Crónica
“QUERIDO, MUDÁMOS DE PATRÃO”
O marido, acabado de chegar a casa, depois de ter ido comprar pão, foi arrebatado pela notícia que a mulher lhe deu: “Querido, mudámos de patrão”. “Mas despediram o outro?”, disse-lhe confuso. Ela logo o confirmou. “Despediram-no, mas ele até aceitou bem, apesar de ter dito que não gostava muito das mudanças que o novo quer fazer. Acho que já sabia que ia de vela.”
O homem sentado no sofá, onde tomava conhecimento de todos estes detalhes, cruzou os braços. “Coitado, até era bom homem, fez o melhor que sabia”. Ela logo atacou: “Que não se tivesse metido com aquele fornecedor, que mandava mais na empresa e nele do que ele próprio.” O marido revirou os olhos e suspirou arreliado.
Ao almoço, já com a patanisca e o arroz de feijão à sua frente, perguntou: “Mas olha, este sabe mais do negócio do que o outro? É que isto não é só mandar, tem de se perceber da coisa.” A mulher acenou positivamente com a cabeça e disse-lhe que tinha razão, mas que só o futuro diria se o novo patrão sabia “porque é que a bola pincha”. “Eu gosto dele, inspira-me confiança e parece bom homem”, rematou ela do lado esquerdo da mesa. Do lado direito, o marido remoía no assunto, dizendo algumas palavra entre dentes, coçando a testa, como quem analisa os números a jogar no euromilhões. “Se calhar até podiam ter ficado os dois a mandar”, murmurou o marido. “Não se entenderam”, consolou-o a mulher.
Falaram também de quem iria acompanhar este novo patrão. Os cargos, quem ia fazer o quê, quem eram, se os conheciam, se tinham experiência e se eram boas opções. Escusado será dizer que o casal não concordou em muita coisa e que toda a conversa pareceu um diálogo de novela: muito drama. Houve alguns desvios de tópicos, nomeadamente, falaram 5 minutos de um atentado que tinha acontecido não muito longe dali. Mas como esse já era um assunto muito falado nesses últimos dias, a mudança de patrão deu-lhes algo novo com que se debater.
Ao jantar, os ânimos já estavam mais calmos, mas o tema era o mesmo.
Aliás, o tema foi o mesmo durante todo o dia. Já tinham ido vizinhos tocar à campainha para falarem sobre o assunto, o telefone não parava de tocar e até na televisão passou alguma coisa sobre isso. “Se mudássemos de patrão de quatro em quatro anos, não quero imaginar a rebaldaria! Ah, espera…”, disse o marido.