Sociedade
“MOVEMO-NOS POR CAUSAS. DEIXAMOS O QUENTINHO DO SOFÁ PARA VIR MUDAR O MUNDO.”
O primeiro debate teve como tema principal “O Desenvolvimento: balanço presente e projecção futura” e contou com a presença da jornalista do JN, Ivete Carneiro, como moderadora. O painel de oradores foi composto por José Alberto Reis, vice-presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), Manuela Lopes-Cardoso, presidente da Associação África Solidariedade, Pedro Cruz, director executivo da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), e Miguel Pavão, médico-dentista na ONG Mundo A Sorrir, para a qual se destinaramas receitasdo encontro. Falou-se de educação, saúde, da resposta europeia à «crise dos refugiados», do trabalho dasONGD’se do poder do jornalismo enquanto meio de divulgação e desenvolvimento de mentalidades.
Manuela Lopes-Cardoso é um dos rostos que, entre outras missões, possibilita a formação universitária de jovens africanos residentes em Portugal. Um deles está a estudar cá para ser médico, e quando terminar os anos que lhe faltam, quer regressar a Moçambique e exercer medicina lá, onde os conhecimentos de saúde escassam também a quem trata as pessoas.A jornalista Ivete Carneiro que, em 2004 esteve no Sri Lanka, testemunha o desconhecimento de um enfermeiro que não sabia medir a quantidade de medicamento a dar a uma paciente. Por isso é que aprender em Portugal para pôr em prática nos seus países de origem é o desejado pelos jovens estudantes que estão integrados na “África Solidariedade”. Um dos problemas que se coloca e que leva à incapacitação dos ministérios dos países africanos é que, muitas vezes, quando um jovem se forma em medicina ou engenharia e chega ao seu país, “não quer ser médico nem engenheiro, quer ser ministro”, garante um participante guineense presente na plateia. Essa é uma das razões apontadas à falha nas relações entre ONGD’s e governos dos países em questão. Os órgãos governamentais não estão preparados para lidar com as organizações, por serem “ainda frágeis, pouco maduros e incapazes de assumir responsabilidades”, diz Miguel Pavão, que já fez voluntariado em vários países africanos. José Alberto Reis falou em “falta de estratégia” de Portugal em relação aos PALOP desde o 25 de Abril, acrescentando que “Portugal só começou a acordar para Angola, quando Angola começou a dar dinheiro”. Mas não é só na relação Governos/ONGD’s que há lacunas. Entre as próprias organizações, há “uma forte descoordenação interna”. É Pedro Cruz, cuja plataforma representa 66 ONGD registadas no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que o diz com pesar. O dentista Miguel Pavão confirma. Esteve no Príncipe, no ano passado, e deu conta de 5 projetos de solidariedade na ilha. Cooperação entre eles não havia.
Uma União que também escassa, na opinião de José Alberto Reis, é a Europeia, sobretudo na relação quemantém com os países de África ou do Oriente. “Quando se tem de salvar um banco, o dinheiro está lá no dia seguinte, quando é para acolher refugiados, demora-se imenso tempo a tomar decisões”, diz o vice-presidente da EAPN. Esse “discurso hipócrita” faz duvidar das vontades da UE em aceder aos pedidos de asilo dos refugiados e faz ter a certeza de que se “a Europa amasse o seu semelhante, as pessoas já estariam integradas”. Como dinamizador de uma série de atividades que “dão voz aos cidadãos em situação de pobreza e carência”, José Alberto afirma que as pessoas mais pobres são as primeiras a estenderam a mão aos refugiados sírios e que estão longe de serem as mais reativas ao tema. Pedro Cruz diz que é preciso trabalhar em dois níveis: nos países de origem dos refugiados, e nos países de destino. Nos primeiros para que não haja a necessidade de partir, e nos segundos para que, havendo essa necessidade, exista a maior integração possível. Pedro e Miguel culpam, em parte, o «mundo desenvolvido» pelas guerras e crises que afetam os «países do terceiro mundo», quer pelo fornecimento de armamento, quer por estratégias geo-políticas que “tiram com três mãos o que deram com uma”. Miguel Pavão acha que os chamados países desenvolvidos só o serão realmente quando souberem ajudar de forma desinteressada os países em desenvolvimento e emergência.
Para o exercício eficaz dessa tarefa, Miguel acha essencial a presença de jornalistas no terreno e lamenta o desinteresse geral dos órgãos de comunicação pela pobreza e pelo trabalho das ONGD’s. “Só quando aparece uma fotografia de um bebé caído numa praia, é que surge interesse” – refere. Os oradores concordam que a culpa se distribui pelas organizações, que muitas vezes não estão dotadas dos departamentos de comunicação necessários ou não percebem a força duma história e de uma caneta, e pela comunicação social, que muitas vezes ignora os pressreleases que são enviados pelas organizações não-governamentais. Ao contrário de algumas ONGD’s, a Mundo A Sorrir percebe o poder do jornalismo. É Miguel Pavão que o comprova ao dizer: “Sou dentista e quem me dera ter o poder do jornalismo.”
Os oradores falaram ainda da importância da cidadania e da forma como o tema está a ser cada vez mais posto de parte nas escolas. “Nós movemo-nos por causas. Deixamos o quentinho do sofá para virmos mudar o mundo” – diz Miguel Pavão – “Só é pena sermos sempre os mesmos…”, remata.
O comissário do evento e presidente da Associação para o Diálogo Multicultural, André Rubim Rangel, dedicou o primeiro debate do Ciclo “Envolve-te & Desenvolve” a Paulo Cunha e Silva, antigo Vereador da Cultura do Porto,cujo envolvimento na cidade se repercutiu no seu desenvolvimento.