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Ciência e Saúde

“Só mais um TikTok”: o impacto da dependência digital no funcionamento cerebral

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O uso excessivo de redes sociais está a transformar não só o comportamento humano como o próprio funcionamento cerebral. Redução da empatia, dificuldades de atenção e impactos na saúde mental são algumas das consequências que afetam principalmente as gerações mais jovens.

 

As redes sociais apareceram no final do século XX, há menos de 30 anos atrás, e são uma das empresas de tecnologia que desenvolveram mais rapidamente. Atualmente, estima-se que cerca de 78,5% da população portuguesa utiliza redes sociais.

Apesar do seu intuito inicial ser conectar as pessoas com família, amigos e colegas, as redes sociais vieram revolucionar não só o funcionamento da sociedade, criando uma nova e principal força de influência política [16], desinformação [17] e publicidade [18], como também afetaram a própria fundação biológica dos utilizadores – o funcionamento cerebral.

Dopamina: o combustível da dependência das redes sociais

A dopamina é geralmente conhecida como a molécula da felicidade, devido ao seu papel fundamental no sistema de recompensa cerebral. Sendo um neurotransmissor, a função da dopamina é levar informação de um neurónio para outro, funcionando como um mensageiro químico que influencia as emoções, comportamentos e decisões.

O cérebro produz grandes quantidades de dopamina em antecipação a um estímulo ao qual associa prazer ou recompensa. Quer seja perante uma comida que se gosta, um novo episódio de uma série favorita ou uma saída com amigos, o pico de dopamina é o que motiva à realização de tarefas que trazem prazer.

No entanto, assim que o estímulo termina, deixa de haver necessidade de motivar o indivíduo a continuar a tarefa. Assim, a produção de dopamina termina, criando-se um crash, que deixa uma sensação de vazio ou insatisfação.

O cérebro está projetado para procurar recompensas de forma eficiente. No entanto, em excesso, esta procura pode levar a comportamentos viciantes. Atividades que promovem uma liberação rápida e intensa de dopamina podem sobrecarregar o sistema de recompensa, criando um ciclo de dependência. Nesta situação, cada vez que há um crash de dopamina, o indivíduo sente a necessidade de repetir a tarefa, porque a sensação de insatisfação não parece passar.

As redes sociais são precisamente um exemplo de uma atividade que, facilmente, desencadeia este ciclo viciante. A natureza rápida da informação proporcionada por TikToks, Reels, YouTube Shorts, entre outros, é desenhada para captar a atenção e manter os utilizadores presos à plataforma. Cada notificação, like, comentário ou novo vídeo ativa o sistema de recompensa do cérebro, promovendo picos frequentes de dopamina.

Ilustração do funcionamento da dopamina.

Modo de funcionamento da dopamina na transmissão de informação entre dois neurónios.

Os principais efeitos biológicos a longo prazo

Com o tempo, o cérebro pode vir a tornar-se menos sensível à dopamina, exigindo estímulos cada vez mais intensos para alcançar o mesmo nível de prazer. Isto pode levar a uma redução na capacidade de desfrutar de outras atividades do dia-a-dia, como socializar, aprender ou até mesmo ser capaz de relaxar sem estar perante um dispositivo.

Estudos recentes de imagens obtidas por ressonância magnética sugerem mesmo que o uso prolongado de redes sociais causa anomalias no córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e regulação emocional. Verifica-se também uma redução da conetividade do cérebro, isto é, da capacidade de comunicação entre as diferentes partes do cérebro. Isto traduz-se, por exemplo, numa diminuição da capacidade cognitiva, afetando a capacidade de foco e atenção.

Para além disto, a natureza curta da informação que chega aos indivíduos tem um efeito na capacidade de empatia. Cada vídeo ou imagem é desenhado para atrair rapidamente a atenção do utilizador sem, no entanto, a prevenir de continuar a consumir novo conteúdo. Isso significa que a pessoa é exposta a vários assuntos, mas apenas o suficiente para se manter entretida. Em vez de estimular a reflexão por parte do indivíduo, este consumo rápido e fragmentado de informação encoraja a indiferença e reduz a disposição para compreender diferentes perspetivas ou se envolver significativamente com algum problema.

“Gen Z”: a primeira geração que cresceu a usar redes sociais

A Geração Z – também conhecida como “Gen Z” – é a primeira a crescer totalmente imersa no universo das redes sociais. A pressão social desempenha um papel significativo no seu uso, criando um ambiente onde a necessidade de estar conectado é vista como indispensável para a integração social. O desejo inicial de aceitação leva muitos jovens a criar dependências que têm um impacto notório na sua saúde mental.

A constante comparação com as vidas idealizadas exibidas nas redes sociais reflete-se já no agravamento de problemas psicológicos na geração jovem. Existem vários estudos que indicam relações entre o uso excessivo de redes sociais e problemas como a ansiedade, depressão e solidão. Da mesma forma, este uso excessivo está relacionado com a redução na concentração, dificuldade em completar tarefas e menor capacidade de comunicação presencialmente.

Apesar de ainda se debater se a dependência ou vício das redes sociais deve ser formalmente considerado como sendo um distúrbio, a lista de sintomas universalmente aceite baseia-se nas 6 Componentes do Vício, definidas por Griffiths:

  1. Saliência: passar muito tempo a pensar ou a planear utilizar redes sociais;
  2. Tolerância: necessidade de passar cada vez mais tempo nas redes sociais;
  3. Modificação do humor: utilizar as redes sociais para escapar de problemas emocionais;
  4. Recaída: incapacidade de controlar ou reduzir o uso de redes sociais, o que leva a um retorno rápido após um período de abstinência;
  5. Abstinência: sentir-se incomodado ou angustiado quando não se pode usar as redes sociais;
  6. Conflito: impactos negativos do uso excessivo das redes sociais na vida do utilizador.

Atualmente, as estimativas de percentagem de adolescentes com vício em redes sociais são ainda muito variáveis. Isto deve-se não só às diferenças nos critérios usados para definir o problema, como aos próprios métodos dos estudos – por exemplo, se são questionados diretamente os jovens ou os pais, que podem ter uma perceção diferente do problema. A título de exemplo, estima-se que 44% dos jovens em nos Estados Unidos apresentam um uso problemático de redes sociais, e este número sobe para 48% em Inglaterra. Já em Portugal, um estudo da Universidade de Lisboa, que se debruçou principalmente sob jovens adultos entre os 25 e os 34 anos, estimou que este problema afeta cerca de 33% dos inquiridos.

Em resposta ao crescente impacto do uso problemático de redes sociais nas gerações mais novas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) delineou recomendações para a exposição a ecrãs. Crianças com menos de 2 anos não devem de todo ser expostas a ecrãs. Entre os 2 e 4 anos o tempo diário máximo é de 1 hora. Estas recomendações baseiam-se em estudos que correlacionam o tempo de ecrã com a obesidade, problemas de desenvolvimento cognitivo e motor, problemas de atenção, entre outros.

Bebé a assistir uma série num telemóvel.

Em Portugal, cerca de 90% das crianças com menos de 2 anos utilizam aparelhos digitais diariamente (Fonte: doi.org/10.32385/rpmgf.v36i6.12706).

A resolução do problema à distância de um click

O uso de redes sociais não é intrinsecamente negativo para a saúde mental – o problema reside no uso excessivo e descontrolado. Assim, uma parte da solução passa por moderar a sua utilização de forma consciente.

Existem várias estratégias que podem ser implementadas para combater o uso excessivo de redes sociais. Por exemplo, restringir o uso de aparelhos eletrónicos antes de ir dormir pode melhorar significativamente a qualidade do sono. Outra medida passa por monitorizar o tempo diário gasto nas redes sociais, e definir um limite para cada aplicação. Atualmente, existem já várias ferramentas digitais que permitem rastrear o tempo de uso e enviar alertas quando os limites definidos são atingidos. Desativar as notificações também é uma forma eficiente de reduzir a necessidade constante de verificar o telemóvel, promovendo períodos de desconexão mais longos.

Finalmente, como nem todos os problemas do uso excessivo de redes sociais são biológicos, é importante resolver igualmente os impactos cognitivos e sociais. Uma prática importante passa por confirmar a veracidade das informações e expor-se a diferentes perspetivas para evitar a polarização e a radicalização de opiniões. Isto pode ser feito consultando fontes credíveis, como artigos científicos ou websites de instituições respeitadas.

Texto por Isabel S. Sousa. Revisto por Joana Silva.

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