Ciência e Saúde

Voar com emissões zero: Uma nova abordagem na produção de combustível

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Os combustíveis fósseis permitiram à humanidade testemunhar um progresso exponencial desde que estes começaram a ser usados para alimentar as máquinas, na Revolução Industrial. No entanto, a sua utilização em massa tem vindo a afetar negativamente, e cada vez mais, o meio ambiente, em grande parte devido à emissão de gases com efeito de estufa (GEE) libertados no processo de produção de energia.

Em 2018, o setor dos transportes foi responsável por um quinto das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) provenientes da combustão de combustíveis fósseis. O transporte aéreo, o segundo mais poluidor a seguir ao rodoviário, contribuiu para 11,6% destas emissões (cerca de 2,4% das emissões globais). Dado o crescimento do setor nos últimos anos, fruto da maior acessibilidade que as companhias low-cost permitiram, é de prever que, na ausência de medidas relevantes, este peso continue a aumentar, embora o futuro da aviação se tenha tornado mais incerto com a pandemia da COVID-19.

Com este problema em mente, uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, desenvolveu um processo experimental que permite transformar dióxido de carbono em combustível para aviões (jet fuel). O método foi descrito num estudo publicado na Nature Communications.

A ideia é tornar a aviação neutra em carbono, num processo em que o próprio combustível é produzido a partir de dióxido de carbono, através da reversão da reação normal (em que a combustão dos combustíveis fósseis liberta dióxido de carbono, água e energia).

Esta transformação de dióxido de carbono gasoso em combustível líquido é possível com a ajuda de um catalisador. Esta é a verdadeira inovação da descoberta, já que normalmente os catalisadores que permitem este tipo de reação são feitos a partir de materiais caros, como o cobalto. Já o novo catalisador utilizado pelos investigadores de Oxford, de ferro, manganésio e potássio, é barato e fácil de obter.

Quando aquecido num reator juntamente com o dióxido de carbono e hidrogénio gasoso, o catalisador vai permitir a quebra da ligação entre o carbono e oxigénio nas moléculas de CO2, e a ligação posterior do carbono aos átomos de hidrogénio formando hidrocarbonetos, as moléculas que constituem o combustível. O hidrogénio liga-se também ao oxigénio formando água como subproduto. A reação produz ainda outros subprodutos, como etileno e propileno, que podem ser usados pela indústria petroquímica, nomeadamente para fazer plásticos.

O dióxido de carbono necessário para alimentar a reação poderá ser o que é produzido como resíduo pela indústria (como, por exemplo, pelas centrais termoelétricas) ou poderá ser diretamente extraído do ar. Quando queimado nos motores do avião é reemitido e pode voltar a ser captado para ser usado como nova matéria-prima, encaixando-se na ideia de economia circular de carbono. Para alimentar todo o processo é necessário fornecer energia, pelo que esta terá de ser proveniente de fontes sustentáveis para tornar todo o processo neutro em carbono.

O processo apenas foi testado em laboratório e ainda precisa de ser replicado a grande escala, o que normalmente é sempre desafiante.

A abordagem atual

Atualmente, de forma a compensar as suas emissões, a maior parte das empresas aéreas compram, ou dão a opção aos seus clientes de comprar, as designadas compensações de emissões de carbono (carbon offsets). Como o próprio nome sugere, as emissões de CO2 das viagens aéreas são neutralizadas (compensadas) através do financiamento de projetos pró-ambientais que de alguma forma previnam, reduzam ou diminuam a emissão de GEE. Alguns exemplos incluem projetos de reflorestação ou relativos a energias renováveis.

No entanto, este tipo de medidas tem vindo a ser criticada. Uma das questões apontadas tem a ver com o facto de as variáveis envolvidas serem, na maior parte dos casos, difíceis de quantificar. Por exemplo, no caso de um projeto de reflorestação, o CO2 captado depende da espécie de árvore plantada ou até mesmo do local.

Além disso, a própria medida de compensação pode não ser imediata ou permanente pois, usando o mesmo exemplo, uma árvore apenas vai começar a absorver significativamente o carbono passado uns anos da sua plantação; e se for cortada, então a medida deixa de ter efeito.

De forma a tornar a indústria mais sustentável, internalizando os efeitos das emissões, são necessárias abordagens diferentes. Têm sido propostas ideias inovadoras e, nesse sentido, os investigadores de Oxford apenas se juntam a uma longa lista de empresas e organizações que têm apostado em abordagens circulares e susténtaveis para a indústria da aviação.

As opções na mesa

Em setembro de 2020, a Zeroavia, uma startup com sede na Califórnia, fez história ao realizar o primeiro voo de um avião movido a hidrogénio. Os motores a hidrogénio têm sido vistos como uma das opções mais viáveis para o setor dos transportes, já que não emitem gases poluentes. Produzem apenas vapor de água.

Face ao sucesso da fase de testes, a empresa conseguiu arrecadar 37,7 milhões de dólares (cerca de 32 milhões de euros) em financiamento do governo do Reino Unido, em parceria com a British Airways, e de outros investidores, entre eles a Amazon e a Breakthrough Energy Ventures, uma empresa fundada por Bill Gates.

Também em setembro, a Airbus apresentou três protótipos de aviões movidos a hidrogénio, para voos comerciais de curta, média e longa duração e com “emissões zero”. De acordo com a companhia francesa, deverão estar prontos para voos comerciais em 2035.

Protótipo de uma das aeronaves propostas pela Airbus. Fonte: Airbus.com

A ideia de usar hidrogénio como combustível para transportes não é nova. A própria cidade do Porto chegou a ter alguns autocarros públicos movidos a hidrogénio a circular entre 2001 e 2006. O projeto foi, no entanto, abandonado devido a “fracos resultados da experiência piloto”.

Apesar de o transporte aéreo com base em hidrogénio estar numa fase mais avançada de desenvolvimento, os investigadores de Oxford garantem que a sua descoberta para a transformação de CO2 em combustível poderá ser promissora. Os custos de produção seriam mais baixos e, uma vez que o combustível produzido é o mesmo que o já utilizado, seria possível usar as infraestruturas já disponíveis, mas de forma sustentável e neutra em carbono.

 

Artigo elaborado por Eva Pinto.

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