Cultura

A REVOLUÇÃO RUSSA EM PAUTA

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No ano em que a Casa da Música consagra as obras provenientes da “Mãe Rússia”, não poderiam faltar concertos cujos programas entrelaçam a música com a revolução. É o caso do concerto de ontem, “Sinfonia para a Revolução”, que percorreu, da mais recente para a mais antiga, obras que acompanham a história soviética, desde o êxtase revolucionário e o nacionalismo até à distopia e abertura ao Ocidente.

Pouco depois das 21h, as luzes da plateia apagam-se sobre a sala cheia e expectante. Um ensemble colorido de doze elementos instala-se no centro do palco por entre aplausos e, ao sinal do maestro Pedro Neves, o primeiro violino expõe o pequeno tema recorrente de “Music for 12”, de Elena Firsova. Sob uma direção segura e de gestos largos, os músicos exibem uma extrema sensibilidade nos sucessivos momentos de tensão da peça. Destaca-se a atuação do primeiro violino, cuja expressividade, dinâmica e clareza nos agudos brilhou no seio instrumental.

Segue-se “Earthly Life”, uma cantata para soprano e ensemble que conta com a voz de Christina Daletska. A solista assemelha-se a uma elegante ninfa que, num timbre doce e hipnotizante, em que as palavras do poeta Osip Mandelstam ganham textura, leva o maestro a desbravar caminho num bosque de sonoridades místicas e melodias instáveis, mas distintas. A atuação de Christina, marcada pela sua delicadeza, arrancou merecidos aplausos, que se intensificaram quando a própria compositora subiu ao palco.

Quando a sala retomou o silêncio, deu-se o salto para a geração anterior: chegara a vez “Sinfonia de Câmara nº 2”, de Edison Denisov. Do silêncio, explode uma panóplia de sonoridades vivas, enérgicas e desorganizadas que nunca chegam a desvanecer. Por entre o caos virtuosístico, a percussão sobressai e tanto a linha condutora como a conjugação harmónica denunciam o experimentalismo que viria a caracterizar o próprio compositor. No preciso segundo em que a obra termina, e o silêncio cerrado antecede as palmas, irrompe um toque antiquado de telemóvel, que arranca alguns sorrisos dos músicos e da plateia.

Após um intervalo, a orquestra surge vestida a rigor para interpretar duas das seis danças que constituem a suite “O Parafuso”, do “cabeça de cartaz” da noite, Chostakovitch. Na direção alegre e peculiar de Vassily Sinaisky, o flautim e o fagote desenvolvem um diálogo caricatural e divertido, que precede uma massa sonora arrebatadora. Cinco minutos que passam a voar.

A noite encerrar-se-ia com a “Sinfonia nº 2”, dedicada à Revolução de Outubro. A sinfonia de um só andamento inicia-se na obscuridade, caracterizando-se pelo atonalismo denso e inerte, do qual emergem metais com surdinas incisivas. Progressivamente, o movimento torna-se mais veloz e o conflito e o tumulto sugerem o despertar de uma revolução. Já numa segunda parte, o coro levanta-se e a celebração inicia-se. Com uma linguagem estritamente tonal é entoado um texto de Alexander Bezymenski, que relata as dificuldades e a luta do proletariado até à vitória consagrada por Lenine. Um hino a “Outubro, Comuna e Lenine” de elevada intensidade e clareza expressiva, cuja esperança e alento fazem arrepiar qualquer um. A noite terminou com intermináveis louvores por parte do público, nitidamente satisfeito.

Três visões da revolução, por três gerações de compositores, que foram banidas dos palcos soviéticos e que, agora, são justamente aplaudidas por salas cheias.

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