Boletim Médico
Efeito placebo no tratamento de doenças
Do latim placere, que significa agradar, aprazer, o placebo é utilizado na medicina há mais de duzentos anos, sendo que, até aos dias de hoje levanta algumas questões éticas relacionadas com o seu uso.
Muito ligado ao foro psicológico, em alguns casos este pode atuar como uma alternativa aos fármacos tradicionais, com o propósito de permitir aos doentes um alívio dos sintomas. Neste artigo, pretende dar-se a conhecer de que se trata este “medicamento”, bem como do seu uso em doenças como a depressão e a doença de Parkinson.
Placebo: O que é?
Placebos são substâncias inativas, utilizadas principalmente em estudos controlados para a comparação com fármacos potencialmente ativos, de forma a avaliar os efeitos dos mesmos. Assim, o placebo promove reações neurobiológicas, diminuindo a dor ao agir sobre o sistema opioide endógeno, ou seja, nos recetores com poder analgésico presentes no sistema nervoso central.
Efeitos do placebo no cérebro
Técnicas recentes de neuroimagem, incluindo ressonância magnética funcional, tomografia por emissão de positrões (PET) e magnetoencefalografia (MEG), têm fornecido à medicina novos insights sobre os mecanismos neurológicos do efeito placebo. Nos últimos doze anos, cerca de quarenta estudos depois sobre este mesmo tema, foi obtida uma imagem emergente dos sistemas cerebrais envolvidos na analgesia placebo e hiperalgesia (sensibilidade aumentada à dor). As áreas cerebrais implicadas incluem o tálamo medial, a ínsula anterior, o córtex cingulado anterior dorsal, a substância cinzenta periaquedutal e o córtex somatossensorial secundário–ínsula posterior dorsal. As respostas ao placebo estão também associadas a aumentos na atividade do recetor da dopamina, envolvida em vias de recompensa e motivação no cérebro.
Quadros clínicos: O uso do placebo na medicina.
Doença de Parkinson
A doença de Parkinson é uma doença degenerativa do sistema nervoso central e progressiva que afeta várias regiões específicas do cérebro. Trata-se de uma situação em que as células nervosas dos gânglios basais se degeneram. Assim, os sintomas estão fortemente associados a tremores, lentidão nos movimentos, aumento da rigidez muscular e perda do equilíbrio. O tratamento prende-se essencialmente com a administração de medicamentos como a apomorfina que ativam os recetores de dopamina (hormona responsável pelos processos cognitivos, emoções e controlo dos movimentos, entre outros), que sofre uma diminuição na concentração sanguínea devido à degeneração das células nervosas do cérebro.
Depressão
A depressão é uma doença do trato psíquico, caracterizada por desequilíbrios na produção de neurotransmissores como a serotonina e a noradrenalina. Pode apresentar-se de diferentes formas e graus de gravidade. Os seus sintomas estão relacionados com tristeza, fadiga, alterações nos padrões de sono e apetite, entre outros. O aparecimento desta doença pode relacionar-se com fatores hereditários, alterações hormonais ou efeitos secundários de medicamentos. A nível medicinal, o seu tratamento envolve a toma de antidepressivos, medicamentos que atuam no sistema nervoso central, alterando e corrigindo a transmissão neuroquímica nas áreas do cérebro que regulam o humor.
Placebo como tratamento
Vários são os casos reais onde se verifica o denominado efeito placebo. O caso de Mike, diagnosticado com a doença de Parkinson, que foi submetido a um tratamento experimental que consistia na abertura de dois orifícios cerebrais, um em cada hemisfério, através do crânio, e na posterior injeção do fármaco diretamente nas regiões-alvo, é um desses. Após a intervenção cirúrgica, as melhorias de sintomas foram significativas, tendo o paciente ficado curado. Mais tarde, foi revelado, pela empresa que desenvolvia o medicamento contra a doença em questão, que este fora um fracasso e que, na verdade, o que teria sido administrado a Mike, durante a cirurgia, fora, na verdade, placebo.
Para além disso, um estudo de onze ensaios clínicos mostrou uma taxa de resposta ao placebo de 16%, refletida com melhorias na doença ao longo dos seis meses de estudo. Neste caso, o efeito do placebo relaciona-se com a ativação do sistema de dopamina nigroestriatal, ou seja, a libertação substancial de dopamina endógena no corpo estriado dos doentes.
No que toca ao tratamento da depressão, os antidepressivos são usualmente receitados tendo como objetivo a correção da transmissão neuroquímica nas áreas do cérebro que regulam o humor, ajudando, portanto, a reduzir os sintomas da doença. Porém, vários estudos realizados apontam que, na realidade, os resultados benéficos que advém da toma destes medicamentos resultam da resposta placebo. Segundo esses ensaios clínicos a diferença no resultado entre o medicamento e o placebo ficou abaixo do critério de significância clínica usado pelo Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE), a organização que define as diretrizes de tratamento para o Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido.
Ademais, de acordo com Irving Kirsch, psicóloga e especialista em placebo, uma quota parte daquilo que faz com que os antidepressivos sejam eficazes no alívio da depressão prende-se com o facto de as pessoas acreditarem que a toma da medicação será benéfica para o tratamento, ou seja, trata-se exatamente da personificação do efeito placebo.
Por fim, estudos realizados provaram que o placebo é mais eficaz na redução da dor do que alguns medicamentos. Este facto é visto como um entrave para os investigadores que produzem os medicamentos, uma vez que o placebo “mascara” os benefícios do tratamento da doença através do medicamento produzido.
A administração do placebo como alternativa aos tratamentos tradicionais, à base de medicamentos, é um tópico que levanta ainda algumas questões éticas. Veja-se que a administração de placebo a um doente faz do mesmo imediatamente alvo de um ensaio clínico. Sendo assim, o doente não é informado do tipo de medicamento de que será alvo, bem como não lhe será facultado nenhum tratamento de saúde do foro farmacêutico. Será, assim, importante acompanhar a evolução da medicina e investigação nesse mesmo sentido, permitindo à ciência contornar estas questões e oferecer aos pacientes o melhor tratamento possível com recurso ao placebo.
Artigo redigido por Beatriz Novais Ferreira. Revisto por Diana Cunha.