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Ciência e Saúde

As verdades ocultas da investigação científica

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A investigação científica é vista como a base do conhecimento, fornecendo informações relevantes e fidedignas que permitem estabelecer o contacto com a realidade. No entanto, nem sempre essa busca pelo conhecimento é conduzida de forma irrepreensível. O file drawer effect, as falsas descobertas e o HARKing são apenas alguns exemplos das práticas de investigação incorretas que podem comprometer a validade dos resultados e prejudicar a fiabilidade da ciência.

O chamado file drawer effect, descrito em 1979 por Robert Rosenthal, refere-se ao viés de publicação na literatura científica. Em outras palavras, refere-se à tendência de investigadores e instituições de publicar e divulgar apenas os resultados de estudos que produzem descobertas estatisticamente significativas. Como tal, os estudos que não produzem resultados significativos ou que não corroboram as hipóteses iniciais são frequentemente deixados de lado, guardados em gavetas e nunca são publicados.

Apesar de existirem vários jornais completamente dedicados à publicação de resultados negativos como, The Missing Pieces: A Collection of Negative; Null and Inconclusive Results (PLOS One) e The All Results Journal, existe ainda uma resistência à publicação dos mesmos. Num artigo publicado por Phyllis G. Weintraub, intitulado “The Importance of Publishing Negative Results”, a autora refere que “ao publicar dados negativos ou resultados que contradizem a forma de pensar estabelecida, podemos chegar mais rapidamente a uma nova compreensão da situação, seja ela qual for”.

A falta de publicação dos resultados negativos pode distorcer a perceção geral da validade das conclusões científicas, uma vez que a literatura disponível tende a favorecer resultados positivos e significativos.  O file drawer effect é um desafio à integridade da pesquisa científica, uma vez que pode conduzir a uma representação enviesada e distorcida do conhecimento disponível.

Além disso, as falsas descobertas podem afetar a credibilidade da pesquisa científica. Estudos com um planeamento deficiente, amostras reduzidas, análises estatísticas inadequadas ou enviesamento intencional, podem resultar na apresentação de resultados falsos como se fossem verdadeiros. Infelizmente, estas falsas descobertas recebem, muitas vezes, mais atenção e são citadas com maior frequência do que pesquisas robustas e confiáveis. Práticas antiéticas como estas, fomentam a desconfiança na ciência e podem potencialmente causar danos significativos, especialmente quando as conclusões falsas são base para políticas públicas ou decisões clínicas.

Outro fenómeno que tem vindo a gerar preocupação é o HARKing(Hypothesizing After the Results are Known), que envolve a modificação retroativa, por parte dos investigadores, das hipóteses de pesquisa com base nos resultados obtidos. Isto significa que, os investigadores, consciente ou inconscientemente, ajustam ou escolhem hipóteses que se alinhem aos resultados obtidos, em vez de manter uma abordagem imparcial e objetiva. O HARKing pode suportar conclusões falsas e comprometer a integridade dos estudos científicos.

O impacto destas práticas incorretas de investigação científica transcende os círculos académicos e afetando a sociedade como um todo. Quando estudos com resultados negativos são excluídos ou descobertas falsas são divulgadas, a confiança do público na ciência é prejudicada. Isto pode gerar um sentimento de ceticismo em relação a pesquisas legítimas e dificultar a aceitação de outras evidências científicas necessárias para apoiar políticas públicas e tomadas de decisão informadas.

Os novos investigadores enfrentam, cada vez mais, desafios significativos ao entrar no campo da investigação científica. A pressão para obter resultados positivos e significativos, assim como a pressão para publicar, pode levar a impulsos de se envolverem em práticas questionáveis, como o HARKing ou até mesmo a fabricação de dados.

Para combater o file drawer effect, as falsas descobertas e o HARKing, é fundamental promover uma cultura científica baseada em transparência, ética e replicabilidade.

Conforme descrito por especialistas, como John Ioannidis, autor de um estudo abrangente sobre a confiabilidade da pesquisa científica, é fundamental que haja um maior destaque na replicação e na verificação de resultados, além de uma maior transparência na divulgação de métodos e dados. Livros como ‘Calling Bullshit: The Art of Skepticism in a Data-Driven World‘, de Carl T. Bergstrom e Jevin D. West, e ‘Science Fictions: How Fraud, Bias, Negligence, and Hype Undermine the Search for Truth‘, de Stuart Ritchie, também abordam essas questões e incentivam uma abordagem mais crítica e responsável em relação à investigação científica.

É essencial que a comunidade científica, os meios de comunicação e o público em geral estejam conscientes destes desafios e se esforcem para promover uma cultura de investigação científica baseada em evidências sólidas, transparência e integridade.  É igualmente importante incentivar a divulgação de resultados negativos, a replicação de estudos e a adoção de regras restritas no que à conduta ética diz respeito. Além disso, é essencial o fornecimento de apoio e orientação adequados aos novos investigadores, para que estes possam realizar investigação de qualidade, evitando práticas inadequadas.

Texto por Diana Cunha. Revisto por Joana Silva.