Ciência e Saúde
Substância encontrada no vinho poderá ajudar no combate e prevenção do cancro do intestino
O resveratrol, substância abundante na casca e sementes de uva, tem sido destaque em estudos científicos pelas suas propriedades anticancerígenas, assim como anti-inflamatórias, cardio e neuroprotetoras e efeitos antidiabéticos.
O resveratrol (RSV) é um polifenol presente em fontes alimentares como o vinho, os frutos vermelhos e o amendoim. Mais de 70 espécies de plantas sintetizam este composto em resposta a infeções, stress, lesões, infeções bacterianas ou fúngicas e irradiação UV, assim como stresses abióticos. É produzido em grandes quantidades por plantas de videiras, e por isso faz com que seja uma fitoalexina da videira, estimulando a defesa natural das plantas de uva. Para além destas, outras plantas comestíveis, como o lúpulo, o amendoim e inúmeras bagas, amoras, groselhas, mirtilos e amoreiras, também produzem resveratrol.
Devido às suas propriedades antioxidantes, o RSV proporciona inúmeros efeitos benéficos para os seres humanos, incluindo a prevenção não apenas do cancro, mas também de doenças cardiovasculares, neuro-degeneração e inflamação. Para além disso, também pode prevenir ou retardar o stress oxidativo, que é conhecido por criar lesões nas células. O stress oxidativo é o processo do qual resulta um aumento de radicais livres. E, como o RSV, os antioxidantes têm um papel fundamental no controlo destas moléculas, que atacam outras por serem instáveis.
O resveratrol e o quadro oncológico
Com milhões de novos casos diagnosticados anualmente, o cancro é uma das principais prioridades da Comissão Europeia no domínio da saúde. O tratamento desta doença é feito através de tratamentos locais e sistemáticos. Por locais, entende-se a cirurgia e radioterapia; já o tratamento sistemático tem por base uma terapêutica mais generalizada, que atua no corpo todo, como a quimioterapia, hormonoterapia, terapia génica e imunoterapia.
Estes tipos de tratamentos são os designados tratamentos tradicionais. Além destes, investigadores têm estudado o uso de compostos naturais, com ênfase naqueles encontrados em alimentos, para potenciais tratamentos. Mais especificamente, “atacar” esta patologia de forma preventiva, de modo a evitar o desenvolvimento do tumor cancerígeno, e é nesta etapa que os compostos naturais podem ter um impacto muito significativo. Desta forma, uma alimentação adequada pode prevenir o desenvolvimento de cancro ou reduzir o seu risco, evitando 30 a 40% dos casos.
No caso de cancros no sistema digestivo, estudos epidemiológicos revelaram o efeito benéfico da dieta na prevenção do cancro, com o consumo de fibras, polifenóis (incluindo o resveratrol) e ácidos gordos ómega-3 apontados como os componentes mais protetores.
Cientistas ingleses, financiados pela Cancer Research UK , estão a estudar se o polifenol encontrado nas uvas vermelhas e vinho, poderá apresentar respostas positivas no sentido da prevenção do cancro do intestino.
Num estudo já publicado, a professora Karen Brown da Universidade de Leicester e coordenadora da equipa encarregue do projeto, concluiu que o resveratrol purificado é capaz de inibir o crescimento de células cancerígenas, inclusive quando administrado em doses baixas. O resveratrol purificado difere do polifenol encontrado no vinho em diversos aspetos. A concentração é bastante díspar, pois o resveratrol purificado tem uma concentração superior em relação ao RSV presente nas uvas e vinhos. No que toca à biodisponibilidade, a ausência de outros compostos encontrados no resveratrol natural pode alterar a absorção do resveratrol purificado. Nas uvas e vinhos, o resveratrol atua em conjunto com outros polifenóis e compostos, o que pode originar os seus efeitos benéficos.
Ao longo de anos de pesquisa, a equipa britânica descobriu, em testes realizados em ratos e amostras de tecido humano, que o resveratrol chega com sucesso ao intestino sem se decompor no estômago, o que por si só, potencializa a inibição da proliferação de células cancerígenas nesse órgão. Com estes dados, a Universidade de Leicester e o Instituto Nacional de Investigação em Saúde e Cuidados Sociais (NIHR) do Reino Unido decidiram estabelecer um ensaio clínico, no qual irão recrutar 1300 pacientes em 60 locais na Inglaterra e no País de Gales.
COLO-PREVENT
O estudo, designado COLO-PREVENT, a ser desenvolvido nos próximos anos, vai reunir pessoas com idade entre os 50 e 73 anos, nas quais se observou a presença de pólipos, na triagem do cancro do intestino.Para testar a eficácia do resveratrol, os investigadores irão submeter os participantes a uma cirurgia para remover os crescimentos detetados no revestimento do intestino, e posteriormente, administrar-lhes um dos seguintes conjuntos de medicamentos: aspirina isolada ou aspirina e metformina, no estudo principal, e resveratrol ou placebo, no subestudo.
O estudo principal foca-se em medicamentos já utilizados e com evidencias prévias da sua eficácia na prevenção do cancro colorretal. A aspirina, dada as suas propriedades anti-inflamatórias e antiplaquetárias, e a metformina por ser um agente anti-tumoral. O subestudo, por outro lado, oferece alternativas para quem não possa utilizar os medicamentos do estudo principal, e também investiga a ação do agente natural com potencial preventivo, o resveratrol.
Mark Hull, investigador principal do estudo explica: “Quando os pólipos são identificados, removê-los não garante que estes não voltem, ou evoluam a cancro no futuro. Através do uso da terapêutica de prevenção, estamos a tentar tudo a fim de reduzir o risco de cancro e o estudo COLO-PREVENT é apenas uma maneira de o fazermos.”
A nível mundial, o cancro colorretal está em terceiro lugar como o cancro mais comum e o segundo que causa mais mortes, ficando apenas atrás do cancro do pulmão. Embora as taxas de incidência nos países ocidentais apresentem um declive decrescente, graças aos métodos de triagem (colonoscopia), o aparecimento desta condição entre os adultos mais jovens está a crescer. Países mais industrializados, como os EUA e a Europa Ocidental, apresentam maior prevalência da doença, enquanto em África ou na América do Sul, a prevalência é menor.
A maioria dos casos de cancro do intestino ocorre de forma esporádica, contudo cerca de 5% resulta de mutações genéticas herdadas, principalmente associadas à síndrome de Lynch e à polipose adenomatosa familiar. Só no ano de 2022, registaram-se cerca de 360 mil novos casos oncológicos na Europa.
Embora o resveratrol se demonstre promissor na prevenção do cancro, serão necessários anos de estudos até se apurarem dados mais conclusivos. “Este estudo abre a porta para uma nova era de pesquisa sobre o cancro, onde o cancro se torna muito mais evitável através da ciência”, disse o Dr. Iain Foulkes, diretor executivo de investigação e inovação da Cancer Research UK. “Os insights obtidos mudarão a forma como pensamos sobre a prevenção do cancro, e darão a mais pessoas a chance de vidas mais longas e melhores, livres do medo do cancro.”