Ciência e Saúde
ORTOREXIA NERVOSA: QUANDO “COMER BEM” FAZ MAL
“Um corpo saudável numa mente perfeita”
Catarina Oliveira tem 19 anos, 62 quilos e mede 1,64 metros. Para esta estudante de desporto é essencial a prática de um estilo de vida saudável. “Tento manter o equilíbrio, sem exageros ou restrições excessivas, até porque isso pode ser mais prejudicial do que propriamente benéfico”, afirma. Catarina admite mesmo que procura “um corpo saudável numa mente perfeita” e que “na base desse corpo saudável tem que estar uma mente equilibrada.”
A jovem adulta refere que há algumas aplicações no telemóvel que permitem complementar o modo como cuida do seu corpo, mas sem que isso se torne um hábito obsessivo. “Tenho uma refeição saudável, mas não conto as calorias”, admite.
No entanto, há casos em que se torna obsessão e onde estão criadas as condições para o novo distúrbio alimentar: a ortorexia nervosa.
A obsessão saudável
Embora o conceito possa ser objeto de atenção por parte de médicos e de investigadores, “a ortorexia nervosa não tem uma definição consensual, uma vez que ainda não é reconhecida de forma unânime como uma perturbação da alimentação e do comportamento alimentar”, refere Rui Poínhos, nutricionista, especialista em psicologia clínica e da saúde e professor auxiliar convidado na FCNAUP (Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto) .
O termo foi divulgado, pela primeira vez por Steven Bratman, médico norte-americano e autor do livro Food Junkie (Viciados na comida saudável), em 1997, no Yoga Journal, e deriva das palavras gregas “orthos” (correto) e “orexia” (apetite). Para Bratman, a ortorexia nervosa é um novo distúrbio alimentar que começa disfarçado de “virtude”, e no qual os indivíduos apresentam uma obsessão patológica em comer “alimentos politicamente corretos”. Porém, essa busca por um corpo saudável, acaba por exercer nas pessoas um “controlo rígido”, baseado “numa restrição absoluta de alguns alimentos ou grupos de alimentos”, explica Rui Poínhos.
Embora ainda não seja reconhecida como doença, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 28% da população mundial sofra deste “transtorno alimentar não especificado” do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da American Psychiatric Association.
Em Portugal, ainda “não há estudos epidemiológicos que refiram a prevalência da ortorexia nervosa na população”, afirma Teresa Carvalho, médica nutricionista, em entrevista à M.A.D.E. Magazine. No entanto, “as estimativas apontam para a presença de 6,9% na população em geral e valores superiores nos grupos com maior risco”, acrescenta.
Rui Poínhos refere que “tal como acontece noutras perturbações da alimentação e do comportamento alimentar, os estudantes e profissionais da área das ciências da nutrição, e de outras relacionadas com a saúde, serão grupos de maior incidência”.
Fernanda Leal, médica nutricionista e docente da Universidade Fernando Pessoa (UFP), compara o problema a outras perturbações alimentares. Ao contrário da anorexia e da bulimia, “duas desordens alimentares que já estão classificadas como transtornos mentais em que os indivíduos estão preocupados com a quantidade de alimentos ingeridos no organismo”, na ortorexia, “os indivíduos entram no exagero, ingerindo só alimentos de qualidade, puros e de origem biológico”, explica.
Por se submeter a diversas restrições, chegando ao ponto de excluir determinados grupos alimentares na sua alimentação, como por exemplo “carne porque tem hormonas” ou até mesmo “produtos lácteos porque têm lactose”, o portador de ortorexia corre sérios riscos de apresentar deficiência de algum nutriente essencial ao bom funcionamento do organismo, alerta Fernanda Leal.
Para a médica nutricionista, a ortorexia nervosa pode ainda ocasionar outras complicações, como por exemplo, hipovitaminose, provocada pela falta de certos tipos de vitaminas no organismo, como a vitamina B12 e a vitamina D (presentes exclusivamente nos alimentos provenientes de origem animal), níveis de proteína baixos, ou até mesmo um quadro de acidose metabólica (quando o oxigénio não chega aos órgãos e o sangue se torna ácido), característica comum em todos os tipos de desordens alimentares.
“Tem que haver um equilíbrio e não se podem excluir certos tipos de alimentos”
Por outro lado, há ainda problemas de ordem psicológica e social que advêm do distúrbio. Rui Poínhos conta que “tem sido descrito [na literatura] que as pessoas com ortorexia nervosa apresentam frequentemente instabilidade afetiva, isolamento social, bem como um sentimento de superioridade face aos outros no que respeita à alimentação”.
Para estes profissionais na área de nutrição, torna-se útil a presença de uma equipa multidisciplinar como um psicólogo e/ou psiquiatra e um nutricionista para o sucesso no tratamento. Contudo, neste processo “uma das principais dificuldades será certamente a de que sejam evidenciadas as diferenças entre uma alimentação efetivamente saudável e um comportamento alimentar obsessiva”, admite Rui Poínhos.
Assim, é fundamental alertar para as pessoas que lidam diariamente com o portador deste distúrbio, pois devem de alguma forma, “fazê-lo ver que tem que haver um equilíbrio e que não pode excluir certos tipos de alimentos”, defende Fernanda Leal, médica nutricionista.
Mas afinal o que distingue a ortorexia da alimentação saudável?
Com o excesso de informação na área de nutrição, tornou-se complicado distinguir o correto e o exagero. Na era da Internet e das redes sociais, multiplicam-se receitas milagrosas para emagrecer, livros, blogues e informações aqui e ali sobre os alimentos considerados como os melhores ou os piores para a nossa dieta, ou melhor dizendo, para uma longevidade que se quer maior.
A “solução” saudável passa inevitavelmente por “ter uma alimentação equilibrada em que vamos buscar todos os nutrientes de que precisamos e pontualmente fazer algum exagero”, defende Fernanda Leal. E, tal como Steven Bratman, criador original do conceito da ortorexia, explicou: “a ortorexia não é a mesma coisa que escolher conscientemente ter uma alimentação saudável”, pois “quando a mesma envolve fatores emocionais pode tornar-se física e psicologicamente nociva”.
No entanto, como em qualquer outra coisa, algumas pessoas são boas na moderação, enquanto outras caem num padrão obsessivo, deixando a sua vida ser totalmente dominada por um distúrbio alimentar.
Para Catarina Oliveira, “tudo se quer no meio-termo, até mesmo aquilo que é saudável em excesso pode fazer muito pior do que comer por exemplo uma refeição de lixo”, aquela que é tipicamente designada por um dia ou uma refeição em que o indivíduo não segue o planeamento nutricional.