Artigo de Opinião
O CINEMA VAI AO BAIRRO
Decorreu no dia 29 de Novembro a segunda sessão do Cinebairro de Aldoar, ciclo de cinema no bairro de Aldoar, no Porto, dinamizado por um grupo de cidadãos e cidadãs que procuram usar o cinema para que as pessoas reflitam e debatam sobre as suas condições de vida, e talvez desse debate fazer surgir um desejo de mudança.
O filme exibido foi o “Kunta”, realizado pelo Ângelo Torres, que incide sobre os preconceitos racistas e o problema da emigração africana para a Europa. A apresentação e a dinamização do debate ficaram a cargo do Rui Spranger, ator que participa no filme. Escolhemos este filme depois de, na primeira sessão, termos exibido “O Grande Ditador”, do Charlie Chaplin, e de termos constatado que era demasiado longo para, no final, haver ainda espaço para o debate.
A sessão começou às 21h, depois de um bom caldo verde e alguns petiscos, patrocinados pela Esmeralda, presidente da Comissão de Moradores do bairro. A audiência era constituída sobretudo por jovens adultos/as que conviviam nos espaços comuns do bairro antes da exibição do filme. Durante o filme, a atenção do público foi dispersando – ajudou a mantê-la o facto de o filme ter apenas meia hora.
Não foi fácil iniciar o debate: às perguntas sucediam-se respostas vagas e curtas, que não geravam discussão. Diziam que não, que o racismo em Portugal não existe, que tratam todos os seus amigos/as por igual e que conhecem até vários africanos/as. A sessão começou a tornar-se produtiva quando perguntámos ao público se não seria também uma forma de racismo o facto de eles/as serem tratados/as de forma diferente por morarem num bairro social. Aí as respostas já fluíram: que na escola, os/as professores/as tratavam melhor os “betinhos”; que não se sentiam iguais a alguém que morava na Foz mas que, ainda assim, tinham orgulho em morar no bairro de Aldoar; que não gostavam de ser tratados/as de forma diferente. E, assim, a conversa evoluiu em torno de castanhas e bolo de chocolate, já que os momentos de convívio se tornam, também, um grande alimento para o debate.
É este exactamente o objectivo do ciclo: pegar num objecto artístico, neste caso um filme, e, através do debate e da comunicação, conseguir fazer com que as pessoas se relacionem com os temas tratados e pensem nas suas próprias condições de vida. Acreditamos que através do cinema e do debate as pessoas se podem questionar e, no limite, desejar tomar o destino das suas vidas nas mãos, lutando contra aquilo que lhes dizem ser inevitável. Que através da análise de situações teoricamente fictícias consigam olhar para os seus problemas e insurgir-se contra aquilo que acham injusto.
Claro que esta não é tarefa fácil numa população cada vez mais alienada e dominada por uma comunicação social que é voz das forças dominantes. Mas acreditamos que, desenvolvendo metodologias de comunicação através da arte, talvez aos poucos se consigam operar mudanças no sentido de reduzir essa alienação.