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Ciência e Saúde

Alterações climáticas e segurança alimentar: que alimentos é que estão em risco?

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Joanie Simon no Unsplash

As alterações climáticas estão a ameaçar vários alimentos fundamentais a nível mundial. Com eventos como aumentos de temperaturas, secas, chuvas extremas, alterações nos solos e mudanças de padrões de pragas cada vez mais comuns, quais são os alimentos que enfrentam um futuro incerto?

 

Considerado como o ano mais quente desde que há registo, 2023 foi marcado por uma série de eventos climáticos extremos como secas, temperaturas atipicamente baixas ou chuvas torrenciais que vieram comprometer a produção de alimentos e criar desafios para toda a indústria alimentar e para as populações, que viram os preços dos alimentos inflacionados. E a trajetória parece manter-se em 2024, com o passado mês de julho a bater recordes de aquecimento e desastres climáticos.

Apesar de tudo, as preocupações associadas às alterações climáticas na perspetiva da alimentação, assim como os possíveis problemas que a falta de inovação tecnológica que acompanhe e combata estes eventos possa trazer, não são ideias recentes. Em 2019, a Comissão Global para a Adaptação – um grupo de investigação independente patrocinado pelas Nações Unidas, pelo Grupo Banco Mundial e pela Fundação Bill & Melinda Gates – previu que as alterações climáticas podem vir a reduzir os rendimentos agrícolas em 30% até 2050, e que o impacto ia ser sentido principalmente por pequenos agricultores, que compreendem 500 milhões de pessoas por todo o mundo. Um estudo de 2020 discute soluções como a migração de plantações para áreas geográficas que limitem a exposição a condições climáticas adversas, o que implica geralmente uma deslocação para zonas mais a norte. No entanto o estudo destaca os substanciais custos ambientais, assim como políticos e socioeconómicos, com regiões a sul dependentes da agricultura, que podem perder os seus meios de subsistência.

Keith Wiebe, do Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares, afirma: “É uma corrida entre a inovação e os impactos do clima. Toda a história da agricultura se baseia na experiência com temperaturas relativamente estáveis. E vamos ultrapassar isso nas próximas décadas.”

O tópico da segurança alimentar foi também destacado na cimeira do clima COP28, com líderes de 162 delegações a subscrever à declaração sobre agricultura sustentável, sistemas alimentares resilientes e ação climática, e a procurar integrar estes objetivos nos seus planos nacionais.

À medida que os impactos da crise climática se intensificam, a preocupação é que os impactos na agricultura que já estão a ser observados, sejam apenas o início. E são vários os alimentos em risco, sejam eles favoritos regionais ou essenciais à dieta básica.

 

Arroz

O arroz é um alimento base na dieta de mais de metade da população mundial, sendo a sua produção fundamental na garantia da segurança alimentar à escala global. No ano passado, a produção de arroz reduziu devido aos impactos climáticos sentidos em regiões como os Estados Unidos, Europa e a Ásia, esta última que concentra grandes regiões produtoras. E os problemas na produção são multifacetados, com episódios de seca ou de inundações, com a água a aumentar a salinidade dos solos e afetar as culturas.

Em março de 2023, a Itália, que produz cerca de 50% do arroz de toda a União Europeia, e é o produtor exclusivo de variantes como Arborio e Carnaroli, lançou avisos sobre a diminuição da produção de arroz devido a dois anos consecutivos afetados por eventos de seca.

Na Índia, que como maior fornecedor de arroz do mundo representa 40% das exportações, episódios de monções, característicos da região, foram tardios e com chuvas mais pesadas e longas do que o habitual. Receios de escassez fizeram que em julho de 2023 o país impusesse embargos à exportação, causando uma significativa inflação nos preços.

 

Azeitonas e azeite

O Conselho Oleícola Internacional (COI), composto por 46 países que representam 94% da produção de azeite mundial, concentrada maioritariamente no Mediterrâneo, declarou as duas últimas campanhas de produção, desde 2021, como historicamente baixas. Por trás desta redução estão os golpes de calor e seca persistente sentidos na região. Consequentemente, os preços do azeite escalaram para valores sem precedente, particularmente a nível doméstico, tendo também impacto em outros produtos dependentes de azeite, como é o caso de alguns enlatados.

 

Uvas e vinho

O ano de 2023 viu a menor produção de vinho em mais de 30 anos. Em países produtores como a Austrália, a queda foi de 25% devido à imprevisibilidade das condições climatéricas. No Chile, de 20%, associada a secas e incêndios florestais. Na Itália, o valor rondou os 12%, após excesso de precipitação, inundações, tempestades de granizo e secas. E em Espanha, o terceiro maior produtor mundial, o decréscimo chegou a 14%, com condições de aridez severas em regiões como a Andaluzia e a Catalunha, onde se prevê um o risco de perda de 60% da produção de uvas e derivados no futuro.

 

Batatas

No outono de 2023, regiões como a Bélgica, Holanda, França e o Reino Unido foram afetadas por chuvas fortes que encharcaram campos de cultivo de batatas, impossibilitando a colheita. O fenómeno levou à menor produção de sempre em alguns desses países. Previsivelmente, os preços do produto aumentaram, particularmente na Europa, que viu o valor mais alto em 14 anos.

Noutras regiões do mundo, como é o caso da Bolívia, onde as batatas são um cultivo comum, e outras zonas da América do Sul, padrões climáticos erráticos e temperaturas sem precedentes, resultantes das alterações climáticas, impactaram a produção da batata e aumentaram os preços do produto.

 

Soja

A produção de soja diminui significativamente no ano passado, em zonas como os Estados Unidos e a Argentina. Problemas como chuvas excessivas que atrasam as plantações, transições rápidas entre cheias e secas e temperaturas em geral mais altas, afetam as culturas.

A soja, assim como o óleo de soja, representam alimentos de pleno direito nas dietas globais, mas ocupam um lugar particular nas preocupações da indústria. A grande maioria das produções de soja é usada como alimento para gado. A escassez ou má qualidade dos alimentos para animais pode provocar aumento de preços, falta de disponibilidade e diminuição da qualidade da carne ou de produtos derivados.

Para além da soja, os efeitos do clima imprevisível também se têm sentido noutros grãos como milho e trigo, com a expetativa que as colheitas reduzam gradualmente até 2030.

 

Cacau

Foi no início deste ano que o preço do cacau atingiu um nível recorde, com zonas da África Ocidental, que garantem 75% da produção mundial, a serem fortemente afetadas pelo tempo seco. Em causa esteve o fenómeno El-Niño, que atingiu países como o Gana e a Costa do Marfim, onde há significativa produção daquele que é o ingrediente base do chocolate. A este fenómeno acresceram temperaturas mais quentes e alterações nos padrões de precipitação que provocaram um surto de pragas e levaram à degradação das vagens de cacau.

Os preços do cacau subiram 136% entre julho de 2022 e fevereiro de 2024, segundo dados da ONU. As colheitas estão a ser prejudicadas há três anos consecutivos, com a Organização Internacional do Cacau a esperar um défice global de 374 mil toneladas em 2024.

 

O futuro da segurança alimentar

Para além dos alimentos descritos, são vários os registos de eventos climáticos a afetar diretamente outros alimentos em regiões específicas, numa lista que aparenta estar em constante crescimento.

À medida que nos debatemos com os efeitos das alterações climáticas e a segurança alimentar, surge a necessidade de uma total e complexa transformação dos sistemas alimentares. Com o setor agrícola como um dos maiores contribuidores para as emissões de gases de efeito de estufa, mudanças na forma como produzimos, embalamos, transportamos e consumimos os alimentos são inevitáveis se queremos mitigar as consequências das alterações climáticas e alcançar um futuro mais sustentável.

Artigo da autoria de Ana Luísa Silva. Revisto por Diana Cunha.

 

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