Ciência e Saúde
Docente da FCUP desvenda novas pistas sobre a morte de lebres em Espanha
E se, em vez de um, três vírus infetassem simultaneamente um indivíduo? Pedro Esteves, docente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e investigador no grupo “Immunity and Emerging Diseases”, sediado no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CiBIO) identificou um destes casos: duas famílias de vírus que, juntamente com uma outra, da qual faz parte o vírus MXYV-Tol, constituíram a causa da morte de algumas das lebres afetadas pelo surto de 2018, na Península Ibérica.
Num artigo publicado recentemente no jornal Viruses – um jornal da especialidade da virologia -, Pedro Esteves e os demais investigadores envolvidos no estudo, dão a conhecer dois novos vírus, da família dos Pollyomavirus e Anellovirus, que, em conjunto com o vírus MYXV-Tol, co-infetaram algumas das lebres ibéricas – da espécie Lepus granatensis – afetadas pelo surto daquele ano. A identificação do material genético que permitiu a nova descoberta teve como recurso estudos de metagenómica – uma técnica de investigação que permite a identificação e sequenciação de material genético a partir de amostras ambientais, por exemplo, tecidos de partes do corpo.
“O vírus mixoma, durante mais de 70 anos, infectou as populações de coelho-bravo sem infectar as lebres-ibéricas. Recentemente sofreu um processo de recombinação e começou afectar as lebres, tendo matado centenas na Península Ibérica”
O vírus Mixoma (MYXV), da família Poxviridae, é responsável pela doença mixomatose, caracterizada pelos malefícios causados no sistema imunitário e pelo desenvolvimento de lesões na pele, designadas “mixomas”. Esta é uma doença letal para a espécie de coelhos Oryctolagus cuniculus – na sua “versão” selvagem e doméstica – mas, até há pouco tempo, não tinha sido descrita em lebres. Em 2018, um surto daquela doença, causada por um vírus Mixoma “alterado” (MYXV-Tol), culminou na morte de populações de lebres da espécie Lepus granatensis, que habitavam Andaluzia, Castilla-La Mancha, Extremadura, Madrid e Múrcia, em Espanha.
O MYXV-Tol resulta de um processo de junção de material genético do vírus mixoma e de um outro vírus ainda não identificado, que se acredita estar na base da capacidade que o novo vírus tem de infetar as lebres ibéricas, causando a sua morte, ao invés de atuar sobre o seu hospedeiro habitual, o coelho-bravo. “O vírus mixoma, durante mais de 70 anos, infectou as populações de coelho-bravo sem infectar as lebres-ibéricas. Recentemente sofreu um processo de recombinação e começou afectar as lebres, tendo matado centenas na Península Ibérica”, explica o investigador.
A procura de soluções
Quanto à terapêutica, expõe Pedro Esteves, “até ao momento, não existem ensaios clínicos que permitam concluir se a vacina desenvolvida para o vírus mixoma no coelho é também efectiva para o MYXV-Tol”. O docente acrescenta que a descoberta “destes dois vírus mostra que existem muitos outros a circular nas populações selvagens. É, por isso, urgente caracterizá-los e identificar possíveis ameaças para o Homem e para outras espécies animais”.
Ainda que nem todos os vírus sejam prejudiciais à saúde – alguns têm, por exemplo, aplicações em tratamentos oncológicos -, há vírus que o são. Esta distinção apenas poderá ser feita, estudando-os, tarefa à qual investigadores como Pedro se têm dedicado. Há quem acredite que o “mundo da diversidade dos vírus” – ao qual os cientistas denominam “Virosfera” – compreenda um número de espécies com treze dígitos, da ordem dos biliões. Mas, para que serve conhecer novos vírus? “Se nunca soubermos porque é que eles existem, nunca vamos saber para que é que eles servem”.
“… existem muitos outros [vírus] a circular nas populações selvagens. É, por isso, urgente caracterizá-los e identificar possíveis ameaças para o Homem e para outras espécies animais”
A etapa seguinte
Esta investigação resulta de um projeto de doutoramento, cujo objetivo inicial era “compreender alguns passos da infecção do mixoma nos coelhos”. “Uma aluna de doutoramento do meu grupo, a Ana Águeda-Pinto, estava a fazer o trabalho laboratorial na Universidade do Arizona, orientada por mim e pelo professor Grant McFadden. Enviei para lá as amostras [de células das lebres infetadas], e, em colaboração com um outro grupo, que faz caracterização de viromas [conjunto de todos os vírus encontrados numa espécie] em várias espécies de animais, liderado pelo professor Arvind Varsani, sequenciamos o MYXV-Tol”, partilha o docente.
O trabalho continua, desta vez, revela Pedro, direcionado para “testar a infecção do MYXV-tol em linhas celulares e tentar identificar qual é a proteína do hospedeiro a que o vírus se vai ligar para começar o processo infecioso”.
Artigo elaborado por Álvaro Paralta.