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Ciência e Saúde

Snakes on a Plane: Invasão ofídica a grandes altitudes

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Apesar de Snakes on a Plane desafiar a lógica convencional, a premissa de centenas de serpentes a bordo de um avião proporciona ao espectador uma oportunidade única de explorar a ciência ofídica.

 

Sinopse

Serpentes a percorrer o avião. Fonte: New Line Cinema (2006)

Snakes on a Plane é um filme que, mesmo antes da sua estreia nas salas de cinema em 2006, já tinha alcançado o estatuto de filme de culto.

Realizado por David R. Ellis, a longa-metragem segue o avião Boeing 747-400 num voo entre o Hawaii e Los Angeles International Airport (LAX). Na primeira classe, encontram-se os agentes do FBI, Neville Flynn e John Sanders, a escoltar Sean Jones, um surfista que se tornou testemunha principal de um homicídio cometido por Eddie Kim e que terá de prestar declarações no tribunal, em Los Angeles.

Kim, com a sua influência no mundo do crime, consegue sabotar o avião ao libertar centenas de serpentes venenosas no porão. Para agravar a situação, os cúmplices de Kim borrifaram feromonas nos colares de flores oferecidos aos passageiros, tornando as serpentes ainda mais agressivas durante o voo. À medida que as serpentes começam a atacar os passageiros, instala-se o caos a bordo do avião.

Como tal, os agentes do FBI e os sobreviventes são desafiados a encontrar uma maneira de deter as serpentes e garantir a segurança de todos a bordo, mas especialmente a de Sean, para que ele possa testemunhar em tribunal e convencer Eddie Kim a enfrentar as consequências dos seus atos.

 

Onde a Ciência Conhece a Ficção

Apesar de apresentar uma situação extremamente dramática, em que centenas de serpentes venenosas se encontram num avião e a grandes altitudes,  Snakes on a Plane levanta diversas questões relativamente ao comportamento destes répteis num ambiente tão incomum.

Começando pela pulverização de feromonas, é importante frisar que não é assim que esta substância realmente funciona. É verdade que as feromonas são substâncias químicas produzidas glândulas exócrinas derivadas de células epiteliais que, ao serem secretadas ou excretadas, promovem respostas fisiológicas ou comportamentais, entre outros indivíduos da mesma espécie. No entanto, é improvável que estas tenham um efeito tão imediato e dramático quanto aquele que é retratado no filme. Além disso, para as feromonas desencadearem esta situação perigosa de forma eficaz, todas as serpentes teriam de pertencer à mesma espécie, uma vez que as feromonas emitidas por uma determinada espécie apenas afetam o animal que tiver a mesma categoria taxonómica.

A libertação de feromonas em serpentes é um tema bastante relevante, principalmente para pessoas que vivem em zonas densamente habitadas por estes répteis. A Amphiesma stolatum, commumente conhecida por Quilha de Riscas Amarelas (ou Buff striped keelback, em inglês) é uma serpente da família Colubridae que pode ser encontrada em toda a região asiática. Apesar de não ser venenosa, é um animal que é frequentemente considerado uma ameaça quando entra em territórios frequentados por humanos. No entanto, se uma A. stolatum fêmea for morta durante a sua época de acasalamento,  ela será capaz de continuar a libertar feromonas durante algum tempo após a sua hora de óbito, atraindo assim múltiplos A. stolatum macho. Como tal, nestes casos, a melhor maneira de controlar uma praga ofídia é simplesmente retirar cuidadosamente a cobra da propriedade.

Uma imagem com mamífero, réptil, cobra, EscamadosDescrição gerada automaticamente

Fonte: WikiCommons

Adicionalmente, o reconhecimento de feromonas é um dos fenómenos responsáveis por um dos factos mais curiosos acerca de serpentes, uma vez que estas reconhecem as substâncias químicas ao cheirá-las com a língua. O órgão de Jacobson, também conhecido como órgão vomeronasal, encontra-se no céu da cavidade oral da serpente. Como tal, este animal é capaz de cheirar ao acumular partículas com a língua para que estas, posteriormente entrem em contacto com o órgão. Este fenómeno explica o tão conhecido movimento de língua bifurcada que a serpente realiza durante o seu quotidiano.

Jacobson's organ | Chemosensory, Olfaction, Nasal Cavity | Britannica

Fonte: Encyclopedia Britannica, Inc.

No filme, um outro aspeto abordado é a diversidade de comportamentos que uma serpente pode manifestar em situações hostis, variando desde a agressividade direcionada à presa até à evitação do contacto humano. O filme também inclui cenas em que as cobras simplesmente se enrolam nos colares de flores, que são os agentes com maior concentração de feromonas no voo, demonstrando assim que há espécies de cobras que, mesmo em situações de alto stress, não atacam seres humanos, a menos que se sintam em perigo.

Na realidade, este comportamento manifesta-se de forma análoga, porque até mesmo as serpentes mais venenosas tendem a atacar apenas em autodefesa e em defesa do seu habitat. Os seres humanos são considerados presas demasiado grandes para estes animais, e, portanto, não despertam o seu interesse. Todavia, existem algumas exceções, como a Bothrops asper, também conhecida por víbora terciopelo, uma serpente endémica da América Central e do Sul, é responsável por mais de 80% dos casos de envenenamento por mordida de cobra nesta região. Esta espécie de víbora é uma das mais agressivas, já que é capaz de atacar um ser humano pelo simples facto de se sentir incomodada pela sua presença. Além disso, a B. asper, durante um ataque, é capaz de libertar o triplo do veneno que qualquer espécie de víbora libertaria naquela situação.

Jararaca - Facts, Diet, Habitat & Pictures on Animalia.bio

Fonte: Animalia.bio

Um outro aspeto de Snakes on a Plane paralelo à vida real é o tratamento do envenenamento por mordida de cobra. Em várias cenas do filme, é possível assistir a personagens que descrevem as serpentes com o intuito de adquirir o antídoto adequado assim que o avião aterra. O antídoto para o envenenamento por mordida de cobra é obtido através da extração do veneno das próprias espécies de serpentes. Para se obter o antídoto, há uma injeção controlada de pequenas quantidades de veneno de serpente em cavalos. Subsequentemente, estes mamíferos desenvolvem uma resposta imunológica, produzindo anticorpos contra o veneno. Os anticorpos são posteriormente extraídos do sangue dos cavalos e purificados para criar o soro que será usado como antídoto para tratar as vítimas de envenenamento.

Como tal, a descrição precisa das serpentes é crucial devido às diferentes composições químicas dos venenos entre as espécies. Essa diversidade requer soros específicos para cada uma delas. Portanto, uma descrição minuciosa das características físicas da serpente, como padrões de cores, forma da cabeça e tipo de presas, pode auxiliar os profissionais médicos na identificação da espécie responsável pela mordida e na administração do antídoto apropriado de maneira rápida e eficaz, reduzindo significativamente o risco de complicações graves ou morte.

É importante relembrar que a cura descrita é a única que, até à data, provou ser eficaz.

Pitching My “Snakes on a Plane” Remake | The New Yorker

Agente do FBI Neville Flynn (Samuel L. Jackson) a identificar uma espécie de serpente. Fonte: New Line Cinema (2006)

Apesar de Snakes on a Plane ter incluído o conceito de tratamento de envenenamento por mordida de serpente com recurso a antídotos, o filme também incorporou mitos que podem induzir o espectador em erro.

Quando uma personagem é mordida por uma serpente, um passageiro sugere chupar o veneno da ferida. Essencialmente, a ideia é reduzir a quantidade de veneno que entra na corrente sanguínea da vítima, diminuindo os efeitos do envenenamento. No entanto, este mito comum não só é ineficaz, como pode ser perigoso.

A maioria das mordidas de serpentes venenosas penetra profundamente os tecidos musculares, onde o veneno é rapidamente absorvido pela circulação sanguínea. Assim, a sucção da ferida pode ter pouco ou nenhum efeito na remoção do veneno, uma vez que a maior parte já está em processo de absorção. Além disso, a sucção pode causar danos adicionais ao tecido, aumentando o risco de infeção e complicando o tratamento médico posterior.

Maria (Elsa Pataky) a chupar o veneno de uma mordida de serpente. Fonte: New Line Cinema (2006)

Snakes on a Plane oferece uma mistura intrigante de ficção e ciência, onde apresenta várias representações da interação entre humanos e serpentes e destaca tanto aspetos realistas quanto mitos infundados. Apesar de apresentar inúmeros mitos erróneos, este filme serve como uma oportunidade para explorar o fascínio humano pelas serpentes e educar o público sobre as verdadeiras características e comportamentos destes répteis.

Texto redigido por Joana Silva. Revisto por Diana Cunha.

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