Cultura

A VIAGEM SONORA DE “AFRO FADO” DE SLOW J

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Capa do álbum Afro Fado.

Afro Fado é o mais recente disco de Slow J. Fruto de quatro anos de trabalho, será apresentado no palco do Altice Arena, no próximo dia 8 de março, num concerto já esgotado. Recentemente, Slow J anunciou que subirá, ainda, ao mesmo palco, a 7 de março. Por Francisca Costa

 

João Batista Coelho, de 31 anos, é um nome incontornável do hip-hop português em particular e da música lusa em geral. O setubalense que começou o seu percurso na música a estudar engenharia de som em Londres e que, uma vez, disse “os sonhos são coisas frágeis, protejam-nos bem” está no seu apogeu. A 24 de novembro, dia do seu lançamento, o quinto projeto de Slow J, Afro Fado, bate um recorde e passa a ser o álbum português mais ouvido no primeiro dia após o lançamento no Spotify.

A capa do seu mais recente álbum é protagonizada por Amália e Eusébio, que apertam a mão, no Estádio da Luz, enquadrados por pessoas que os aplaudem fervorosamente. A fotografia foi trabalhada pelo artista Fidel Évora (com ajuda de inteligência artificial, que aumentou a quantidade de pessoas do público em volta, centrando os dois protagonistas).

Em Afro Fado, Slow J, filho de mãe portuguesa e de pai angolano, mostra o quanto se encontra na interseção do que significa ser, ter e pertencer a mais do que uma nacionalidade ou cultura. “Tata” é o tema que abre o disco e é também uma expressão que, em Kimbundu, a segunda língua Banta mais falada em Angola, significa “uma forma respeitosa de abordar um pai, uma figura paternal ou, apenas, um senhor mais velho”. A referência seguinte à língua angolana é “wanange”, que pode ser traduzida para “como tens passado?”. Faz, portanto, todo o sentido que este tema enérgico, quase catártico, em que Slow J fala do pai, enquanto reflete sobre a vida, inicie um álbum intitulado Afro Fado, que se resume, ainda, na barra mais impactante de “Where You @?”, primeiro single do álbum: “A tentar resolver o mundo, pondo Amália no Kimbundu”.

O artista é um verdadeiro “do it all”: compõe, canta e faz rap com o seu timbre grave, produz… Todavia, neste, que considera ser o seu disco mais colaborativo até ao momento, conta com Teresa Salgueiro em “Nascidos & Criados”, Gson (amigo de longa data) em “Origami”, FRANKIEONTHEGUITAR em “Sem Ti” e, finalmente, com a coprodução, em todos os temas, dos gémeos GOIAS (Henrique e António Carvalhal, precursores da venda de samples em Portugal).

Os discos de Slow J têm, desde os primórdios, um fio condutor artístico e sónico. Exemplo disso é o facto de “Grandeza”, single apresentado no COLORS, ter ficado excluído do álbum por falta de enquadramento na tracklist final de Afro Fado. Apesar de o rap ser o seu ponto de partida, meio e fim, independentemente da roupagem, as suas experimentações sonoras, que vão além de um só género musical, são já sua imagem de marca.

A inovação está, portanto, presente desde o início da sua carreira e Afro Fado não foi exceção, onde os ritmos “hip-hopianos” dos álbuns anteriores não se fazem ouvir tão fortemente. Nota-se uma grande influência da dança e da eletrónica, em que a maior parte dos temas têm ritmos mais mexidos e acelerados (em paradoxal contraste com o nome do seu autor), que entram e ficam no cérebro, em loop.

Outro exemplo do rasgo criativo de Slow foi a exposição pop-up, “Casa do Afro Fado”, em Marvila, que acompanhou o lançamento do álbum. Com curadoria do já mencionado autor da capa do disco, Fidel Évora, os visitantes tiveram a possibilidade de, ao longo de três dias e com entrada livre, ver vários itens de memorabilia, tal como roupa ou peças de mobiliário, enquanto ouviam Afro Fado, por inteiro, a ecoar nos altifalantes da exposição.

Já no que toca às letras, mantém a linha dos anteriores projetos rimáticos, The Free Food Tape (2015), The Art of Slowing Down (2017) eYou Are Forgiven (2019). A métrica e os temas são os mesmos: a reflexão acerca da vida e dos seus inúmeros acontecimentos, das relações e da família (o pai e o filho de Slow J são peças fulcrais e centrais de Afro Fado), da carreira, da sua identidade, do seu passado, presente e futuro; o tempo que passa, os sonhos que acontecem, os que se concretizam e os que ainda estão à espera do seu momento, que chegará, como chegou sempre até agora.

“Quem apostou contra nós/Agora já não ‘tá com vontade de rir disso” diz em “Origami”, tema que encerra o álbum. Apostar contra Slow J é o mesmo que não saber do que se fala. Os números valem o que valem, mas falam por si, assim como a constante e inegável qualidade do seu trabalho. Slow J está aqui para ficar. Os sonhos, bem protegidos, concretizam-se e concretizar-se-ão.

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