Ciência e Saúde

Barra de sabão no apoio ao tratamento do cancro

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Fonte: Pexels

Heman Bekele, aluno de 14 anos, desenvolveu uma barra de sabão com potencial para o tratamento do melanoma. Esta é o resultado da infusão de três ingredientes, com a possibilidade de ajudar pacientes de forma segura e com um custo muito baixo.

 

O melanoma é um dos tipos de cancros de pele, que se caracteriza pela sua capacidade de disseminação local e regional, e também pela sua taxa de mortalidade, sendo o mais mortal de todos os cancros de pele. Tem origem nas células da pele produtoras de pigmento, chamadas melanócitos.

Os melanócitos, células localizadas na camada basal da epiderme da pele, desempenham uma função importante na produção de um pigmento absorvente de radiação ultravioleta (UV), designado melanina, através da tirosina. Sempre que a pele é atingida por radiação UV do sol sofre danos, e os queratinócitos produzem uma hormona (alfa-MSH). Essa hormona vai se ligar ao recetor de melanocortina 1 (MC1R) e induz a síntese de melanina.

A melanina é o pigmento responsável pela tonalidade que a pele pode apresentar, sendo a proporção de eumelanina/feomelanina que confere o tom. Estas duas formas de melanina, eumelanina e feomelanina, têm pigmento preto e vermelho/amarelo, respetivamente. A primeira confere os tons mais escuros da pele, cabelo e olhos, enquanto a feomelanina é encontrada em maior proporção em cabelos e tons de pele mais claros. Ambas têm um papel importante na proteção da pele, mas a eumelanina confere maior e melhor proteção contra os raios UV.  Para além do pigmento, o gene MC1R  também contribui para a coloração da pele, cabelo e olhos. Ele codifica um recetor acoplado à proteína G e participa de forma fundamental na pigmentação da pele e na reparação dos danos do DNA que são induzidos por raios UV.

Contudo, quando existem mutações ou quando se verificam variações genéticas que promovem níveis deste gene abaixo do normal, o cancro de pele pode surgir.

O melanoma é mais comum em pessoas com cabelos e olhos claros devido ao gene MC1R ser polimórfico, que resulta na produção de feomelanina. Por consequência da produção de feomelanina resultam substâncias cancerígenas e espécies oxidativas reativas induzidas por UV-A, que têm como consequência danos mais severos no DNA, em resposta à exposição a radiação UV.

De acordo com a Skin Cancer Foundation, este cancro apresenta uma elevada mortalidade, sendo esperadas 8290 mortes este ano, nos Estados Unidos, o que corresponde a um aumento de 4% face ao ano anterior. De igual modo, a percentagem de diagnósticos também deve aumentar em 7%, para um total de 200 340 casos diagnosticados.

Apesar destes números, quando diagnosticado precocemente, o cancro é tratável, sendo a taxa de sobrevivência estimada, em 5 anos, superior a 99%.

Os maiores problemas surgem quando se descobre o melanoma muito tarde, devido ao seu processo de metastização e consequente propagação através do sangue ou sistema linfático. Contudo, quando diagnosticado em estágios iniciais, a intervenção cirúrgica que envolve excisão do tumor é a mais utilizada. Procede-se a uma técnica de excisão local ampla e remove-se o tumor e o tecido saudável circundante. Em casos em que o melanoma é encontrado nos gânglios linfáticos sentinela, os linfonodos restantes da área são removidos.

Para além da ressecção cirúrgica, para pacientes com doença metastática é necessário adotar terapias medicamentosas. Inicialmente apenas era utilizada a quimioterapia, mas isso mudou aquando da descoberta recente de medicamentos que melhoram significativamente o prognóstico para este tipo de pacientes. Tendo em conta o avanço científico com terapias direcionadas e imunoterapias, o tratamento através de quimioterapia está a cair em desuso.

Em 2023, Heman Bekele, estudante com 14 anos, venceu o “3M Young scientist’s Challenge” e foi nomeado “o melhor jovem cientista da América”, com a criação de uma barra de sabão que visa ajudar no tratamento do melanoma. Em 2024, foi nomeado “Time’s 2024 kid of the year”.

Heman Bekele nomeado “Kid of the Year” @ Instagram

“Curar o cancro, uma barra de sabão de cada vez”. Foi a frase utilizada por Heman na sua apresentação que cativou a América e o mundo científico. Este jovem cientista tinha como objetivo criar uma barra de sabão que possa curar o cancro da pele e que fosse acessível a todos que precisem. 

Bekele criou o sabonete conhecido por “Sabonete para o tratamento do melanoma” (MTS, do nome em inglês), com a infusão de três ingredientes, que têm como objetivo reativar as células dendríticas: ácido salicílico, ácido glicólico e tretionína, numa proporção de 50/30/20, respetivamente. Todas estas substâncias atuam como agentes queratolíticos, isto é, estas substâncias são conhecidas como esfoliantes, atuam sobre a queratina da pele e estimulam a regeneração da epiderme. Segundo Bekele “após a utilização do MTS, o sabonete liberta recetores do tipo Toll diretamente na pele. Estes recetores ligam-se às células dendríticas para as reativar, e estas células reativadas ligam-se às células T e IL-12 para combater as células infetadas”.

Para além destes componentes, o MTS também tem na sua composição imidazoquinolina, uma susbtância utilizada para tratamentos antifúngicos e acne. Recentemente, esta molécula tem sido alvo de estudo para imunoterapia local no tratamento do cancro, devido à capacidade de induzir interferões tipo 1. O que é de grande interesse no contexto da terapia anticancerígena.

A infância de Bekele teve lugar na Etiópia, até aos seus quatro anos, altura essa em que emigrou para os Estados Unidos. O seu projeto teve início ainda no seu país natal, após reparar nas pessoas que trabalhavam ao ar livre, debaixo de sol quente durante imenso tempo e sem qualquer proteção para a pele. Foi a consciencialização deste problema que o fez desenvolver um tratamento.

Atualmente, Heman e Vito Rebecca , biólogo molecular e professor em Baltimore, têm desenvolvido experiências em ratos. Nos quais injetam estirpes de cancro de pele, e de seguida aplicam o MTS para verificar os resultados. Embora tenha a vontade de testar, Heman admite que “ainda há um longo caminho a percorrer”, quer em questões de testar e patentear a barra de sabão, assim como obter a certificação da FDA.

Ainda neste ano, investigadores ingleses começaram a testar a primeira vacina personalizada contra o cancro de pele. Caracterizaram esta vacina como “gamechanging” como resultado do potencial de cura permanente para a doença oncológica. Esta é uma terapira neoantigénica individualizada e personalizada, que utiliza a mesma tecnologia de RNA mensageiro usada nas vacinas contra a Covid-19. A vacina desenvolvida é associada ao cancro do paciente, e instrui o corpo a atacar efetivamente e permanentemente as células cancerígenas, com a finalidade de evitar a recidiva.

De modo a sintetizar esta vacina é retirada uma amostra do tumor do doente durante cirurgia, seguida de sequenciamento do DNA e uso de inteligência artificial (IA). Através da ajuda da IA, é possível processar e analisar enormes volumes de dados genéticos com rapidez e precisão, e assim identificar quais mutações são únicas para o cancro de cada pessoa.

Heather Shaw, investigadora coordenadora do estudo, acrescenta: “Esta é uma terapia muito individualizada e é muito mais inteligente em alguns sentidos do que uma vacina”. Para além do cancro de pele, os investigadores estão a usar a mesma tecnologia de base a fim de expandir esta terapia a outros tipos de cancro.

Apesar dos elevados números de pacientes afetados por este cancro, a comunidade científica tem apresentado vários indícios de evolução dos tratamentos. E, mais importante, continua a proporcionar esperança para todos envolvidos.

 

Artigo da autoria de Rafael Maria Pires e Marinho. Revisto por Ana Luísa Silva e Diana Cunha.

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