Ciência e Saúde
FLORESTAS ECLESIÁSTICAS: COMO A RELIGIÃO DÁ A MÃO À CONSERVAÇÃO NA ETIÓPIA
A floresta natural no nordeste e centro da Etiópia está quase unicamente confinada a florestas eclesiásticas, associadas a igrejas e mosteiros ortodoxos Tewahedo. Diversos investigadores europeus e americanos, que se têm dedicado à conservação e estudo destas florestas, estimam que o estabelecimento das mesmas em redor das igrejas remonta ao século IV.
Segundo o World Council of Churches, a Igreja Ortodoxa Tewahedo, o grupo religioso dominante da Etiópia, tem cerca de 40 milhões de seguidores. São as suas crenças e valores que têm ajudado a proteger as florestas eclesiásticas. Contudo, não é só na Etiópia que as florestas são consideradas lugares sagrados. Na Índia, existem bosques em redor de templos, mosteiros ou cemitérios hindus. No Japão, os santuários xintoístas estão geralmente associados a diversas espécies de plantas que são plantadas em redor dos templos. Neste país, estas florestas compõem 0,55% da área territorial. No entanto, o que torna as florestas eclesiásticas etíopes tão especiais é o facto de serem o único lugar onde a floresta Afromontana etíope original perdura.
Hoje, estas florestas podem estar em risco. A cobertura vegetal da Etiópia é cerca de 8,9% (Dados do Tree Cover Data set, 2010). Em contraste, no século XVI estimava-se que o coberto florestal fosse de 40%. A diminuição de coberto foi superior nas regiões Norte e Centro do país, onde os efeitos da desflorestação, das alterações climáticas e da agricultura são mais acentuados. Perto de 80% da população depende da agricultura e da pecuária. Por outro lado, a atividade humana de menor escala — construção de trilhos, jazigos ou introdução de flora exótica — também representa uma ameaça para estes locais.
Uma investigação realizada por grupos europeus e etíopes indica que, em 2016, existiam 394 florestas eclesiásticas na Etiópia. Perto de 150 espécies diferentes de árvores, arbustos e lianas autóctones coexistiam em cada floresta. Ainda assim, a ecologia na Etiópia está insuficientemente documentada. Em 2013, foi realizado um estudo para conhecer as aves que habitavam nas florestas. A equipa responsável, composta por cientistas belgas e etíopes, descobriu que espécies endémicas da Etiópia, como o pombo-de-colar-branco ou o estorninho-de-bico-branco, são protegidas pelas florestas eclesiásticas.
Cada floresta tem entre 3 e 300 hectares de área, de acordo com trabalhos feitos por investigadores da Universidade de Colgate (Estados Unidos) e do Centro de Estudos Orientais Modernos (Zentrum Moderner Orient) em Berlim (Alemanha). No entanto, trabalhos feitos por estes mesmos investigadores no final de 2018 mostram que a proteção destas florestas pode vir a ser ameaçada pelas mudanças nas expressões de religiosidade ou competição com outras religiões. Também tem havido um decréscimo na plantação de árvores autóctones.
Alemayehu Wassie Eshete, afiliado às Universidades de Bahir Dar e Debre Tabor, dedicou uma grande parte da sua vida não só a estudar estas florestas, mas também a protegê-las. Parte deste esforço é criar formas de as pessoas mais próximas destas florestas, os sacerdotes, poderem compreender e auxiliar na proteção das mesmas. A primeira medida de proteção passou pela construção de pequenos muros para demarcar as florestas e impedir a entrada de animais. Este método teve resultados tão positivos, que os sacerdotes consideram agora expandir ainda mais as suas florestas.
No interior dos muros encontram-se lugares onde a qualidade da água é superior, o solo parece mais fértil e os polinizadores prosperam. Para além de ricas em biodiversidade, as florestas reduzem a erosão do solo, proporcionam sombra e permitem o crescimento de diversas plantas medicinais.
Outra das vantagens destas florestas é o auxílio que providenciam à agricultura. Garantir a provisão de alimento é uma prioridade na Etiópia, como refere Eshete, e a preservação de polinizadores é um passo importante para a dispersão das culturas e controlo de pestes.