Ciência e Saúde
EDIÇÃO DE GENES: O CAMINHO PARA A “DESEXTINÇÃO” DE ESPÉCIES
Na Universidade de Monash (Austrália), Ben Novak é responsável por treze pombos que são considerados as aves mais promissoras dos próximos anos, na área da investigação em genética. São os primeiros pombos em que o sistema CRISPR-Cas9 vai ser testado para edição de genes, para integrar no seu genoma ADN do já extinto pombo-passageiro.
A “ressurreição” de espécies extintas há milhares de anos pode vir a ser uma realidade dentro de poucos anos, através do uso de edição genética com recurso a CRISPR-Cas9. Usando um parente próximo como “molde”, os investigadores ambicionam inserir genes de animais extintos e criar híbridos, conservando o património genético dos primeiros. Beth Shapiro, autora do livro How to Clone a Mammoth: The Science of De-Extinction (“Como Clonar um Mamute: A Ciência da Desextinção”) contou, em entrevista à revista norte-americana Smithsonian, que considera vir a possível, dentro de alguns anos, obter um pombo com traços de uma espécie extinta desde do início do século XX, o pombo-passageiro. Contudo, Beth Shapiro ressalva que existem espécies impossíveis de “trazer de volta”, pois apenas uma pequena parte do seu ADN sobreviveu até hoje e os parentes mais próximos são, fisionomicamente, muito diferentes.
“Se considerar um pombo nascido com características de pombo-passageiro, ou um elefante com características de mamute, isso [desextinção] pode acontecer em poucos anos ou numa década”, contou Beth Shapiro à Smithsonian.
O grupo Revive & Restore, sediado em Sausalito (Califórnia, EUA), dedica-se ao melhoramento da biodiversidade através destas técnicas genéticas. O grupo de cientistas tem diversos projetos ativos com vista a conservar espécies, como a doninha de patas negras ou o mamute-lanudo, utilizando o seu material genético. Ainda assim, Beth relembra que é importante não confundir estes animais com clones. Os organismos obtidos vão corresponder apenas a híbridos, resultantes da junção de duas espécies distintas com material genético em comum.
A desextinção vem, no entanto, acompanhada de dilemas éticos. Questiona-se a moralidade de editar genes com este propósito. Outro argumento em discussão é o de que as espécies desextintas poderão encontrar os mesmos desafios ecológicos que conduziram, outrora, ao seu desaparecimento. Beth também considera importante ter em conta a diferença entre o fator genético e o ambiental. Isto é, o organismo gerado pode ter genes que o fazem expressar certas características físicas, mas o seu comportamento é determinado por outros fatores. Assim, na opinião do biólogo Paul Ehrlich, docente na Universidade de Stanford (Califórnia), o pombo-passageiro gerado não é um verdadeiro pombo-passageiro, apenas uma espécie que se parece com este. Paul Ehrlich, um dos mais bem conhecidos biólogos do século XX, lamenta até que os esforços financeiros para gerar estas espécies não sejam antes aplicados na conservação das espécies ameaçadas atualmente.
“Gastar milhões a tentar desextinguir algumas espécies não vai compensar a perda de centenas de espécies devida à atividade humana”, escreveu Paul Ehrlich para a revista Yale Environment 360.
A possibilidade de edição genética com sistema CRISPR-Cas9 foi demonstrada em 2013, através do trabalho de cientistas das instituições Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Universidade de Harvard, Universidade Columbia, Universidade Rockefeller (EUA) e Universidade de Tsinghua (China). Os resultados estimularam a investigação na área, por cientistas de todo o mundo. Passados 5 anos, existem milhares de artigos publicados sobre este sistema de edição genética.
O sistema CRISPR-Cas9 foi inicialmente descoberto e documentado como um método de imunidade adaptativa aplicado por bactérias como forma de contra-ataque a vírus. Hoje sabe-se que pode ser utilizado nas mais diversas áreas, desde a agricultura à medicina. Em medicina, o CRISPR-Cas9 torna possível a erradicação de certas mutações passíveis de causar doença – um campo vasto, também conhecido por terapia génica – e que abre portas para infinitas possibilidades de tratamento para muitas doenças. John van der Oost, afiliado à Universidade de Wageningen (Países Baixos), considera a terapia génica “o Santo Graal da medicina”, mas não é o único. E é fácil perceber porquê. Já foi possível a correção de defeitos genéticos em embriões humanos, o que promete, no futuro, reduzir a prevalência de certas doenças genéticas simples (causadas por uma só mutação). Trabalhos recentes sugerem a possibilidade de manipular geneticamente insetos transmissores de doença, como é o caso dos mosquitos da espécie Anopheles gambiae, associados à dispersão do parasita causador da malária.