Ciência e Saúde

Como funciona um cérebro criativo?

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Imagem: The NextGen Artists

Criatividade, do latim creare, segundo o dicionário da Língua Portuguesa, é a “1. Capacidade de criar, de inventar; 2. Qualidade de quem tem ideias originais, de quem é criativo.”.

 

Embora seja associada, principalmente, às crianças e a mentes jovens, a criatividade é uma capacidade que se estende a todas as pessoas, de todo o espetro de idade, e que, ainda, pode ser desenvolvida ao longo do tempo, através dos devidos estímulos cerebrais.

A neurociência da criatividade é um tema que tem vindo a ganhar terreno na área da ciência, com a criação de sociedades, realização de estudos científicos, publicação de livros, entre outras manifestações.  A criatividade associa-se a pensamentos divergentes, ideias que não seguem o fio do chamado pensamento comum.  Assim, certas áreas do cérebro como o cúneo, o cingulado e os lobos frontais cerebrais são responsáveis pela desassociação e, por esse mesmo raciocínio divergente, o que permite a interligação de ideias aparentemente distintas.

Segundo o psicólogo inglês, Graham Wallas, o processo criativo inclui quatro etapas. A primeira é a preparação, que tem como base a recolha de informação relacionada com a capacidade cerebral de armazenar, processar e usar esse conhecimento adquirido. Segue-se a próxima etapa, denominada de incubação, na qual o cérebro de uma pessoa procura inconscientemente encontrar uma resposta. Muitas descobertas científicas advêm deste passo. Veja-se o exemplo da descoberta da penicilina por Alexander Fleming, em 1928, que, após regressar de umas férias, verificou que um dos recipientes com culturas de bactérias (estafilococos), alvo dos seus estudos, tinha bolor, ou seja, estava contaminado por um fungo, e que as bactérias ao redor desse bolor tinham desaparecido. Após diversas testagens, concluiu que esse bolor pertencia ao género penicillium e que, de facto, destruía as bactérias. A terceira etapa é a iluminação (ou insight), que nada mais é que a descoberta da resposta, relacionada à libertação de hormonas como a endorfina, dopamina, serotonina e oxitocina. Por fim, o último patamar é chamado de verificação, uma reflexão sobre a resposta encontrada e a sua validade.

O processo criativo não é algo que ocorra mecânica nem subitamente. Todos os diferentes processos associados aos momentos de criatividade envolvem ambos os hemisférios cerebrais. O hemisfério direito é responsável pela organização espacial das informações e, ao hemisfério esquerdo, cabe o processo de recolha dessas mesmas informações, bem como a racionalização e reflexão intelectual. A ligação anatómica do lobo frontal com as áreas de associação, com as estruturas límbicas e com os centros de motricidade, dita a sua interferência no processo criativo pelas possibilidades de antecipação e de formulação de hipóteses. Esta alta conectividade com áreas subcorticais permite ao indivíduo criativo desconectar-se do ambiente que o rodeia e criar a sua própria realidade, através do subconsciente.

Como referido anteriormente, indivíduos altamente criativos poderão ter alterações anatómicas em regiões corticais específicas. Geralmente um maior nível de criatividade associa-se a estados mentais relacionados com reduzidos níveis de norepinefrina cerebral. A norepinefrina, também conhecida por noradrenalina, é uma hormona produzida ao nível das glândulas suprarrenais que atua também como neurotransmissor do sistema nervoso autónomo e percursor endógeno da adrenalina. As suas funções principais relacionam-se com o aumento da pressão arterial, em razão do efeito vasoconstritor, o aumento da força de contração do coração e a capacidade de ficar em alerta e de produzir uma resposta a um estímulo, geralmente associado a situações de stress. Após vários estudos, verificou-se que indivíduos expostos a situações de stress e ansiedade, ou seja, com maiores níveis de norepinefrina, respondem de forma menos satisfatória a estímulos de criatividade.

Existem vários fatores neurológicos fortemente associados à criatividade. Um deles estende-se ao sono e à sua relação de qualidade e quantidade. Vários estudos do foro científico sugerem que o sono REM (sono com movimentos rápidos dos olhos) e o sono NREM (não-REM) se coadunam com a criatividade de maneiras distintas. Uma pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, refere que o estado de sono REM proporciona um aumento da frequência cardíaca e respiratória. Este estágio de sono proporciona maior atividade cerebral em áreas relacionadas ao stress e à emoção. Para além disso, segundo Renata Federighi, consultora do sono, “Esta fase representa 20 a 25 por cento do tempo total de sono e surge em intervalos de sessenta a noventa minutos. É essencial para o bem-estar físico e psicológico do indivíduo.”. Assim, uma boa noite de sono poderá estimular a criatividade.

Ademais, segundo um estudo realizado pela revista Science, quanto mais diverso for o conhecimento de uma pessoa, mais conceitos que, aparentemente não têm qualquer tipo de ligação, serão incorporados na memória semântica, cujas conexões neurais são consolidadas durante o período de sono. Ou seja, uma pessoa mais culta poderá ter mais propensão a ser também criativa.

Para além disso, segundo Kraepelin, em 1921, e mais tarde, após várias investigações, defendido por diversos cientistas, um outro fator que parece motivar a criatividade é a predominância de um estado emocional depressivo e melancólico num indivíduo. Esta é uma teoria explicada por casos reais, como é o caso de Lord Byron, Edgar Allan Poe e Vincent van Gogh, indivíduos criativos que sofreram de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais. Após uma série de estudos, a neurocientista Andreasen encontrou uma prevalência mais alta de transtornos afetivos, com tendência ao subtipo bipolar, num grupo de escritores quando comparados com pessoas não-criativas. Ademais, de acordo com o professor psiquiatra Michel Reynaud, “Os circuitos cerebrais que são a fonte da criatividade são os mesmos que os das doenças mentais, então, ser criativo pode aumentar o risco de doença mental”.

A criatividade e o comportamento cerebral são interesses recentes da neurociência cognitiva, que se baseia em conceitos de áreas como a psicologia e a neuropsicologia. Verifica-se que o pensamento criativo evoca vários sistemas, tais como o sensorial, límbico, motor, as regiões corticais, onde se destaca a participação em vários processos, quer emocionais quer cognitivos, do córtex frontal e pré-frontal e ainda de estruturas subcorticais. Esta temática é de extrema importância quer na compreensão do sistema cerebral quer na construção de estratégias a aplicar em áreas como a educação, medicina, psicologia, entre outras áreas

Artigo redigido por Beatriz Novais Ferreira. Revisto por Joana Silva.

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