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The Batman: um thriller-noir enigmático

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Qual era a necessidade de mais um filme do Batman? E sem conexões a um universo compartilhado que parece estagnado e desinteressante? Estaríamos prestes a ter o novo grande flop da rival da Marvel?

The Batman causou polémica a partir do momento em que foi anunciado. Primeiramente, sabia-se que seria um filme integrado no DCEU, protagonizado por Ben Affleck, mas após o desastre de bilheteira que foi Justice League (2017) e com todo o caos que se desenrolou, o projeto foi engavetado durante uns tempos. De seguida, foi confirmado que o filme seria algo independente e desligado do universo compartilhado.

Matt Reeves, o diretor, trazia consigo a promessa de algo novo e criativo. Juntamente com Reeves, vinha o novo Batman: Robert Pattinson. Choveram críticas e promessas de boicote ao filme, uma vez que Pattinson não possuía as características-chave para um Batman à moda antiga. Embora o ator já colecione trabalhos de excelência, acaba sempre por ser lembrado pelo seu papel na saga Twilight, o que causa sempre um burburinho a cada novo lançamento que protagonize. Apesar disto, houve também quem defendesse o ator e manifestasse o seu apoio pelo diretor, cujas ideias e influências agradavam particularmente aos fãs mais assíduos do morcego, gerando ondas de hype que, lentamente, se foram propagando e ganhando força.

O que é certo é que após alguns anos (e uma pandemia que atrasou as filmagens), a nova aventura do morcego chegou aos cinemas. Qual a premissa que esta nova aposta apresenta? Terá conseguido silenciar as críticas e estar à altura das expectativas? Será que teve o sucesso merecido?

The Batman é, acima de tudo, um thriller com influências noir. Claro que algumas das habituais características de um blockbuster de super-heróis estão presentes, mas de uma forma harmoniosa, que se confunde com o tom do filme e nos faz esquecer que estamos a assistir um filme do género.

Um ano após Bruce Wayne, um jovem órfão bilionário, adotar o manto de um vigilante mascarado de morcego, inicia-se uma onda de assassinatos macabros. Figuras da elite de Gotham City são perseguidas e executadas, uma a uma, acusadas de corrupção e de vários crimes que tornaram a cidade no palco perfeito para negócios mafiosos e jogos de interesse. Até as figuras mais queridas e estimadas são reveladas como gananciosas e, por consequência, assassinadas de uma forma brutalmente chocante. O responsável por estas ações autodenomina-se de Riddler (Paul Dano) e dirige várias cartas a Batman, convidando-o a participar nesta caça pela justiça, através de charadas e desafios mortais. Em conjunto com Jim Gordon (Jeffrey Wright) e Selina Kyle (Zoë Kravitz), o Detetive das Sombras decide inferir as acusações divulgadas pelo seu oponente. Estará, no entanto, o vigilante preparado para descobrir todo o passado sombrio da cidade, no qual a sua família também está intensamente envolvida?

Fotografia: Warner Bros.

É obrigatório falarmos dos materiais em que Matt Reeves se baseou para a realização de The Batman. Em termos cinematográficos, o filme transpira a aura de filmes como Se7en, Zodiac (David Fincher) e Prisoners (Denis Villeneuve), autênticas obras-primas e mestres na construção de nervosismo e de suspeita.

No que toca aos clássicos do herói nas bandas desenhadas, o realizador optou por transportar vários traços de Batman: Year One, The Long Halloween e Batman: Ego para o grande ecrã. Com todo este mix de inspirações, o filme conseguiu tornar-se algo familiarmente único. Ainda que deixe patente as fontes de que bebeu, consegue tornar-se original à sua maneira. É seguro dizer que este é o maior mergulho no personagem. Não só consegue representar melhor toda a confusão mental e complexidade do herói, como também o seu lado de detetive.

É um filme de investigação no seu estado mais puro: lento, sombrio, psicológico, profundo e com violência em momentos pontuais. Toda a atmosfera e construção do filme é tão bem pensada e cheia de detalhes que nos esquecemos do que estamos a ver e pensamos que é um thriller à la David Fincher.

Em termos de elenco, não poderíamos ter melhores escolhas. Paul Dano é aterrorizante na pele de Riddler, entregando uma performance com camadas e que nos convence das suas motivações e pretensões. Zöe Kravitz é a melhor representação de Selina Kyle/Catwoman até aos dias de hoje. Colin Farrell é hipnotizante como Penguin e Jeffrey Wright consegue transmitir o espírito do Comissário Gordon que nos é tão familiar. John Turturro como Carmine Falcone também arrasa, lembrando os Corleones de The Godfather (Francis Ford Copolla).

É de admirar como Reeves conseguiu reunir um leque de atores tão profissionais e que conseguem representar a mítica galeria de vilões do herói na perfeição, num primeiro filme de um possível franchise. No entanto, quem se destaca é o próprio Robert Pattinson, é claro. O ator britânico chegou para calar algumas das bocas que lhe apontaram no momento de casting, entregando um Bruce Wayne completamente quebrado emocionalmente, que ainda está a aprender com o seu passado e com os seus erros, debatendo-se sobre o que deve fazer e representar enquanto Batman. Mesmo passado um ano de serviço, Bruce ainda está algo “verde” e não encontrou verdadeiramente o seu propósito, agindo apenas como um símbolo de vingança.

Pattinson consegue criar um Cavaleiro das Trevas único, tornando-se difícil de desviar o olhar. Quem contestou a escolha do ator para este papel, nota agora que talvez tenha falado demasiado cedo. A sua química com Kravitz é palpável, tal e qual a relação dos seus personagens nas comics. Ficou a faltar um pouco mais de Andy Serkis como Alfred, o fiel mordomo dos Wayne e personagem muito relevante no desenvolvimento do protagonista, cuja prestação, ainda que competente, não convence por completo.

Fotografia: Warner Bros.

A banda sonora de Michael Giacchino rivaliza com grandes bandas sonoras de marcos do cinema. É ousada, negra e ao mesmo tempo, envolvente, condizendo na perfeição com o tom da história representada. O tema principal está sempre presente, evoluindo para uma colossal sonata final que acompanha a evolução do personagem. Destaca-se ainda a composição dos Nirvana (Something in the Way), que contribui para o enriquecimento da experiência. A cinematografia é de louvar, havendo vários momentos do filme que dariam ótimos posters. Nunca tivemos uma Gotham City tão fiel como esta, com os seus traços góticos aliados à modernidade, relembrando um pouco a atmosfera dos jogos da série Arkham A paleta de cores é escura, suja e ao mesmo tempo, bela. Realmente parece que toda a ambientação característica do Cavaleiro das Trevas saltou das páginas das bd’s para o grande ecrã, tudo funciona em harmonia e flui naturalmente.

Todavia, o filme não está isento de problemas. O principal é a questão do ritmo. No que respeita ao pace da narrativa, existe uma divergência natural, correspondente ao nível de proximidade entre o espectador e o universo. Se por um lado a tensão e todo o domínio que diz respeito ao Batman é suficiente para captar a atenção dos fãs mais fiéis do morcego, por outro lado há que ter em consideração a possível falta de “bagagem” ou até mesmo de apreço pelo personagem.

A longa-metragem dura quase três horas e devido ao slow burn, pode tornar-se cansativa e desinteressante para quem esperava algo mais frenético ou simples. Não obstante, é preciso entender o dilema do produtor, que teve receio que se perdessem cenas importantes do filme na tentativa de o encurtar. Vale a pena salientar que o filme constrói grandes bases e inicia alguns plots nos primeiros dois atos cuja concretização pode gerar dissabores. O terceiro ato continua a ser fantástico (especialmente nas cenas finais!), mas deixa a desejar quando comparado a todo o world-building anterior.

A verdade é que The Batman é exímio em desenvolver os personagens, explorar as suas relações e justificar as suas origens, pressupostos morais e motivações. O filme é um bolo praticamente imaculado, falta-lhe apenas a cereja no topo. E quando Matt Reeves a coloca, chega com um sabor diferente para cada pessoa. Uma vez mais, estamos perante um divisor de águas. Parece unânime que o objetivo principal de o Batman se transformar num verdadeiro símbolo de Gotham é cumprido com maestria.

Em contrapartida, quem esperava um plot-twist final ou um outro tipo de desdobramento do enredo pode ficar com um amargo de boca. Esta possível ligeira desilusão é legítima, porque toda a arquitetura da história tem tanto fôlego e é tão prodigiosa que nos leva a subir as nossas expectativas de uma forma, talvez, desmedida. É até positiva, porque só enaltece a qualidade apresentada ao longo das três horas em que estamos sentados a contemplar. Vale, no entanto, ressalvar que não é um mau término e nem todos ficarão com esta sensação. Nós próprios divergimos na nossa visão, porque, assim como no tópico da duração, provar esta cereja pode deixar pessoas a rejubilar por completo. Tudo depende do paladar de cada um.

Com base em tudo o que foi escrito, ficamos com a certeza absoluta de duas coisas: The Batman é uma criação absolutamente notável e este Reeves-verse ainda tem muito para oferecer ao mundo. É inquestionável a grandeza deste filme e as pontas soltas que deixa para futuras sequências, spin-offs e até séries. Quão grande é este filme? Isso é o grande enigma do Riddler e do Batman para nós. E a partir daí, cada um dará a sua resposta e o seu parecer, analisando e apreciando tudo em redor. O que nos reserva este franchise? Só a Warner Bros. e o realizador saberão. Mas se eles deixam esta questão sem resposta, que legitimidade temos nós para a responder? A questão fica no ar.

Artigo escrito por João Jesus e João Pedro Pereira

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