Crónica

A INÉRCIA

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Todos temos sonhos. Quando eu era mais novo queria ser arquiteto, construir casas e cidades, criar espaços que fizessem as pessoas sorrir. Tu também tinhas um sonho, querias ser veterinário, e querias ser professor, e polícia, e pintor, e cozinheiro. Nós queríamos mudar o mundo, fazê-lo mais feliz, queríamos fazer tudo quando ainda tudo era simples.

E assim crescemos, acreditando que um dia – não amanhã, mas um dia – seríamos capazes de conquistar os nossos sonhos. Porém, crescer é também aprender a distinguir sonhos de realidade, e é fazer as escolhas mais acertadas, as que nos garantem um bom emprego e uma boa vida. Deixamos então que os nossos sonhos se acalmem, e não somos menos felizes por isso. Pelo contrário, somos felizes acreditando que teríamos sido capazes de cumprir essas nossas loucuras infantis, só que escolhemos não o fazer.

Por outro lado, talvez esta relação tão íntima entre o sonho e a inércia não seja tão pertinente. Na verdade, a inércia do dia-a-dia é muito mais imediata e relevante. Pensem nas vezes em que adiaram o estudo, trabalhos e compromissos e em quantas vezes isso realmente vos trouxe benefícios. Nestes casos, geralmente, a consequência da inércia não é a derrota. As noites em branco e a pressa resultam em simples falhas no produto final, que inevitavelmente terá de cumprir os prazos.

Porque é que isto acontece? (E para o bem da minha argumentação, deixemos a preguiça de parte.) Será que às vezes esta inércia não é por nós não termos noção do tão pouco que sabemos. Porque, até começarmos, até os prazos começarem a apertar, está tudo sob controlo, e convencemo-nos disso e do êxito que ainda podemos ter. Porque, até estar feito ainda tem potencial. Porque, por vezes, é difícil olharmo-nos no espelho, sabendo não sermos tão bons como acreditávamos ser.

Se me permitem uma análise mais rebuscada: eu reflito na possível correlação entre a inércia e os bons alunos. Naqueles que naturalmente conseguem manter boas notas durante o ensino básico – e em alguns casos no secundário –, apesar de não estudarem muito e de deixarem as coisas para a última. Estes desenvolvem uma confiança no método inerte, assumindo que funcionará para o resto das suas vidas, enquanto que alunos que, desde cedo, sintam a necessidade de estudar regularmente – quer por terem mais dificuldades ou quererem ser os melhores – não sofrerão tanto de inércia nas suas vidas futuras e talvez consigam chegar mais alto. Ou não.

Eventualmente, o papel da inércia será oferecer conforto ao inquieto no final de um longo dia. É deixá-lo acreditar que não falhou, que ele é bom, e que ainda o pode provar. O papel da inércia é fazer-nos esquecer que não tentamos e, enquanto nos fizer dormir melhor à noite, isso não é assim tão mau.

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