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Ciência e Saúde

A natureza é LGBT+: a diversidade para além da espécie humana

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Casal de dois patos machos a demonstrar afeto.

Junho traz consigo o regresso do Pride Month, o mês em que a comunidade LGBT+ celebra a sua diversidade e luta pela aceitação e inclusão. O estigma de que as diferentes sexualidades e identidades de género “não são naturais” não passa, na verdade, de um preconceito sem fundamento científico.

 

Tal como os humanos, centenas de espécies animais apresentam diferentes sexualidades. Esta diversidade é uma parte integral da vida na Terra. Os relatos de relações homossexuais em animais datam já da Grécia Antiga, época em que Aristóteles descreveu pombas, codornizes e perdizes do mesmo sexo a acasalarem.

O taboo associado a esta temática dificultou, durante muito tempo, a identificação e estudo de espécies de animais em que vigoram diferentes sexualidades. No entanto, na atualidade, o estudo desta diversidade permite-nos perceber cada vez melhor a influência de fatores biológicos e genéticos na sexualidade humana.

Orientação sexual vs identidade de género

A comunidade LGBT+ engloba pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de género. Apesar de distintos, estes dois conceitos geram ainda alguma confusão.

A orientação sexual refere-se a quem uma pessoa se sente afetivamente e/ou sexualmente atraída. Alguns exemplos são a homossexualidade (atração por pessoas do mesmo género), heterossexualidade (atração por pessoas do género oposto) e bissexualidade (atração por pessoas de diferentes géneros), entre outras.

Por outro lado, a identidade de género refere-se à perceção que cada pessoa tem sobre o seu próprio género, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído à nascença. Existem identidades como transgénero (identidade de género diferente do sexo atribuído à nascença), cisgénero (identidade de género igual ao sexo atribuído à nascença) e não-binário (pessoas que não se identificam exclusivamente como homem ou mulher), entre outras. Assim, é importante perceber que a identidade de género e o sexo são conceitos distintos.

Bandeira LGBT.

Símbolo da comunidade LGBT. Créditos: unsplash.com

Diferentes orientações sexuais na natureza

Desde insetos, anfíbios, répteis e mamíferos, existem mais de 1500 espécies de animais em que se sabe haver diferentes sexualidades. Na verdade, é entre os primatas não humanos, os animais mais próximos dos seres humanos, como os lémures e os macacos, que esta diversidade é mais comum.

Em algumas espécies, as percentagens de casais homossexuais são, na verdade, bastante elevadas. Numa ilha do Havai, cerca de 31% dos casais de albatrozes são constituídos por duas fêmeas. As aves acasalam para toda a vida, e criam juntas os filhos. Já no caso dos cisnes negros, cerca de 25% dos casais são entre dois machos. Estes recorrem a uma fêmea apenas para poder ter ovos, e têm mesmo mais sucesso a criar os filhos do que os casais heterossexuais.

Um dos exemplos mais conhecido é o caso dos pinguins, em que já se verificou que alguns indivíduos formam casais homossexuais para toda a vida. Roy e Silo foram dois pinguins do Zoo Central de Nova York, que demonstravam afeto um para com o outro, recusaram parceiras fêmeas e criaram mesmo um ovo juntos.

Estes relacionamentos são comuns quer em ambientes artificiais como selvagens. Desde leões, elefantes, girafas, marmotas e morcegos, até lagartos, insetos e aracnídeos, os animais não se regem por construções sociais de orientação sexual nem acasalam estritamente com indivíduos do sexo oposto.

Casal de dois pinguins machos a demonstrar afeto.

Casal de dois pinguins-africanos machos, uma espécie que forma par para a vida. Créditos: © 2017 MTSOfan, licença: CC BY-NC-SA 2.0, https://www.flickr.com/photos/mtsofan/34551418135

Porque é que acontece?

Atualmente, não existe um só motivo universalmente aceite para a diversidade de sexualidades na natureza. Diferentes hipóteses biológicas, evolutivas e sociais têm vindo a ser apresentadas.

Pensa-se que a existência de casais homossexuais traz vantagens para a continuidade de algumas espécies, motivo pelo qual o comportamento terá sido mantido ao longo da evolução. Alguns estudos indicam que a homossexualidade permite fortalecer laços entre indivíduos de uma espécie, facilitando a resolução de conflitos. Para além disso, ao constituírem casais que não se conseguem reproduzir entre si, estes animais podem cuidar de ovos ou crias que foram abandonadas.

O facto de que a sexualidade tem uma componente genética é já um facto aceite pela comunidade científica. Assim, uma hipótese que tem sido proposta é que genes associados à homossexualidade podem conferir outras vantagens seletivas. Por este motivo, seriam selecionados positivamente ao longo das gerações.

A homossexualidade pode ser ainda uma resposta a desequilíbrios populacionais. Em alguns casos, quando há demasiados machos ou demasiadas fêmeas, os indivíduos do sexo em maior quantidade podem acasalar entre si.

Mais recentemente, um artigo da Nature expõe a hipótese de que, inicialmente, os animais apresentavam um comportamento sexual indiscriminado, isto é, sem preferência por parceiros machos ou fêmeas. Esta ideia baseia-se no facto de que, para um animal ter preferência por um parceiro do sexo oposto terá, primeiro, de reconhecer o sexo dos parceiros, através de diferentes informações – desde tamanho, cores, sinais hormonais, entre outros. Ora, este conhecimento só pode ser obtido através da evolução. Assim, a seleção natural só atuaria contra a homossexualidade se esta fosse desfavorável em termos evolutivos.

Independentemente do motivo que leva à prevalência das diferentes orientações sexuais na natureza, é certo que desempenham um papel crucial na complexidade das espécies. Afinal, a vida existe por causa da sua diversidade e consequente capacidade de adaptação. O reconhecimento e respeito por esta diversidade é uma chave para a desconstrução do preconceito ainda presente na sociedade.

Texto por Isabel Sousa. Revisto por Joana Silva.