Crónica

Aqui jaz tinta e papel

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Imagem: Md Mahdi (Unsplash)

Fechou o último quiosque da Beira Baixa. A lotaria e jogos de azar, tabaco e snacks migraram para postos de combustível e grandes superfícies. Os jornais e revistas simplesmente pararam de chegar até surgir o inevitável: foi morte lenta. Aqui jaz tinta e papel. The digital killed the physical media.

Por uma solução mais ecológica, prática, instantânea. O mesmo conteúdo, disponível em qualquer dispositivo, a toda a hora, em qualquer ponto do globo. A tese é boa, mas! O impresso que outrora disputara a atenção do cliente com as tentações do jogo ou do tabaco, combate tantos outros vícios online com uma novidade: também boato e mentira são agora notícia. Mas, em princípio, não há nada a fazer: transformação consumada. Sintomas da geração.

O infotainment emergiu – menos informação e mais entretenimento, grita-se por favor -, e, pelo caminho, perdeu-se a pachorra para pirâmides invertidas, relatos chatos sobre acontecimentos chatos que ao sujeito não concerne e uma decrescente tolerância à própria verdade. Nas notícias dos nossos tempos, e independentemente da validade e veracidade das suas premissas num regime em que verdade e pós-verdade se imiscuam, o texto visual ultrapassa o texto escrito. Brilham os tabloides, as redes sociais. O local e insólito, mas violento e sensacional. O populismo que se disfarça de apolítico, mas sedoso de poder.

E o algoritmo? Desinformação? Armas nucleares de uma outra grande guerra: a nossa. Acentua-se a polarização política e abram aulas à supremacia ou ao isso não se diz. Desfalece o pensamento crítico e a participação cívica. Cartão vermelho à democracia. Os moderados de cauda encolhida, serpenteando entre o politicamente correto numa maré de antíteses dogmáticas onde navegam perigosíssimos ismos. A liberdade que se pagou cara, vendida ao de barato. E de pensar nos tantos que ainda só sonham, a acabaram de a conquistar ou nem puderam fantasiá-la.

Não fechou o último quiosque da Beira Baixa, mas calma: já lá chegaremos. E para os órgãos de comunicação social, terá mesmo de ser. Um mercado repensado, a inovação no metamundo. Acompanhar, inovar, sobreviver. E então, os jornais simplesmente deixarão de chegar e passarão só a estar. Mas não por os editores perderem a vontade de os produzir. Nem os fornecedores de distribuir. Tanto menos o senhor Alberto de encerrar o quiosque.

Mas porque assistimos à sua morte de braços cruzados? Talvez, apenas migremos para a versão online e continuemos na luta. Sign of the times. Então, podemos manter o escrutínio, o debate (e já não era mau voltarmos a conversar uns com os outros naturalmente), estar a par do mundo, independentemente da sua ou não imensidão. Ou, se calhar, foi só a humanidade que se cansou de pensar. Afinal, aqui não jaz só papel e tinta.

E assim será, até que voltemos a querer. Crer na ressuscitação, até porque, nos versos mais idílicos, jornais impressos rimam com democracia. Mas o receio de que o jornalismo se afunde sem os remos da escrita física, cria a sensação de um sábado eterno. Para crentes e não crentes, serve lembrar o lema churchilliano: a democracia é a pior forma de governação, excetuando todas as outras tentadas de tempos a tempos. Evitem-se velhos testes.

Artigo da autoria de Nuno Canossa

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