Ciência e Saúde
PSEUDOTERAPIAS: UMA “FRAUDE À SAÚDE”
A Ordem dos Médicos portuguesa e o seu congénere, o Consejo General de Colegios Oficiales de Médicos espanhol, assinaram, a 18 de janeiro, a Declaração de Madrid sobre Pseudoterapias e Pseudociências. No documento, as pseudoterapias são definidas como toda a “oferta de cura de doenças ou alívio de sintomas ou melhoria da saúde, utilizando procedimentos, técnicas, produtos, remédios ou substâncias baseadas em crenças ou critérios que não dispõem atualmente de evidência científica, nem foram validados na sua eficácia, efetividade, qualidade e segurança pelo método científico convencional, apresentando-se falsamente como científicas (pseudociência/falsa ciência)”.
A declaração, derivada do crescente número de casos críticos associados a terapêuticas alternativas ou pseudoterapias, enfatiza que as pseudoterapias constituem uma “fraude à saúde” e que é obrigação dos profissionais de saúde informar os doentes de que estas não são reconhecidas como válidas pela comunidade científica. Também indivíduos que se apresentem como médicos ou profissionais de saúde sem a devida formação devem ser punidos, de acordo com as recomendações que constam no documento. Em nota final, apela-se aos decisores políticos que legislem no sentido de prevenir a disseminação de pseudociências.
Em entrevista ao Expresso, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), referiu que os casos críticos em doentes que recorrem a pseudoterapias são sobretudo devidos a atrasos em diagnósticos. Guimarães afirma também que as ministras da Saúde de Espanha e Portugal poderão vir a trabalhar em conjunto para desenhar estratégias de combate à pseudociência. No entanto, o Parlamento aprovou isenção do IVA para prestadores de terapêuticas não convencionais em 2016, contra recomendações da OM, que defendia que as profissões de terapêuticas não convencionais não devem ser consideradas “profissões de saúde” (entrevista à RTP de José Manuel Silva, na altura bastonário da OM).
A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) permite a criação de licenciaturas em terapêuticas alternativas desde 2013. O site da DGES revela os 12 cursos de licenciatura existentes em instituições de ensino superior portuguesas, todos em osteopatia ou acupuntura. Destes, dois são lecionados em institutos públicos.
A acupuntura é uma das terapêuticas alternativas mais bem estudas. É frequentemente utilizada para o alívio da dor, mas as evidências científicas que a suportam são pouco uniformes ou inconclusivas. Revisões da literatura realizadas por Edzard Ernst, professor emérito na Universidade de Exeter no Reino Unido e autor de mais de três centenas de estudos em medicina complementar, mostram que os dados obtidos relativamente a uso de acupuntura como terapia são insuficientes para concluir que esta abordagem terapêutica é eficaz na maioria dos casos. Ernst concluiu que a acupuntura como abordagem terapêutica está apenas devidamente comprovada para náuseas e vómitos pós-operatórios ou induzidos por quimioterapia e dores de cabeça idiopáticas. De acordo com Ernst, a acupuntura está também associada a diversos efeitos secundários graves, como pneumotórax ou infeções.
Por outro lado, a osteopatia é definida pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) como “a maneira de detetar, tratar e prevenir problemas de saúde movendo, esticando ou massajando os músculos e articulações”. Esta também não é, de acordo com o NHS, devidamente suportada por evidência científica.
As pseudoterapias ou medicinas complementares entram nas vidas dos cidadãos das mais diversas formas. Contudo, cada indivíduo deve estar suficientemente informado sobre as diferenças entre a medicina convencional e as alternativas. Um inquérito realizado em Espanha revelou que muitas pessoas têm dificuldade em distinguir os métodos alternativos dos convencionais. Josep Lobera, investigador na Universidade Autónoma de Madrid, acredita que isto se deve ao facto de ambos serem vendidos em farmácias. Outro inquérito feito pela Fundação Espanhola para a Ciência e Tecnologia concluiu que 53% dos espanhóis acreditam completa ou parcialmente na eficácia da homeopatia, embora apenas 7% considere que a mesma possui propriedades curativas.
São frequentes os casos noticiados de pessoas que padecem por optarem por terapias sem evidência científica. Um dos casos mais mediáticos foi o de Liam Williams-Holloway, uma criança da Nova Zelândia que sofria de um neuroblastoma no maxilar. Os pais abandonaram a quimioterapia, tendo recorrido a um casal sem qualificações médicas e a um dispositivo caseiro chamado Quantum Booster para tratamento da criança, que acabou por falecer em 2000. Como o Quantum, existem também outros aparelhos operados por indivíduos sem qualificações médicas que reivindicam que os mesmos são capazes de curar diversas patologias. É frequente, de acordo com Lisa Pryor, médica e colunista do New York Times, encontrar terapeutas alternativos a usar termos médicos e associá-los a palavras com significados mais positivos e mais facilmente compreendidos pelo doente.
Em entrevista ao Observador, António Vaz Carneiro, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e diretor do CEMBE (Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência), refere que um dos problemas é o contraste entre o terapeuta alternativo, que está disponível para falar com o doente durante uma hora, e o médico, que tem dez minutos para fazer uma consulta. Ainda assim, segundo Vaz Carneiro, este não serve como justificação para o uso de práticas terapêuticas “ineficazes, potencialmente perigosas, não monitorizadas”.
Outro dos perigos indicados pelo médico é a falta de informação perpetuada por outros médicos. Em 2017, Manuel Pinto Coelho, médico e autor do livro “Chegar Novo a Velho” deu uma entrevista ao Expresso em que recomenda “uma alimentação sem glúten, lácteos e açúcar, a toma de água do mar diluída ou banhos de sol à hora de maior calor”, afirmações sem qualquer validade científica, segundo Vaz Carneiro.
O risco de disseminação de pseudomedicina também se estende a indivíduos com ainda mais influência do que médicos ou terapeutas alternativos: celebridades. Foi em 1956 que Elvis Presley promoveu a vacinação para a poliomielite em adolescentes americanos, ao ser vacinado publicamente. Em oposição, atualmente, celebridades como Kat Von D, Charlie Sheen ou Rob Schneider disseminam a crença de que as vacinas estão associadas a problemas de saúde, como autismo e outros. Num artigo anterior do JUP, pode ler-se uma explicação detalhada sobre as vacinas.
Ainda assim, a influência das celebridades na saúde não se resume ao tema vacinas, mas estende-se também a outras áreas. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016), muitos dos atletas exibiam marcas circulares na pele, derivadas de cupping, uma prática com “valor terapêutico incerto” (de acordo com Ernst). Gwyneth Paltrow, conhecida atriz, é CEO da marca Goop, que se define como uma marca que promove “aconselhamento avançado na área do bem-estar”. A marca esteve sob escrutínio por vender sacos de cristais com “energias curativas”, suplementos e óleos essenciais com propriedades curativas. A atriz rejeita que os produtos da marca são baseados em pseudociência, apesar de não possuirem qualquer suporte científico.
Os óleos essenciais são frequentemente associados à aromaterapia (que consiste no uso de compostos aromáticos de origem vegetal como abordagem terapêutica). De acordo com artigos que analisaram o seu efeito em condições como hipertensão ou depressão, não existem evidências suficientes para considerar a aromaterapia uma terapia eficiente, embora existam evidências de que os aromas são capazes de influenciar o humor ou o comportamento.
Para Pryor, a crença nestas pseudociências e tratamentos deve-se ao chamado Efeito Dunning–Kruger. De acordo com a teoria, o alcance da ignorância de cada indivíduo é invisível para ele próprio, explicando porque é que um indivíduo com baixo nível de conhecimentos não compreende o quão baixo é o seu nível de conhecimentos.
A eficácia de certos métodos, quando utilizados de forma a complementar a medicina convencional, poderão ser úteis, como foi referido relativamente à acupuntura. Como exemplo, um estudo sobre Reiki feito por enfermeiras americanas indicou que, comparando um mestre de Reiki com um falso mestre de Reiki e indivíduos que não foram sujeitos a esta abordagem terapêutica, tanto o grupo que foi sujeito a terapia com o mestre falso e o verdadeiro mostraram melhorias em conforto e bem estar, levando a concluir que não existe diferença entre verdadeiro e falso Reiki. O efeito placebo, como indica a American Cancer Society, leva a que um terço das pessoas se sinta melhor após a administração do tratamento. Isto ocorre com diversas terapêuticas alternativas, mas o uso de outras para tratamento de condições de saúde graves não é recomendado pela Ordem dos Médicos.
Por outro lado, as terapêuticas alternativas representam uma oportunidade para muitas pessoas em todo o mundo. Em algumas regiões, as terapêuticas alternativas são utilizadas devido a influências culturais (como na Coreia do Sul ou Singapura), mas também quando os cuidados de saúde são limitados. Em zonas remotas e países subdesenvolvidos, é frequente que a população não tenha acesso à medicina convencional.
A delegação regional africana da OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que em 70% a 80% da região sejam utilizadas medicinas tradicionais como cuidados de saúde primários. Na Ásia, desde 2004 que a Nippon Foundation conduz um projeto para fornecimento de kits de medicina tradicional seguros, com eficácia comprovada e de baixo custo na Mongólia, Myanmar, Tailândia e Vietname. A provisão de medicina tradicional e complementar com propriedades comprovadas, de segurança e eficácia é, de acordo com a OMS, uma forma de garantir acesso à saúde nestas áreas.