Ciência e Saúde

FMUP: O SENTIDO DA VIDA NUM MUNDO IMPREVISÍVEL

Published

on

O evento, iniciado por Maria Amélia Ferreira, diretora da FMUP, e moderado por Ana Guedes Teixeira, jornalista do Porto Canal, faz parte de um ciclo de conferências realizado pelo Gabinete de Apoio ao Estudante. O gabinete tem vindo a elaborar um trabalho de intervenção junto dos estudantes.

Segundo Maria Amélia, “cada vez mais jovens com potencialidades e com bons resultados escolares, não se sentem realizados e questionam-se se vale a pena continuar a lutar”. É este o mote que levou a FMUP a começar a elaborar um trabalho interventivo junto dos estudantes com tendências depressivas. O debate é muitas vezes deixado de lado e é essencial para um “estudante não enfraquecer”, de acordo com o psiquiatra Daniel Sampaio.

Nas duas horas que se seguiram, além de ambos os oradores apresentarem os seus pontos de vista, a audiência também interveio. Contou com interessados de todas as áreas e faixas etárias que colocaram questões relacionadas com os temas em debate.

Pelo olhar da psiquiatria

Daniel Sampaio, psiquiatra e professor de medicina. Foto: Alexandra Oliveira

Daniel Sampaio, psiquiatra e professor de medicina na Universidade de Lisboa é o primeiro convidado. Começa a intervenção por referir um tema tão pouco abordado junto da comunidade: o suicídio. O “suicídio não é um problema da psiquiatria, mas a verdade é que maior parte das pessoas que se suicidam sofrem de depressão ou problemas psiquiátricos”, refere. Alerta que esta morte é sem dúvida um problema de saúde pública com que todos nos deveríamos preocupar.

Quanto ao tema fulcral da conferência, o médico revela que um suicida perdeu o sentido da vida, porque não reunia elementos que o fizesse continuar a lutar por ela. Apesar disto, Daniel Sampaio afirma que “existe uma parte do suicida que, apesar de não demonstrada, ainda quer viver”. O psiquiatra cita uma frase de Vargas, político brasileiro, que expressa este ponto de vista:

“Um suicida corta a garganta e quer gritar ao mesmo tempo”

Por este motivo, a sociedade tem que se aproximar da pessoa que quer pôr fim à sua vida e trazê-la de volta, refere o professor de medicina. Acerca do debate deste tema nas escolas, Sampaio vincula que “se debata com regras, mas que se debata”.

De volta ao tema fulcral da conferência, o sentido da vida, o psiquiatra começa por dizer que a nossa existência precede a nossa essência. Daniel declara que a maneira com que nos relacionamos com os outros define muito daquilo que nos tornamos.

“O inferno são os outros!” é uma frase célebre do filósofo Jean-Paule Sartre que Sampaio começa por defender. O médico psiquiatra alude à citação e ilucida que “além de uma introespeção, é o contacto com os outros que vai criar a essência de cada pessoa”. Aquilo que somos tem muito a ver connosco, mas tem ainda mais a ver com quem nos rodeia.

“O que nós precisamos é de ser atores e autores da nossa vida”

Dá início à conclusão do discurso dizendo que é o amor que dá sentido à vida. A não realização por parte de uma pessoa está associada ao deficiente diálogo subjetivo com o outro. Além de tudo isto, adiciona-se a imprevisibilidade do mundo em que vivemos. “Faz sentido termos um projeto num mundo imprevisível?”, questiona o médico a si próprio e à plateia. Responde que sim, sem qualquer dúvida.

A sua intervenção termina com uma ideia: está tudo constantemente a mudar, mas os compromissos mantêm-se. Mesmo numa sociedade com cada vez mais divórcios, a verdade é que nunca os pais estiveram tão próximos dos seus filhos.

E se para Sartre, o inferno são os outros, para Daniel Sampaio, “o paraíso são os outros”

Pelo olhar da filosofia e da religião 

Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia. Foto: Alexandra Oliveira

Chegou a vez de Anselmo Borges se inserir na conversa. O padre e professor de filosofia na Universidade de Coimbra começa por concordar com o orador anterior: o mundo foi sempre imprevisível. Já Einstein não aceitava a existência da indeterminação. E, na atualidade, o professor de filosofia pede para que a sociedade não se iluda. Que não se caia na ilusão que a crise ou a austeridade passou, porque a verdade é que não acabou.

Anselmo Borges defende que vivemos num mundo perigoso, rodeado de conflitos e guerras e que mudamos de paradigma. Agora, vivemos numa civilização de imediatismo, de pressa e de fragmentação. O padre enaltece que, de facto, a sociedade precisa de amor estável, atento, mas sempre de braços abertos.

“Pela primeira vez, vivemos numa sociedade em rede. Podemos é cair num labirinto onde as pessoas não se encontram.”

Borges refere esta frase revelando que existe falta de silêncio na vida das pessoas. É este silêncio, que segundo o professor de filosofia, que faz com que não nos perdamos no labirinto.

Sentido da vida? Para Anselmo, está relacionado com a direção que as pessoas querem seguir para chegar à sua realização pessoal. “A essência não é uma pura construção. Nós já somos, mas ainda não somos completamente”, afirma o representante da religião. O padre acredita que a construção da própria vida como é a tarefa principal. “Todos caminhamos para a chegada a um sentido último”, diz Borges. Esse sentido último, diz respeito à filosofia, ao pensar e hoje pensa-se pouco, reflete.

Para o amante da religião e filosofia, “a religião, sabedoria e arte” são os segredos para o sentido da vida.  Ainda antes de dar por concluído o seu enunciado, o padre expõe que já foi provado cientificamente que existe uma relação entre religião, doença e cura.

Dá por encerrada a sua intervenção frisando que “em última análise, se pensarmos na ordem do sentimento, no indominável, encontramos o sentido da vida. Os crentes chamam-lhe Deus”.

Debate com a plateia

Foto: Alexandra Oliveira

Ana Guedes, diretora do setor de informação do Porto Canal, abre o debate dizendo que “está na altura de transformarmos isto numa conversa”.

A plateia aderiu de forma fenomenal: mais de 20 alunos e licenciados tiveram a oportunidade de colocar questões à mesa de convidados. Entre variadíssimas perguntas acerca do assunto do sentido da vida, algumas destacaram-se levando a conclusões relevantes.

João, estudante de Medicina na Universidade do Porto, questionou Daniel Sampaio do porquê de algumas pessoas terem a força de lutar pela sua vida e outras simplesmente não terem coragem de se levantarem da cama. O médico respondeu que é a forma de cuidar e de ser cuidado que define essa diferença.”Nós não podemos só representar um papel. Temos de criar vínculos. Vínculos com os nossos pais, vínculos com os nossos amigos”, defende o médico.

Surgiu outro tema que não é frequentemente abordado: como fazer com que as pessoas mais velhas continuem a ter esperança na vida. Neste campo, Daniel responde que o segredo é a faixa etária mais jovem fazer recordar a população mais idosa dos bons momentos vividos. Nessas recordações, os idosos vão fazer a revisão dos vínculos formados.

A conversa informal termina com uma frase que define o que impulsiona a sociedade a continuar a lutar pelo seu sentido: “Ninguém é alguém sem alguém”.

Como o suicídio deve ser abordado pelos órgãos de comunicação social

Foto: Alexandra Oliveira

Como último tópico da noite, o JUP foi procurar saber junto de Ana Guedes e Daniel Sampaio como abordar na comunicação social um assunto tão delicado como o suicídio.

Ana Guedes começa por referir que ela própria tem dúvidas de como se deve abordar este tipo de temas, considerados na área com “tabu”. A jornalista afirma que é essencial procurar junto de especialistas a forma mais correta de abordar este tipo de assuntos. O efeito de mediatismo é exemplificado com a morte de Kurt Cobain. Foi o que levou os jornalistas a deixarem de dar notícias relativas a este tema.

Segundo a diretora de informação do Porto Canal, foram aconselhados por especialistas a deixar de publicar este determinado tipo de morte para não incentivar outros casos, pois estes diziam que quem se suicida quer protagonismo. No entanto, Ana Guedes discorda. A jornalista afirma que quem se suicida está desesperado e a falta de informação pode ser um problema.

Ana Guedes deseja um diálogo aberto. “Eu sou a favor que se fale sobre tudo. Tudo, sem preconceitos nem tabus. E se é para falar sobre suicídio, então que falemos, mas falemos bem”, admitiu a jornalista.

Já Daniel Sampaio, psiquiatra, conta ao JUP que existem regras específicas para os jornalistas comunicarem este tipo de casos. O médico explica que há as regras básicas. Não se deve esconder os suicídios, nomeadamente de pessoas conhecidas, mas referir sempre a existência de uma linha ou um centro de apoio a que se pode recorrer  no caso da pessoa pensar em pôr termo à sua própria vida.

O professor de medicina refere também que um suicídio nunca deve ser notícia de primeira página e a que a comunicação social nunca deve entrar em detalhes sobre o método utilizado, para evitar o efeitos do mediatismo referidos por Ana Guedes.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version