Cultura
PONTOCULTURA: THE LIFE OF PABLO, KANYE WEST
Quem acha que conhece Kanye vive num mundo de ilusão. É impossível prever a sonoridade do seu próximo projeto e tentar estabelecer paralelismo com trabalhos anteriores para antever ao que soará o seguinte é uma perda de tempo. Quem ouviu os três singles lançados em 2015, em colaboração com o lendário Beatle Sir Paul McCartney, nunca os imaginou fora de um hipotético novo álbum de Ye, mas é um facto que estes foram ignorados e não constam do The Life of Pablo.
Na sua polémica conta do Twitter, Kanye anunciou que este seria um álbum de gospel. A faixa de abertura, “Ultralight Beam”, encaixa perfeitamente nesta categoria. Uma canção que conta com participações de The-Dream, Kelly Price, Kirk Franklin e um arrebatador verso de Chance The Rapper, acompanhado por acrescentos doces de Donnie Trumpet. É um começo que se revela, como o próprio afirma, um “sonho divino”.
Nas duas faixas seguintes, “Father Stretch My Hands Pt. 1” e “Pt. 2”, há uma clara mudança de tom. West atira-se às tendências do pop rap atual. Quem diria que, na transição de um hino de gospel, se ouviria “If Young Metro don’t trust you, I’m gon’ shoot you”? Já na segunda parte, Kanye dá uma nova abordagem ao banger de trap “Panda”, da autoria de Desiigner, um rapper de Brooklyn muito comparado a Future pelo flow e entoação semelhantes. Todas as camadas da canção estão ligadas harmonicamente, sendo que os ad-libs que ouvimos no fundo põem ouvintes mais comedidos a abanar a cabeça.
“Famous” é a música que se segue e contém tudo: uma participação de Rihanna, um sample de Nina Simone, uma linha misógina sobre Taylor Swift… Enfim, a vida em si mesmo. Conhecendo Kanye, era expectável que este fosse o primeiro single retirado do álbum – “Famous” transpira controvérsia.
Por esta altura, o ouvinte já reparou que está perante o álbum mais experimental de Yeezy, tanto lírica como sonicamente falando. Intrumentais arrojados de industrial rap como em “Feedback” e “Freestyle 4”, preenchidos com flows ímpares e entregas mais agressivas edespreocupadas, são exemplos disso. Em “Feedback”, Kanye descreve-se como uma mistura de Steve Jobs com Steve Austin e auto-intitula-se a “Oprah do gueto”.
As participações vocais também se destacam pela positiva. Young Thug em “Highlights”, Chris Brow em “Waves”, The Weeknd em “FML”, Ty Dolla $ign em “Real Friends” e Vic Mensa e Sia, q
ue não constavam na primeria versão do álbum, em “Wolves” têm contribuições excelentes, tornando estas canções os pontos mais altos de todo o álbum. Há também faixas que são interlúdios ou skits, como é o caso de “I Love Kanye”, um a capella em que Kanye ironiza sobre clichês atribuídos à sua personalidade.
Apesar de tudo, há certos momentos em que escutamos o velho Kanye dos tempos do Late Registration (2005), um rapper competente e um punch-liner. “30 Hours” e “No More Parties in LA”, que conta com um versos de Kendrick Lamar, ilustram bem esta dicotomia. Estes dois mundos colidem num álbum só, contraditório como o próprio Kanye West.
Tudo isto na génese de um clássico instantâneo, o já apelidado White Album de Ye.