Opinião

Será que a meritocracia funciona?

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Imagem: @jcomp (freepik.com)

Meritocracia, uma palavra frequentemente usada pela ideologia liberal, mas que no sistema capitalista, como no que vivemos, nos é vendido que se nos esforçarmos o suficiente conseguimos alcançar o que queremos. Mas será que é mesmo assim que a sociedade está organizada?

Voltemos primeiro à origem da palavra. Foi em 1958 que o sociólogo britânico Michael Young escreveu a obra “The Rise of Meritocracy”. Esta obra é uma ficção sociológica, em que o autor reflete sobre a meritocracia, que se define como sendo um sistema de governo ou de organização baseado no mérito, ou seja, as oportunidades e posições na sociedade são distribuídas de acordo com o mérito individual de cada pessoa, que deverá ser independente da classe social a que pertence. O autor reflete sobre os perigos desta forma de organização, uma vez que se as oportunidades forem dadas de acordo com o que o autor chama de “quociente de inteligência”, as pessoas apelidadas como “sem mérito” serão deixadas sem qualquer apoio. O autor termina a obra criticando este sistema, uma vez que deixa as pessoas à mercê dos abusos da elite autocrática, que se considera merecedora da posição em que se encontram.

Ora, até podemos pensar que esta forma de organização é justa, uma vez que apenas é tido em conta o mérito de cada pessoa. Mas será que é assim tão simples? Uma das  críticas a este sistema, prende-se com ser uma ideia intimamente ligada ao capitalismo, de que todas as pessoas têm de ser produtivas e as que não são não merecem consideração, porque não tem utilidade. Este sistema promove, igualmente, uma visão completamente individualista, em que cada um deve lutar apenas por si, originando uma competição desenfreada e que começa logo na infância, onde as crianças competem para ver quem tem uma melhor nota.

Além disso, este sistema não considera as várias variáveis que podem afetar o sucesso de uma pessoa. Primeiro, nem todos começam a vida com as mesmas oportunidades e recursos. Acham que uma criança de uma família pobre pode ter tanto rendimento como uma criança de classe média ou rica?  Não pode, e como diz o Carlão “na escola, o miúdo sem comida não tem o mesmo rendimento do miúdo de barriga cheia”.

Adicionalmente, este tipo de sistema não tem em consideração o contexto socioeconómico. É possível considerar que uma criança com estas vivências tem tanta atenção e disposição para estudar em comparação com as crianças que crescem num ambiente mais adequado?

Acham que começamos todos com os mesmos recursos, quando alguns recebem heranças milionárias e outros mal acabam o ensino obrigatório têm de trabalhar para se sustentarem ou então têm de ser trabalhadores estudantes enquanto concluírem o ensino superior, sendo que muitos alunos até têm capacidades, mas não têm recursos económicos para ingressar na universidade?

Além de toda esta desigualdade de oportunidades, as pessoas não deviam ser avaliadas pela sua utilidade. Acham que o valor de uma pessoa se reduz à riqueza que produz? Uma pessoa pode ser importante na família ou na comunidade, sem produzir riqueza material. Por outro lado, as pessoas são diversas e este sistema não pretende valorizar a diversidade e os diferentes talentos de cada pessoa, mas sim apenas a riqueza que pode gerar.

Por tudo isto, a meritocracia não funciona para todes, não é justo e apenas perpetua as desigualdades sociais. Ademais, viver em sociedade deveria significar que nos preocupamos com todes e que ninguém fica para trás. Deveríamos estar preocupados em lutar por todos termos uma boa vida, boas condições de trabalho e de vida, independentemente da nossa origem. Para isso, precisamos de construir uma sociedade mais justa e igual, onde todes possam desenvolver os seus talentos, onde tenham tempo livre para lazer, recebam um salário digno, tenham acesso à educação, à saúde, à habitação e, por fim, que tenham liberdade para ser e para viver, em vez de nos concentramos apenas no nosso sucesso. Afinal, viver em sociedade não deveria significar uma vida boa para todes e não apenas para alguns?

Por fim, deixo estes dados de 2023 para reflexão:

42% da riqueza do país está concentrada em apenas 5% da população.

10% dos mais ricos acumulam 25% do rendimento do país (Fonte: SicNoticias)

Artigo da autoria de Inês Amorim

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