Ciência e Saúde

Imunidade de Grupo – o que é e qual a sua importância?

Published

on

Varíola, poliomielite, difteria, tosse convulsa, sarampo são apenas algumas das doenças mortais que Portugal já conseguiu, praticamente, erradicar com recurso à vacinação. Atualmente, graças ao Plano Nacional de Vacinação (PNV), a maioria dos portugueses é alheio às consequências terríveis destas doenças. Está cientificamente comprovado que a implementação do Programa Nacional de Vacinação em Portugal permitiu salvar mais vidas e prevenir mais doenças do que a maior parte dos tratamentos médicos existentes.

A imunidade de grupo ou imunidade populacional refere-se à proteção indireta contra a infeção que ocorre quando a população está imunizada, quer através da imunidade adquirida pela vacinação, quer através de uma infeção prévia. As pessoas vacinadas estão protegidas contra a doença e não a transmitem, quebrando assim as cadeias de transmissão. Uma taxa de cobertura vacinal elevada contra a COVID-19 permite atingir a ambicionada imunidade de grupo, a qual é responsável, em parte, pelo controlo e/ou erradicação da infeção.

O ponto em que a proporção de indivíduos suscetíveis cai para um valor inferior ao limite necessário para a transmissão é conhecido como limiar de imunidade de grupo (LIG). Acima desse ponto, a imunidade de grupo começa a surtir efeito, o vírus deixa de conseguir causar uma onda epidémica e os indivíduos suscetíveis (não vacinados) beneficiam da proteção indireta contra a infeção.

Este marco, a nível populacional, é considerado nas diferentes campanhas de vacinação de todo o mundo contra as mais variadas doenças. A percentagem de pessoas que precisam de estar imunizadas para se atingir a imunidade de grupo varia consoante a doença. Por exemplo, para o sarampo, uma infeção altamente contagiosa, 95% da população precisa de estar vacinada para se atingir a imunidade de grupo, enquanto para a poliomielite o limiar é cerca de 80%. Para a COVID-19 o limiar depende da comunidade, das vacinas administradas, das populações prioritárias para a vacinação e de outros fatores inerentes às diferentes dinâmicas de transmissão do vírus dentro das comunidades. Deste modo, cada país deve realizar uma investigação tendo em conta o acima enunciado.

O alcance deste marco impede que o vírus circule entre as pessoas que estão vacinadas e se propague na comunidade. Para além disso, a imunidade de grupo permite ainda proteger alguns grupos, como as crianças com idade inferior a 12 anos, grávidas com menos de 21 semanas de gestação, doentes imunossuprimidos que não podem ser vacinados ou doentes que apresentem reações alérgicas a vacinas.

Assim sendo, a introdução de uma pessoa infetada numa população pode levar a desfechos diferentes (Figura 1), dependendo da prevalência da imunidade existente nessa população:

  • Numa população com baixa cobertura vacinal, o vírus propagar-se-á descontroladamente através das pessoas suscetíveis (não vacinadas);
  • Se uma percentagem da população estiver imunizada contra o vírus, a probabilidade de um contacto efetivo entre pessoas infetadas e suscetíveis é mais reduzida, uma vez que muitas pessoas já não transmitem o vírus;
  • Numa população com elevada taxa de cobertura vacinal, o vírus não consegue transmitir-se com facilidade e a sua prevalência reduzirá. Neste ponto já não ocorre uma transmissão sustentada, por isso a probabilidade de surtos será menor.

Figura 1 – Representação de uma população com elevada cobertura vacinal, que atingiu a imunidade de grupo. Aos indivíduos não vacinados é conferida proteção indireta através dos indivíduos que já foram vacinados. Adaptado.

Importa realçar que em contextos de populações reais, a situação é bastante mais complexa do que a situação hipotética acima representada. Para vírus nos quais a vacinação induz uma imunidade vitalícia, como a vacina contra o sarampo, a imunidade de grupo é altamente eficaz e previne a disseminação do vírus na população. No entanto, para a maior parte das doenças infeciosas, como a tosse convulsa e até a COVID-19, a imunidade natural ou induzida pela vacina diminui com o tempo e, consequentemente, a imunidade de grupo torna-se menos eficaz e podem continuar a ocorrer surtos esporádicos. Para além disso, se houver uma distribuição desigual da imunidade de grupo dentro de uma população, pessoas não vacinadas que contactem frequentemente umas com as outras podem originar surtos. Mesmo que a proporção de indivíduos imunizados no país ultrapasse o LIG, essas “bolhas” de indivíduos não vacinados e, por isso, suscetíveis, ainda representam um risco em alguns locais.

O LIG é uma medida abstrata e a sua representação provocou inúmeras dificuldades a epidemiologistas e matemáticos portugueses. Esta dificuldade deveu-se à natural modificação de comportamentos das pessoas em contexto de pandemia, às diferenças de suscetibilidade entre indivíduos imunizados, às diversas mutações resultantes da evolução do vírus, à sazonalidade dos vírus respiratórios e à renovação da população (mortes e nascimentos). Mesmo assim, a determinação do LIG é vital na avaliação custo-benefício de medidas aplicadas na mitigação ou supressão da pandemia e deve ser estimada sempre o mais exata e precocemente possível.

Em Portugal, devido à elevada capacidade de propagação da variante delta, face às variantes anteriores, a meta estabelecida para alcance da imunidade de grupo foi, recentemente, revista de 70 para 85%. Está previsto que essa meta seja atingida ainda neste mês (Figura 2). No entanto, é importante continuar a seguir as regras de distanciamento social, uso de máscara em espaços fechados e lavagem frequente das mãos, a fim de limitar a propagação de COVID-19 e até de outras doenças, enquanto decorre o processo de vacinação.

Figura 2 – Percentagem cumulativa de população totalmente vacinada em Portugal desde 31 de janeiro de 2021 até 23 de setembro de 2021. Fonte: Our World In Data

Texto por Filipa Sousa. Revisto por Maria Teresa Martins.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version