Cultura

CAPICUA – SEREIA LOUCA

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Não é preciso ouvir mais que uma vez para perceber que Ana Matos, para além de uma mulher de armas, é dona de um enorme talento para a escrita. Nascida e criada no Porto (“tripo, sou tripeira, de ferro sou ferrenha”) onde desde cedo contactou com o mundo hip-hop, Capicua traz-nos agora o seu segundo álbum, Sereia Louca, que apenas vem confirmar o que já se tinha constatado no seu anterior homónimo: veio para ficar, continuar a encantar e a espalhar magia.

Sereia Louca, desde logo aclamado pela crítica, faz jus ao ser mitológico que o denomina. Se por um lado é doce e sensual, por outro mostra-nos a sua arma cruel, o canto que pode afundar quem se aproximar dela.

Longe vai o tempo em que o hip hop incidia sobre questões sociais. Era tido como um manifesto e servia o propósito de denunciar temas como a repressão, problemas e conflitos sociais ou até mesmo questões políticas. Capicua faz mais que isso, através de uma lírica extraordinária e de uma fluidez invejável. Para além de escrever nas letras das suas canções a sua autobiografia, revela-nos as suas angústias, os seus medos, as suas certezas e incertezas, os seus sonhos. Divaga magistral e inteligentemente sobre a efemeridade do tempo, o papel da mulher numa sociedade ainda liderada por homens, sobre a tristeza e a vontade de ir mais além. Em “Síndrome de Peter Pan”, por exemplo, expõe uma das suas maiores preocupações (“Quem é que quer crescer? Quem é que quer usar gravata? Pôr farda? Envelhecer?”), o medo de crescer, a consciência de que o tempo passa demasiado rápido para tudo aquilo que ainda pretende fazer. E não é o que sentimos todos? É assim que seduz quem a ouve, partilhando uma preocupação que é só sua e transformando-a num mal comum. Resta-nos esperar que a sereia continue a cantar.

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