Ciência e Saúde

Cristina Calheiros, a mulher-cientista e as suas (múltiplas) paixões

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Um percurso de vida pode construir-se em infinitas dimensões. É esta possibilidade que Cristina Calheiros, investigadora no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), nos dá a conhecer ao longo de mais de uma hora de conversa. Recebe-nos de sorriso no rosto, à distância de um ecrã, e com uma imensa bagagem de experiências profissionais e pessoais acessíveis à descoberta. Concedida a permissão à sua busca – tão prontamente quanto aceitou o nosso convite – demos início ao momento que nos permitiu viajar pela vida da Cientista que, sem qualquer dúvida, assenta e é movida por paixão. Mas comecemos por recuar no tempo.

Nascida no Brasil, e apaixonada por passeios na montanha, foi em tenra idade que se mudou para aquela que é considerada uma das vilas mais antigas de Portugal: Ponte de Lima. Foi aqui que recolheu as primeiras memórias associadas à sua área de profissão, e onde firmou algumas das convicções que viriam a constituir a génese da mulher-cientista. Mas nem só de ciência se faz o seu percurso. Nele cabem também a paixão pelo cinema, pela leitura e pela família – que assume ser essencial “para nos mantermos saudáveis e alinhados no nosso caminho”. Ainda assim, se hoje se dedica à Engenharia do Ambiente – de entre tantos outros ofícios -, muito o deve aos tempos de criança e de adolescente. Ou não tivesse crescido numa casa antiga de família, onde o contacto com a Natureza seria inevitável.

 

Os primeiros passos na Ciência

Aquela que começou por ser uma sugestão da sua avó, tornara-se a sua área de trabalho. Do centro das suas muitas paixões – nutrição, psicologia, cinema, ciências -, Engenharia do Ambiente revelou-se a escolha mais provável. E assim foi: optou pela área que juntava as temáticas de que mais gostava e que viria a constituir a chave para a resposta a algumas das preocupações que viriam interpelá-la. Os próximos anos da sua vida seriam passados na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa (EBS-UCP), onde concluiu a licenciatura. “Ao enveredar por essa área, descobri outro mundo e preocupações que estavam em mim, nomeadamente como é que eu posso contribuir para melhorar e evitar alguns dos problemas ambientais que estão a acontecer”, partilha.

Este terá sido um período importante na sua vida, uma vez que seria aqui que estabeleceria contacto com as principais temáticas com que trabalha. A docente da FCUP conta-nos que um dos momentos reveladores no seu percurso se terá dado no estágio de conclusão da licenciatura. “No último ano, todos os alunos tinham oportunidade de ir para o estrangeiro. Havia diferentes programas, promovidos pela UCP que nos permitiam ir para empresas ou para universidades. Eu fui para uma empresa de biotecnologia que estava ligada ao Imperial College, em Inglaterra”. Eis que contacta com a temática da fitorremediação – uma das tecnologias com que trabalha e que consiste na utilização de plantas para fins de purificação de ambientes aquáticos e terrestres. Este contacto foi estabelecido com a sua integração num grupo de trabalho que estava a desenvolver um projeto de dragagem de lamas do rio Tamisa, poluídas com hidrocarbonetos e metais pesados, recorrendo à fitorremediação.

Mais tarde, regressa a Portugal com a convicção de que queria progredir no percurso académico: ingressar no doutoramento e ser professora universitária. Tal como ambicionara, concluída a licenciatura, candidata-se ao doutoramento na mesma universidade. Desta vez, desenvolve um trabalho que consiste numa colaboração entre a UCP e uma empresa de peles, em Vila Nova de Gaia, no tratamento de águas poluídas por uma indústria de cortumes, utilizando plantas e bactérias. “A empresa já tinha uma ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] própria, mas a água ainda precisava de mais tratamento, então eu consegui, à escala piloto, implementar um conjunto de sistemas para diferentes variantes do tratamento”, conta.

Acrescido à inovação subjacente à criação de novo conhecimento – como preconiza a essência de um doutoramento -, estava o facto de as fitoetares constituírem uma matéria inovadora em Portugal. A esta inovação, conta Cristina, somaram-se a necessidade de “estudar muito e estabelecer colaborações para avançar no conhecimento”. No percorrer deste caminho, dirige um agradecimento à professora Paula Castro, então diretora do Departamento de Ambiente da ESB-UCP. “Foi um percurso muito gratificante porque consegui fazer um vasto trabalho em termos de investigação, e beber de muitas outras fontes que depois me permitiram, no final do doutoramento, ter outra estrutura e ver que caminho seguir”, partilha.

Cristina Calheiros.

Uma vez finalizada mais uma etapa, recebe uma bolsa de pós-doutoramento na UCP.  “Eu tinha trabalhado durante cerca de oito anos com águas industriais e agora havia a possibilidade de trabalhar com águas domésticas, também utilizando plantas para o tratamento de águas”. Os próximos seis anos da sua vida foram passados a desenvolver sistemas de tratamento de águas domésticas para a resolução de problemas de saneamento em contexto rural e de montanha, posteriormente aplicados, à escala real, numa casa de turismo de habitação. “Eu costumo dizer que isto é perfeito porque se trata de um laboratório vivo, onde tive a possibilidade de ter pessoas que acreditavam no meu trabalho e de arriscar e testar o que eu quisesse”, conta. Desenvolveu também um sistema piloto para tratamento de águas vitivinícolas, utilizando substratos inovadores (como é o exemplo das rolhas de cortiça) e contactou pela primeira vez com a temática das coberturas verdes em contexto urbano – sempre no âmbito de uma economia circular no que respeita aos materiais e recursos de que faz uso.

Seguiu-se um outro pós-doutoramento, desta vez no CIIMAR. Aqui, deu continuidade ao trabalho na área das coberturas e paredes verdes, ainda que desta vez aplicadas a zonas costeiras. Para além disto, desenvolveu uma tecnologia de ilhas flutuantes aplicada a marinas portuárias e lagos (com que trabalha atualmente). “Uma coisa que é importante – tanto no doutoramento como no pós-doutoramento – é que nós não podemos fazer mais do mesmo. Temos de inovar, temos de acrescentar conhecimento. E foi nessa perspetiva que eu tentei evoluir”.

 

A Educação em Ciência: o início de uma longa jornada

 Se Cristina pudesse resumir a sua vida em dimensões, destacaria 3 pilares fundamentais no seu percurso: Investigação, Educação e Associativismo. No caso da investigação, a sua grande ambição é desenvolver trabalho para solucionar (ou contribuir para a solução) de problemas que assolam a Humanidade. Por outro lado, o pilar da educação diz respeito à importância do investimento na formação de pessoas, “seja a um nível mais básico, seja ao nível do ensino superior”. Por último, o associativismo está relacionado com o contributo que a docente da FCUP pretende dar, enquanto cidadã, à sociedade. “Aquilo que eu gostava é que o que desenvolvo pudesse ser útil para a comunidade, com aplicação a curto prazo, mas com fim a resolver problemas de longo prazo e com repercussão no tempo”, afirma.

A crença na importância de uma educação de qualidade é, sem dúvida, uma das premissas na vida da investigadora do CIIMAR. “A educação é importante para a mudança de comportamentos e hábitos que precisam de ser alterados ou para amplificar os bons. Isso faz-se com base em conhecimento”, defende. “A minha motivação na área da educação é muito grande e eu tenho investido muito nessa área”. Neste sentido, no evoluir do seu percurso pessoal e profissional, Cristina Calheiros conhece-se investigadora e dá voz à sua vontade de criar pontes entre as suas descobertas e a sociedade.

Essa é uma das necessidades que assume ter procurado manter em prática ao longo do tempo, participando na formação de pessoas – (preferencialmente) de futuros profissionais -, partilhando parte do seu conhecimento e das experiências que vem adquirindo. “O conhecimento não pode ficar estanque nas pessoas, por isso, quando se tem essa vontade de partilhar, deve-se avançar”. É esta motivação que a leva a participar em diferentes iniciativas educativas, das quais destaca aulas para que foi convidada, intervenções em escolas e projetos sediados na FCUP (relacionados com Geoética e educação para a sustentabilidade). “Ao longo do meu percurso procurei ter sempre essa ligação à vertente educativa, e essa era a forma que eu arranjava para me manter ligada à formação de pessoas e à partilha de conhecimentos”, afirma.

No ano de 2016, que assume ser um ponto de viragem na sua vida, é convidada a dar aulas na Universidade de Saint Joseph, em Macau (China). “Macau fez-me lembrar os descobrimentos, a nossa capacidade de ir além-fronteiras e de estabelecer ligações, de lá estar e deixar o nosso contributo”. Este momento revelar-se-ia o início da atividade de docência no ensino superior, desta vez, relacionado com as Ciências do Ambiente. “Abracei o desafio e fui para Macau”. Associado a esta experiência estava um conjunto de fatores, aos quais se teve de adaptar. “Isso obrigou-me a integrar uma realidade que desconhecia e a vivenciar a experiência de outra forma”, comenta. “Foi um ponto de viragem na forma como eu dou as aulas e da forma como me relacionava com as pessoas”.

Ainda hoje mantém colaboração com Macau, aonde vai anualmente em colaboração com um mestrado da Universidade de Saint Joseph. A este propósito tem desenvolvido, naquela cidade, projetos com soluções baseadas na natureza visando a proteção das zonas costeiras. Para além disto, o seu contacto com Macau está relacionado com a formação de professores e com a orientação de estudantes de mestrado e de doutoramento.

De entre as recordações que traz daquele território, destaca as pessoas com quem partilhou este momento do seu percurso. “Tive sorte nas pessoas que me receberam, tanto portugueses como chineses e macaenses. Quando uma pessoa se sente bem acolhida, estabelece ligações e tudo tem outro significado. Fica-se com vontade de lá voltar – e por isso é que eu aceitei dar continuidade nos anos subsequentes”.

 

O associativismo e o futuro no horizonte

Tal como esclareceu em conversa, para Cristina Calheiros o associativismo é um dos constituintes da sua pessoa. Este gosto, como nos conta, terá surgido na sua infância e, de raízes bem alicerçadas, manteve-se no tempo. Hoje, são inúmeras as associações que integra, das quais destacou algumas.

No âmbito do combate às alterações climáticas, um dos primeiros contactos que teve com a temática foi numa formação que realizou em Berlim, promovida pela associação “The Climate Reality Project”, fundada por Al Gore e que viria a integrar mais tarde. “Ao conversar com várias pessoas, percebi que as questões associadas àquele tema era algo que me preocupava muito, e eu perguntava-me como é que poderia contribuir”. A resposta à sua questão resultou na sua integração no “The Climate Reality Project”, uma organização não governamental que constitui um movimento de advocacia, proteção do ambiente e de promoção de medidas para a adaptação e mitigação às alterações climáticas. “É um movimento ativo e eu fiquei deslumbrada porque era uma iniciativa à escala global”, partilha.

Uma outra associação de que faz parte, e da qual é Vice-Presidente, é a Associação Nacional de Coberturas Verdes (ANCV). “Identifiquei-me com esta associação, uma vez que me permitia estar em contacto com decisores – seja dos municípios, seja do governo ou das empresas -, para dar o meu contributo no que diz respeito às formas como se poderão mudar as nossas cidades e a nossa forma de estar, relacionada com as infraestruturas verdes e com as soluções baseadas na natureza”. É assim que a docente da FCUP assume conseguir estabelecer uma ligação entre a sua investigação e a sua intervenção nesta associação.

Cristina Calheiros é, ainda, membro sénior, e membro do conselho diretivo, da Ordem dos Engenheiros – Região Norte.

Aproximamo-nos do final da nossa conversa. Perguntamos-lhe o que a move, e a resposta surge pronta: “A inquietude, o estar inquieta em relação ao que se passa à minha volta – mas uma inquietude saudável”. De olhos postos no futuro, Cristina perspetiva que este, a nível profissional, passará por dar continuidade ao seu percurso enquanto investigadora, “com projetos colaborativos e de educação a vários níveis, e sobre várias temáticas de atuação, procurando ir mais além no conhecimento, promovendo a melhoria do bem-estar humano, a proteção da natureza e a forma como habitamos o planeta”.

Texto por Álvaro Paralta. Revisto por Maria Teresa Martins.

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