Ciência e Saúde

Ensaios Clínicos de Vacinas COVID-19: Olimpíadas Científicas 20/21

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Neste momento, existem, para a COVID-19, dez tipos diferentes de vacinas a serem avaliadas em ensaios clínicos ou já aprovadas. Devido à urgência de vacinas para o combate à COVID-19, o desenvolvimento das mesmas e os ensaios clínicos a que foram submetidas não seguiram na totalidade os passos convencionais, nem demoraram o tempo habitual.

A investigação desenvolvida ao longo de décadas por inúmeros grupos de cientistas espalhados pelo mundo foi o segredo para a rápida produção deste número de vacinas contra a COVID-19. Esta investigação permitiu extraordinários avanços no que diz respeito às tecnologias e plataformas de produção de vacinas. Através do cruzamento e partilha destes dados, os cientistas uniram-se em prol de um objetivo comum. Este foi apenas o ponto de partida para conseguir desenvolver vacinas em tempo recorde.

No decorrer dos ensaios clínicos vários foram os fatores determinantes no encurtamento do tempo de produção das vacinas contra a COVID-19:

  • Dado o ritmo alucinante de disseminação do vírus, foi relativamente fácil testar rapidamente a vacina em dezenas de milhares de voluntários já infetados com a doença. A grande participação de voluntários permitiu uma análise robusta dos resultados;
  • As indústrias farmacêuticas envolvidas avançaram com várias fases dos ensaios clínicos em simultâneo;
  • Desde fevereiro de 2020, foi possível começar imediatamente os ensaios de Fase II, saltando-se, portanto, os ensaios de Fase I. Isto porque estes ensaios já tinham sido realizados durante a epidemia de SARS-CoV-1 (SARS) na Ásia em 2003. Por outro lado, o financiamento das Fases II e III também já estava assegurado, possibilitando a passagem direta;
  • Na Fase III dos ensaios clínicos, as vacinas contra a COVID-19 foram, inicialmente, avaliadas apenas em voluntários jovens e saudáveis, ao invés de toda a população como seria habitual. Os participantes mais velhos e indivíduos com comorbilidades e maior risco de desenvolver doença grave foram incluídos nos ensaios clinícos no momento em que as vacinas foram consideradas seguras no primeiro grupo de voluntários;
  • A Fase de Regulamentação e Aprovação decorreu em paralelo com a Fase III dos ensaios clínicos;
  • As entidades reguladoras nacionais e internacionais foram rápidas na avaliação dos pedidos de licenciamento.

As diferentes fases do desenvolvimento de vacinas

O desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz dura, geralmente, entre cinco e dez anos. É necessário proceder a um meticuloso protocolo de Investigação e Desenvolvimento (I&D), antes de uma vacina ser licenciada para produção e distribuição.

As autoridades reguladoras, nomeadamente, a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Food and Drug Aministration (FDA) e a Agência Europeia do Medicamento (EMA), assim como as autoridades nacionais de cada país, possuem normas orientadoras para a avaliação clínica das vacinas. Estas normas para o desenvolvimento de vacinas são mais rigorosas do que as utilizadas para o desenvolvimento de outros fármacos, já que estas se destinam ao uso universal e apresentam potencialidade de produção e comercialização, sendo administradas a populações saudáveis, incluindo crianças, idosos e grávidas.

O desenvolvimento de vacinas segue quatro etapas padronizadas: Exploratória, Pré-Clínica, Clínica e Pós-Comercialização. Calcula-se que o custo do desenvolvimento de uma única vacina contra uma doença infecciosa chegue a mil milhões de dólares, e, por essa razão, o desenvolvimento de muitas delas é “abandonado” ao longo das diversas fases. Em média, a probabilidade de uma vacina entrar no mercado, tendo passado pelas fases pré-clínica e clínica de testagem, era inferior a 10% durante o período de 2000 a 2010, estimando-se que esta percentagem tenha subido para, aproximadamente, 20%, na última década.

Fase Exploratória

As vacinas são desenvolvidas na fase Exploratória, que se caracteriza por uma intensa investigação para a identificação de antigénios naturais ou sintéticos. Prevê-se que a probabilidade de uma vacina prosseguir para a fase pré-clínica seja 40%.

Fase Pré-Clínica

Posteriormente, as vacinas desenvolvidas são avaliadas numa fase pré-clínica através de ensaios in vitro (culturas celulares) ou ensaios in vivo (modelos animais). Estes são um pré-requisito para o começo dos ensaios clínicos propriamente ditos. A fase pré-clínica visa o estudo da segurança e imunogenicidade da vacina, definindo paralelamente a dose inicial para estudos em humanos. A probabilidade de prosseguir para a fase seguinte é de 33%, sendo a toxicidade, a ineficácia da resposta imunitária e a falta de financiamento, as principais causas para os ensaios não avançarem.

Fase Clínica

No caso de resultados positivos na fase pré-clínica, os candidatos a vacinas procedem para a testagem através de três fases de ensaios clínicos, de modo a determinar se são seguros e eficazes em humanos. A fase clínica tem de ser precedida por uma “Autorização de Ensaio Clínico” que aprove os testes em humanos. Para isso, é submetido um dossier, que inclui todos os passos e métodos analíticos para a produção da vacina, que num prazo de 30 dias tem de ser avaliado pelas entidades competentes.

fase I dos ensaios clínicos envolve a testagem dos candidatos a vacinas num número reduzido de indivíduos saudáveis (20 a 100 pessoas), para assegurar a segurança e determinar a eficácia da vacina. Nesta fase, são avaliadas a tolerância e os efeitos adversos esperados devidos ao processo de vacinação. Paralelamente, são efetuados testes para determinar qual a dose ótima de fármaco a ser administrado, apresentando uma taxa de sucesso de 66%.

Se forem alcançados resultados favoráveis na fase I, os candidatos à criação da vacina prosseguem para a fase II dos ensaios clínicos, que envolve a testagem de vacinas numa população de 100 a 300 pessoas saudáveis. Esta etapa propõe-se a obter informação clinicamente relevante acerca da segurança, imunogenicidade e eficácia da vacina. Para além disso, pretende-se estudar a dose-resposta da vacina, estabelecendo a frequência e método de administração. Geralmente, são conduzidos múltiplos ensaios de fase II em diversos locais e com diferentes variáveis, nomeadamente, idade e duração do seguimento dos doentes. A taxa de sucesso é de 30% e são precisos, em média, 2 anos para finalizar esta etapa.

A fase III dos ensaios clínicos é a mais crítica e determinante do estudo, sendo que nesta fase a vacina é administrada a uma população alvo de 1000 a 3000 pessoas. Testa-se a eficácia e segurança da vacina sob diferentes condições, que devem ser o mais semelhantes possível ao seu uso futuro. Esta fase pode durar vários anos, no entanto, a taxa de sucesso aumenta até 70%.

Se os resultados desta fase revelarem eficácia e segurança, os fabricantes podem submeter uma “Candidatura a Licenciamento Biológico e Produção” a uma autoridade reguladora nacional, que, no caso de Portugal, é o Infarmed. A aprovação da candidatura depende da segurança e eficácia da vacina em humanos, devendo a segunda ser superior a 95%. Para além disso, deve ser garantida uma produção em massa capaz de suprir a procura do mercado e que apresente um custo acessível à população suscetível.

Fase Pós-Comercialização

Finalmente, surge a fase IV, designada por Farmacovigilância Pós-Comercialização em que qualquer cidadão deve, espontaneamente, reportar reações adversas na sequência da toma da vacina.

Os principais desafios

Apesar dos esforços para desenvolver uma vacina contra o SARS-CoV-2, os especialistas alertam que a vacinação pode não ser suficiente para erradicar  a doença. De facto, a eficácia e segurança das vacinas pode variar devido a mutações na sequência genética do vírus, traduzidas em variantes mais transmissíveis. Para além disso, é preciso considerar parâmetros genéticos, ambientais e psicológicos, muitas vezes difíceis de prever ou medir.

A aprovação de emergência de vacinas antes dos efeitos secundários a longo prazo estarem estudados, tem motivado divergências na comunidade científica. Isto porque, após ser dada esta autorização, os fabricantes podem sentir-se eticamente pressionados para administrar a vacina aos voluntários do grupo controlo. No entanto, se demasiadas pessoas transitarem do grupo controlo para o grupo de estudo, deixará de haver informação suficiente para estabelecer os efeitos a longo prazo da vacinação, como a segurança, duração da proteção e eficácia.

Estudos de anos anteriores, realizados noutros coronavírus, reportaram que a infeção não conferia imunidade a longo prazo. No entanto, mesmo que a imunidade a longo prazo não seja alcançada com a vacinação, pelo menos esta protegerá os indivíduos mais vulneráveis de uma infeção grave, através de uma redução muito significativa da carga viral.

A distribuição de quantidades suficientes de vacina, de forma a imunizar a população global, é considerada um dos principais desafios atuais. O dispendioso e complexo transporte, manuseamento e armazenamento de vacinas RNA a baixas temperaturas (-70ºC para a vacina da Pfizer-BioNTech e -20ºC para a vacina da Moderna), aliados à falta de acesso a cuidados de saúde, são barreiras particularmente expressivas em países subdesenvolvidos, maioritariamente localizados no continente africano.

Por último, é de salientar que há pessoas que ainda se mostram céticas em relação aos efeitos benéficos das vacinas ou que revelam hesitação em tomar especificamente vacinas contra a COVID-19. Isto porque acreditam que estas não foram adequadamente testadas e reguladas antes do seu licenciamento, ou que o rápido desenvolvimento das mesmas é sinónimo de complicações a longo termo. A veiculação de uma sensação de confiança e de informação correta é crítica para que a vacinação atinja o seu objetivo primordial: a imunidade de grupo.

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Texto por Filipa Sousa. Revisto por Eva Pinto e Maria Teresa Martins.

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