Ciência e Saúde
2024 em ciência: 5 das notícias que marcaram o ano

A ciência em 2024 foi um tema de destaque, com avanços impressionantes e desafios preocupantes a marcar o ano. Desde descobertas no campo da medicina às crescentes preocupações climáticas, abaixo encontram-se cinco das principais notícias científicas que moldaram o ano.
Uma nova droga no combate ao HIV
Todos os anos, a revista Science atribui o galardão de “Breakthrough of the Year”, que destaca o desenvolvimento mais significativo na investigação científica nesse ano. Em 2024, a revista nomeou o lenacapavir, um medicamento contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV), destacando-o como um marco na luta de décadas contra este vírus.
O medicamento injetável, que protege contra a infeção durante seis meses com cada dose, demonstrou uma eficácia quase perfeita em ensaios clínicos. Os investigadores salientam o potencial do medicamento para ser usado como profilaxia pré-exposição (PrEP) e assim reduzir o número global de infeções, que ronda atualmente 1 milhão por ano.
Já outras descobertas em torno do HIV foram classificadas como descoberta do ano pela Science: em 1996, quando foi destacado um cocktail de medicamentos que conseguia suprimir totalmente o HIV e impedir o desenvolvimento da SIDA; e em 2011, com o reconhecimento do “tratamento como prevenção”, com o reconhecimento do sucesso dos medicamentos antivirais atuais, e da redução da transmissão em pessoas cujo vírus é suprimido.
Apesar da existência de ferramentas de prevenção atuais, como comprimidos PrEP, aprovados em 2012 pela FDA nos EUA, o seu sucesso depende da toma adequada. Para além disso, o acesso não está globalizado, com países mais pobres a esperarem anos para ter acesso a versões genéricas, e a obstáculos como elevados custos, estigma e dinâmicas das relações a prejudicarem a consistência do seu uso.
Os dados positivos chegados dos estudos sobre o lenacapavir representam assim uma possível mudança de paradigma. Embora os investigadores salientem que este não substitui a necessidade de uma vacina, que proporcionaria uma proteção mais acessível e duradoura. Ainda assim, o medicamento representa um passo crucial para reduzir as infeções globais por HIV e transformar o percurso da epidemia.
O ano mais quente de sempre (outra vez)
2024 voltou a bater recordes de calor, com a temperatura média global a ultrapassar pela primeira vez os 1,5°C acima da média pré-industrial. Embora este valor não signifique que a meta do Acordo de Paris foi formalmente ultrapassada – sendo para tal necessário que o aumento se mantenha por um período mais longo -, o registo deste ano representa um marco preocupante, e um aviso claro que estamos a aproximar-nos do ponto de não retorno mais depressa do que o previsto.
Segundo a Organização Meteorológica Mundial, entre junho de 2023 e setembro de 2024 – um período de 16 meses consecutivos – a temperatura média global excedeu os recordes anteriores para cada mês, com registos de calamidades climáticas ao longo de todo o ano, sendo que dados apontam que os 10 desastres mais dispendiosos levaram a 2000 mortes e danos no valor de 229 mil milhões de dólares.
De acordo com a análise de fim de ano do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus da União Europeia, nenhum país do mundo foi poupado pelo calor. Com a exceção da Antártida e Australásia, todas as regiões continentais registaram o seu ano mais quente de sempre.
Também na emissão de gases de efeito de estufa, os níveis atmosféricos anuais mais elevados de sempre foram registados, com a concentração de dióxido de carbono a atingir os 422 ppm, mais 2.9 ppm que em 2023, e a de metano a chegar a 1897 ppb, uma subida de 4 ppb. A seguir ao CO2, o metano, associado a uso de combustíveis fosseis, agricultura e resíduos, é o segundo maior gás de efeito de estuda, responsável por 25% do aquecimento global.
Carlo Buontempo, diretor do Copernicus, afirma: “A humanidade é responsável pelo seu próprio destino, mas a forma como respondemos ao desafio climático deve basear-se em provas. O futuro está nas nossas mãos – uma ação rápida e decisiva pode ainda alterar a trajetória do nosso clima futuro.”
Eclipses, auroras e cometas fascinam pelo mundo inteiro
O ano de 2024 foi repleto de fenómenos astronómicos que deixaram pessoas no mundo inteiro de olhos postos no céu.
Em abril, um eclipse solar total varreu o hemisfério norte, podendo ser visto em partes do México, dos Estados Unidos e do Canadá. Num máximo de 4 minutos e 28 segundos, houve total sobreposição entre a lua e o Sol, criando escuridão durante o dia. O fenómeno foi visível na zona de residência de 32 milhões de pessoas, sendo que se estima que tenha havido 12 milhões de pessoas a deslocarem-se para testemunhar o acontecimento.

Eclipse solar registado em Indianapolis, EUA. (Fonte: Flickr | NASA/Joel Kowsky)
Outro destaque foi o aumento da atividade das auroras boreais, visíveis em latitudes mais baixas do que o habitual, graças a um pico natural de atividade solar causado pelo ciclo de 11 anos de inversão dos pólos magnéticos do sol. Durante este pico, há um aumento do número de erupções do Sol, incluindo erupções solares e ejeções de massa coronal. Estas enviam poderosas explosões de energia e material para o espaço, causando, entre outras coisas, as auroras que se vêm da Terra.
As auroras foram observadas a diversos pontos do ano, e em regiões europeias incomuns como França, Dinamarca, Suíça, Alemanha, Itália, Hungria, Inglaterra, Escócia e Portugal. Espera-se que o pico de atividade solar se prolongue até 2025.
2024 também viu a passagem do “cometa do século”, o C/2023 A3 (Tsuchinshan-ATLAS) pertence à nuvem de Oort, uma região nos confins do sistema solar. A designação de “cometa do século” foi-lhe atribuída por duas razões: primeiro, porque só deve voltar a passar a Terra daqui a 80 mil anos, e segundo, porque foi o mais brilhante de qualquer outro cometa visto no século XXI. Em Portugal, o cometa foi visto em outubro, em regiões com pouca poluição luminosa como o Alentejo.
Um teste de sangue para a Alzheimer
A doença de Alzheimer, responsável por dois terços dos 55 milhões casos de demência de todo o mundo, foi alvo, em 2024, de diversas investigações, focadas particularmente no desenvolvimento de testes sanguíneos para a doença.
Apesar de não existir cura, o diagnóstico precoce é importante, com a existência de novos medicamentos que retardam a sua progressão. Anticorpos monoclonais com alvo na proteína beta-amiloide, que se acumula no cérebro de doentes com Alzheimer, mostraram bons resultados neste objetivo, e estão a ser estudados na prevenção da doença em pessoas de alto risco ainda sem sintomas.
Joshua Grill, diretor do Instituto de Deficiências da Memória e Distúrbios Neurológicos da Universidade da Califórnia, Irvine, afirma: “Temos de apanhar as pessoas cedo”. Os atuais métodos de diagnóstico requerem amostras de líquido cefalorraquidiano ou tomografias, nem sempre de fácil acesso. Os ensaios com o novo desenvolvido teste sanguíneo, que deteta quer a beta-amiloide, quer p-tau217, mostraram uma precisão de 88% e 92%, em comparação com os testes de fluido cerebral e tomografias, respetivamente. Embora o teste esteja ainda em desenvolvimento, este tipo de análises pode mudar drasticamente a vida dos doentes a longo prazo.
A inteligência artificial veio para ficar
Se 2023 foi o ano que marcou a chegada da inteligência artificial (IA), 2024 viu o seu uso a permear todos os cantos da sociedade.
Na ciência, o Prémio Nobel da Química foi galardoado a três cientistas cujo trabalho permite prever a estrutura de proteínas através da computação. Demis Hassabis e John Jumper, desenvolveram o AlphaFold 2, uma ferramenta de IA que prevê a estrutura das 200 milhões de proteínas conhecidas, e David Baker, conseguiu construir tipos de proteínas totalmente novos.
Na saúde, uma ferramenta de IA de nome Mia, desenvolvida pela Imperial College London e pela empresa Kheiron Medical Technologies, aumentou a deteção precoce de cancros da mama em 13%, num contexto de cuidados de saúde no Reino Unido. No estudo, publicado na Nature Medicine, a ferramenta foi usada como segunda avaliação de imagens de mamografias, sendo que identificou com sucesso as imagens que mostravam indícios, identificando corretamente 11 pacientes que não tinham recebido diagnóstico noutras observações.
O potencial da inteligência artificial para diagnóstico de doenças foi exaltado por um dos autores do estudo, Ben Glocker, que afirma: “Estes resultados excederam as nossas expectativas. O nosso estudo mostra que a utilização da IA pode funcionar como uma rede de segurança eficaz – uma ferramenta para evitar que sinais mais subtis de cancro passem despercebidos. Ver em primeira mão que a utilização da IA pode reduzir substancialmente a taxa de cancros não detetados no rastreio mamário é enorme e um grande impulso para a nossa missão de transformar os cuidados oncológicos com a tecnologia de IA.”
Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Joana Silva.
