Crítica
BRAD MEHLDAU: A MÚSICA DO PIANISTA É UMA ESPÉCIE DE MUNDO EM ABRAÇO
A cada contacto com a música de Brad Mehldau parece mais óbvio que esta habita num mundo próprio. E ao vivo, proporcionados pela privacidade de estarmos na mesma sala que o músico, é como um percurso bem definido pelas imagens deste espaço sonoro: mares harmónicos e ênfases rítmicos, linhas melódicas suaves, consistentes como a técnica do pianista e o seu controlo absoluto do que toca.
A Sala Suggia estava praticamente cheia para ver Brad Mehldau, adornada por uma confortável iluminação laranja. Deste grande público, os que esperavam um concerto linear tiveram uma desilusão: mais do que um concertista que executa trechos musicais, Mehldau proporcionou um momento de partilha, às vezes íntima, suportada pela singeleza do piano. As suas poderosas cargas harmónicas, densas e fugazes, eram geralmente seguidas por frases sinceras, obedecendo a uma espécie de padrão: o músico gerava texturas harmónicas e, quando estas saturavam, suprimia-as com o seu sentido melódico.
Estas melodias, em grande parte, consistiam em covers de músicas mais associadas ao universo pop, ao bom estilo do seu trio. “Retrato a Preto e Branco” de Carlos Jobim, “Blackbird” e “And I Love Her” dos Beatles foram as canções retocadas pelo pianista, que fez um exímio trabalho em manter as suas essências originais e ao mesmo tempo acrescentar o seu cunho próprio.
Sempre com os olhos fechados, cabeça virada para cima ou para baixo, o próprio Brad estava perdido no seu mundo. Em alguns momentos, as suas texturas densas e repetitivas faziam lembrar o minimalismo de um Steve Reich, sendo que todo o volume instrumental e sónico que caracteriza um “Music For 18 Musicians” por exemplo, estava contido num só discurso e num só instrumento. Todo o espetáculo consistiu numa divagação absolutamente controlada e, de uma forma acidental ou não, com um lado humano claro: o músico dava e recebia, o público dava e recebia.
A música de Brad Mehldau é uma espécie de mundo em abraço. Apesar de se basear numa linguagem musical complexa, esta é transversal a todos os ouvidos e, isolados do mundo pelas paredes da sala, qualquer conhecimento musical passa a ser sinceramente irrelevante. Ela toca-nos. E sentimos meiguice na pele.
Ao fim de um quarto encore, depois de uma quarta salva de palmas em êxtase por um público continuamente de pé, o pianista despede-se com gratidão e abandona o palco. Entrou tímido e franzino. Saiu tímido e franzino. A música, como uma excessiva dimensão sonora, como um abraço quente palpável, fica.
Júlio Dias
14/03/2015 at 16:48
Porra, que texto bem escrito! Fantástico!