Cultura
AS TRÊS MARIAS DO SÉCULO XXI
Vanguardista, escrita a seis mãos, por três mulheres, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, mistura vários géneros e refunde completamente o alegado discurso de Mariana Alcoforado, jovem freira de Beja nas “Lettres Portugaises”, torna-se, em pleno contexto salazarista, num incontornável marco da história contemporânea feminina e literária portuguesa. A obra rompe com as expectativas de leitura mais conservadoras a dois níveis, ao nível formal, pelo assumir da descontinuidade textual, e ao nível temático, ao dar expressão ao erotismo enquanto forma de libertação da mulher.
Ao contrário do trio inicial, as Três Marias do Século XXI não são apenas da área da literatura, mas das artes. Porque por um lado o estatuto da mulher se foi alterando, estas mulheres procuram mostrar nas suas criações o poder feminino, a sensualidade e a determinação mas, sobretudo, o direito à liberdade e à igualdade de todos os seres humanos.
OLGA RORIZ
Se quando falamos nas 3 Marias a sensação transmitida é de liberdade. Quando referimos o nome de Olga Roriz possuímos o mesmo sentimento.
Bailarina, professora e coreógrafa de renome nacional e internacional possui actualmente 40 anos de carreira e um vastíssimo currículo. Desde o Ballet Gulbenkian, onde foi bailarina e coreografada por nomes como Lar Lubovitch, Louis Falco, Christopher Bruce, Jirí Kylián, Hans Van Manen, Alvin Nikolais e Karine Saporta, e posteriormente também coreógrafa, até à criação da sua própria companhia (que celebra este ano 20 anos), e não esquecendo as várias companhias de ballet mundiais, os inúmeros solos e peças que coreografou e/ou participou.
Olga Roriz é uma das nossas 3 Marias da actualidade pela defesa do belo, do sensual, do feminismo. Porque tal como as autoras do livro: escreve. Mas fá-lo com o seu corpo e os corpos dos seus bailarinos, transformando a dança em palavras. Tal qual Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa e através de fortes dramaturgias procura constantemente atravessar muros e fronteiras e transmitir os sentimentos e sensações. Na sua dança abstracta, expressiva, intemporal, diversificada e poética, é a artista que imagina e ao mesmo tempo a pessoa que executa a arte que idealizou. Nunca sabemos se a página seguinte que “escreve” é semelhante à anterior ou se será mais uma inovação, tal como se verifica nas “novas cartas portuguesas”, em que cada folha possui uma nova estrutura, forma e descoberta.
CAPICUA
A portuense Ana Matos Fernandes, socióloga doutorada em Barcelona, faz-se mc militante em 2004. Após várias colaborações com outros artistas, viria a lançar, em 2012, o primeiro álbum em nome próprio, com selo Optimus Discos, conseguindo atingir novos públicos, surpreender a crítica – ou não fosse uma voz portuguesa, portuense, feminina no hip hop – e alcançar lugares cimeiros nos tops nacionais. Conta já com uma longa lista de colaborações, conferências, projetos sociais e workshops.
Inúmeros são os elogios tecidos à autora de Medusa e Sereia Louca (ou serei a louca), temas de carácter claramente revolucionário e vanguardista. “Acima de tudo, Capicua tem uma voz que é indiscutivelmente sua e fala mais alto do que todas as quotas de sexo ou idade.” (Lia Pereira, Expresso).
Capicua honra a sua língua pela precisão da rima, prima pela versatilidade dos ritmos, não descurando a evidente emoção dos temas que toca, usando a sua arte como instrumento de intervenção social, de emancipação, de luta feminista. De uma energia vital inigualável, não aceitará nunca que lhe digam “que antes muda que rouca”.
ANA LUÍSA AMARAL
Ao lermos as Novas Cartas Portuguesas percebemos que, além de um hino de liberdade sentimental e sexual da mulher, é uma busca intensa pela igualdade de género.
Hoje, em pleno século XXI, o conceito das “três marias” cresceu e modificou-se, resultado de 41 anos de liberdade. Contudo, a análise da sua génese continua a ser um pilar basilar nos dias que correm. Neste momento, e atendendo a essas necessidades, existe um projeto internacional denominado “Novas Cartas Portuguesas, 40 anos depois” que envolve 13 equipas em mais de 15 países espalhados por todo o mundo. A coordenar esta vasta equipa encontra-se a poetisa portuguesa Ana Luísa Amaral, sendo esta uma das nossas eleitas.
Aos 59 anos é considerada um dos maiores nomes da poesia portuguesa, e aclamada a nível internacional, para além de figura de destaque no meio académico. Com uma tese de doutoramento debruçada na poesia de Emily Dickinson tornou-se professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde investigou e lecionou nas áreas de Estudos Feministas, Estudos Queer e Poéticas Comparadas. No âmbito dessas pesquisas foi autora (em 2010) de uma versão anotada da obra de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno.
Ana Luísa não se baseou apenas num ativismo/abordagem apenas e só académicos. Nas eleições autárquicas de 2013 encabeçou, pelo Bloco de Esquerda, uma candidatura à Assembleia Municipal da Câmara do Porto. Como referiu numa entrevista anterior ao JUP em que citava Sérgio Godinho “(..) estejamos suportados nos cinco pilares de “A paz, o pão, habitação, saúde, educação!” em que assenta uma sociedade de paz.”. O seu mote é a igualdade na dignidade para todos os cidadãos, quer sejam ricos ou pobres; de direita ou de esquerda; ateus ou religiosos; homens, mulheres ou intersexuais.