornou-se num ícone nacional, se é que já não o era.
Há uns dias vi na televisão o lançamento do livro de Carlos Lisboa, promovido pelo Benfica, e achei que foi um gesto digno e nobre do clube encarnado, para com um homem que tanto fez pelo clube e que, pela primeira vez na história do basquetebol, fez ouvir o nome de Portugal no estrangeiro.
Espero, sinceramente, que um dia as outras grandes figuras do desporto nacional, independentemente do clube a que tenham pertencido, sejam recordadas da mesma forma e que todos, seja qual for a cor do coração, se levantem para aplaudir quem nos presenteou com arte na forma de desporto e não somente com arte na forma de futebol.
David Guimarães
21/11/2014 at 13:44
O Carlos Lisboa foi o melhor jogador de basquetebol português de todos os tempos. Julgo, porém, que não o podemos considerar como uma figura nacional. Aquela atitude que teve no Dragão Caixa quando foi campeão como treinador há uns anos atrás, enfiando por várias vezes o dedo no orifício rectal (julgo que devia ter essas práticas apenas na privacidade do lar), faz com que, na minha óptica perca o consenso alargado que uma figura nacional necessita. Existe, de facto, no nosso país, a tentação de tornar toda e qualquer figura relevante para o Benfica como um ícone do país. Apesar da enorme dimensão do clube da Luz, nem sempre a circunscrição nacional assenta bem aos seus mais ilustres representantes. Eusébio, por exemplo, é uma figura que gera simpatias na maior parte dos adeptos do desporto, podendo agigantar-se até ao patamar de figura que represente a nação (embora esse força simbólica seja sempre impossível). Carlos Lisboa, por aquela atitude macaca que teve no pavilhão do Porto, encostou-se a uma representatividade clubista. A boçalidade que demonstrou impede esse reconhecimento alargado. Não tem, por esse facto, legitimidade para ser considerado como uma figura do desporto português, mas sim como uma figura do desporto benfiquista (uma figura imensamente grosseira).
Os meus parabéns ao teu pai pelo seu recorde de triplos!
Um abraço!
Afonso Loreto Aguiar
21/11/2014 at 14:06
No calor do jogo e perante as, atrozes provocações dos adeptos ( e não estou a dizer que só os adeptos do Porto façam isso. Basta ver os adeptos do Benfica no youtube a chamar macaco ao Hulk) fazem sobressair o pior em nós. No entanto, não poderemos basear-nos nesse ato isolado para o desconsiderar figura nacional. O ato é plenamente justificado. Os jogadores continuam a ser humanos e com direito de expressar as suas emoções e, na minha ótica, com o dever de não reprimir aquilo que sentem. Afinal, não estamos no 25 de Abril, não estamos no tempo dos gladiadores, que estavam ali com “animais”, animais esses que não tinha o respeito do público. Ora, se o público tem o direito de os ofender, os jogadores, como seres humanos livres e com direitos, têm o direito de reagir de volta. Se assim não fosse o Quaresma não podia ser um ícone para o Porto, o Ronaldo, que até fez “piças” para os adeptos do Benfica, não podia ser o herói nacional, entre outros. Em relação ao que dizes do Benfica, acredito existir uma rivalidade nortenha com o Benfica que não permite ver o cômputo geral. O Benfica é efetivamente mais badalado que o Porto e tem uma repercussão muito maior, mas esse badalo deve-se a feitos históricos, que são, com toda o direito e virtude badalados. Se reparares bem O Joaquim Agostinho, o Carlos Lopes e os cinco violinos são sportinguistas e são exageradamente elevados a panteões nacionais. O Joaquim AGostinho fez dois top-3 na Volta a França e um segundo lugar na Volta a Espanha, mas o Rui Costa, que até correu no Benfica foi campeão mundial e venceu três vezes seguidas a Volta a Suiça. No entanto, o grande ícone português é o Joaquim Agostinho. O Carlos Lopes venceu a maratona, mas a Fernanda Ribeiro, a Rosa Mota (ambas do Porto) e o Nélson Évora (do Benfica) também o fizeram, mas a nenhum é dada a mesma importância que o Carlos Lopes. A única que chega lá perto é a portista Rosa Mota. Do Nélson Évora quase nem se fala e é do Benfica. Os cinco violinos ganharam 4 campeonatos seguidos e se leres o record ou A Bola fala-se neles, quase como se fosse a equipa Benfiquista que foi bi-campeã europeia. Aquilo que dizes, para mim, é fruto da rivalidade Befica-Sporting. O Benfica tem 3 ícones nacionais – Eusébio, Carlos Lisboa e António Livramento e, todos, sem qualquer dúvida, foram ou dos melhores de sempre, ou os melhores a nível nacional. Se fores lá em baixo vais perceber que o Benfica não é carregado ao colo e que, aquilo que vocês sentem em relação aos encarnados, sentimos nós em relação ao Sporting.
Afonso Loreto Aguiar
21/11/2014 at 14:08
Atenção que eu não estou a dizer que o facto de o Benfica ser mais badalado é justo. Só estou a justificar essa situação. Para mim, falava-se de Porto e Benfica de igual forma e do Sporting um pouco menos.
Carlos Martins
22/11/2014 at 02:52
Artigo bem fundamentado e muito completo sobre uma das grandes referências do basquetebol português. Clubites à parte, tenho que reconhecer o valor do Carlos Lisboa como atleta, apesar de alguns defeitos de carácter, conforme o David exemplificou no comentário acima…