Leonardo da Vinci (1452, Anchiano, Itália – 1519, Amboise, França) é reconhecido como o homem que terá tido maior diversidade e profundidade de talentos revelados em várias e tão diferentes áreas como desenho, pintura, arquitetura, urbanismo, música, cenografia, anatomia, ótica, botânica, engenharia hidráulica, engenharia militar, mecânica, física, matemática e astronomia.
Da Vinci não era o único multidisciplinar, pois era convicção que o homem renascentista era completo, quer dizer, instruído em diversas matérias, mas foi sem dúvida ele o mais marcante, o mais abrangente e o revolucionário. O seu domínio torna-se ainda mais espantoso se se tiver em conta que não teve acesso a uma educação privilegiada por ser filho ilegítimo, ficando-lhe fora de alcance as obras em Latim e no Grego Antigo, em que a maioria estavam escritas.
Observador da Natureza e do comportamento humano, o seu conhecimento baseava-se então na experiência empírica, na perceção sensorial da realidade em detrimento dos ideais teológicos ainda dominantes. Além dos estudos teóricos e da observação, realizava experiências onde testava as suas teorias para as comprovar. Considera-se este o início da ciência moderna.
A maior parte dos seus projetos não foi concretizada em seu tempo de vida, mas restam cerca de 6 mil páginas com estudos e teorias, pensamentos e projetos grandiosos, que nos permitem agora aceder à sua inteligência e imaginação e pôr à prova as suas teorias, com a materialização em protótipos das suas máquinas e sistemas de experimentação.
Leonardo da Vinci: as invenções de um génio é uma exposição lúdico-didática, facultando a compreensão do funcionamento dos mecanismos e a consciencialização da dimensão das invenções, enquanto se navega pelo imaginário de da Vinci.
A exposição tem organização de Paula Paz Dias Ferreira e curadoria de Eduardo Souto de Moura. Os bilhetes custam 9 euros mediante apresentação do cartão de estudante.
O Homem Vitruviano (instalação exterior à Alfândega) – A partir dos escritos do arquiteto romano Vitrúvio (séc. I a.C.) em que este idealizava uma lógica de medidas, proporções e cânones no corpo do Homem que seriam transpostas para a teoria base da arquitetura, da Vinci deu forma a essa figura, inserindo-a num quadrado e num círculo em simultâneo e ainda corrigiu algumas inconsistências de Vitrúvio. No topo do seu manuscrito, lê-se: Se abrires as pernas até diminuíres a tua altura em 1/14 e levantares e abrires os braços até que os dedos médios fiquem ao nível do alto da tua cabeça, então deverás saber que o centro dos membros abertos será no umbigo e que o espaço entre as pernas será um triângulo equilátero. Para os estudiosos do início de 1400 esses índices e proporções tornaram-se uma chave na explicação da estrutura de todo o universo. Esta visão que coloca o Homem como centro e medida de todas as coisas define o espírito renascentista – designado Humanismo –, e é o princípio que guia Leonardo ao longo da sua vida.
Planador – Fascinado pelo voo das aves, Leonardo procurou dar aos humanos a mesma prerrogativa, concebendo dispositivos como asas, cordas e pedais que elevariam um peso no ar e o susteriam planando. Levou a cabo estudos que contemplavam a consistência do ar, o peso, o movimento e a força, teorizando assim também sobre a gravidade. Estudou a anatomia humana e a dos pássaros aliadas à engenharia mecânica. Testou várias teorias e desenvolveu um manuscrito sobre o voo das aves.
Este planador é constituído por asas semelhantes às de um morcego: articuladas e com um corpo central onde iria aparado o piloto. O voo mecanizado foi um avanço significativo na tecnologia aérea.
Planador (pormenor de asa) – Asa semelhante à do morcego – membrana.
Parafuso aéreo – Em torno de um suporte vertical destacam-se varas em espiral ascendente sobre as quais assenta um pano criando superfície resistente semelhante à asa. No extremo baixo do eixo vertical, quatro homens fariam girar uma barra transversal, impulsionando assim o movimento giratório, exercendo força de elevação. Este movimento é semelhante ao do girar de hélices e, apesar de esta máquina nunca ter voado no tempo de Leonardo é, mesmo assim, considerada antecessora do helicóptero.
Asa-delta – A asa-delta está entre os conceitos mais originais de Leonardo no que diz respeito ao voo. Neste caso, o piloto conseguia mudar o centro de gravidade do dispositivo e controlar a sua direção ao mudar a posição do tronco. Esta invenção demonstra o seu conhecimento sobre as correntes de ar, a força do vento e de como elas se aliam permitindo a planar.
Paraquedas – Com esta estrutura piramidal de 7 metros em madeira e pano fino, um homem deveria poder saltar de uma qualquer altura sem temer magoar-se com a queda.
Higrómetro de cera – O higrómetro tem como função a medição da humidade atmosférica. De entre vários modelos, este assemelha-se a uma balança, em que num dos lados se coloca algodão e no outro uma substância não absorvente, como a cera; a humidade é absorvida pelo algodão, fazendo-o pesar e inclinando o mecanismo. Quando o ar está seco, o prumo mantém-se alinhado.
Nos seus estudos relacionados com o ar, Leonardo desenvolveu também o anemoscópio e o anemómetro.
rojetor de luz (pormenor de lente) – A ótica foi um dos primeiros campos de investigação de Leonardo. Estudou a reflexão dos raios de luz, a relação entre os objetos no espaço, desenvolvendo a perspetiva linear, os efeitos de luz e de sombra sobre os corpos, dando origem à perspetiva atmosférica, e o aumento da capacidade de acuidade do olho através de lentes e espelhos.
Este projetor funciona como uma câmara escura: dentro de uma caixa cúbica em madeira, entre uma vela e uma lente de vidro coloca-se o objeto que será projetado e aumentado por esta lente. As descobertas na ótica foram levadas à sua concretização máxima na pintura.
Mecanismo do relógio – Havia, na torre da Abadia de Chiaravalle (perto de Milão), um relógio com um sistema de pesos para mostrar os minutos, as horas e a posição do Sol e da Lua. A partir desse modelo, Leonardo aplicou molas em vez de pesos no mecanismo, permitindo que o relógio se tornasse mais pequeno. Jogando com contrapesos, molas e engrenagens, conseguiu que o mecanismo se tornasse mais preciso na indicação das horas e dos minutos.
Tambor mecânico – Tambor montado numa carroça com cinco martelos fixados dos lados e articulados a um sistema de engrenagens de modo que batam com o mover da carroça. O mais peculiar desta invenção é o facto de os martelos baterem a diferentes ritmos, de forma a soarem como muitos e não a apenas um tambor. A intenção é que, quando o tambor fosse levado para o campo de batalha, pudesse ser tocado para o inimigo o escutar de longe e ser levado a pensar que afinal os soldados eram em maior número do que esperavam.
Piano portátil –
O piano portátil ou cravinho-viola foi imaginado para ser tocado com as duas mãos. O seu mecanismo é um sistema de roldanas e um disco rotativo que movem as cordas através de um arco, produzindo um som semelhante ao de uma viola.
A conceção do instrumento musical em Leonardo aliava-se às leis da proporcionalidade. Introduziu melhorias em mais de trinta instrumentos, simplificando a sua técnica de execução ou criando novos efeitos sonoros.
Flauta dupla – Durante a Idade Média tocavam-se flautas únicas e duplas. A inovação aqui introduzida na flauta dupla inclui chaves e aberturas para os dedos, o que simplificou os instrumentos musicais da época.
“A última Ceia” – Pintura marcante de da Vinci, A Última Ceia é um mural a têmpera numa parede do refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão. É das obras de arte mais famosas, envolta em mistérios e controvérsias, desde o tema, à composição, ao retrato das personagens pelas suas feições, gestos e poses. Foi executada entre 1495 e 1497, três anos ao longo dos quais o pintor refletiu muito sobre este trabalho, mais do que passou a fazê-lo, sendo por isso reflexo do seu caráter exigente, escrupuloso, perfecionista, pensador e ensaiador. Apesar disso, a experiência de técnica pictórica que aqui fez não foi feliz, levando a pintura a grande e rápida degradação. Os sucessivos restauros danificaram-na ainda mais e alteraram o trabalho original. O último restauro, concluído em 1999, expôs o que resta da mão de Leonardo, mas as falhas são muitas, contribuindo para que as dúvidas sobre as intenções do autor se perpetuem. A reprodução desta obra encontra-se exposta sob o mesmo ponto de vista que a original, em que as linhas de perspetiva do espaço retratado estão em continuidade com o espaço real envolvente, apresentando-se como parte e prolongamento do mesmo.
“O Batismo de Cristo” – Foi com Andrea del Verrocchio, em Florença, que da Vinci se iniciou na prática artística, como aprendiz do mestre. Depois de ter terminado o seu período de aprendizagem continuou a trabalhar com Verrocchio, tendo colaborado em O Batismo de Cristo, pintando a cara do anjo à extrema esquerda. As suas feições são suaves e realistas, adquirindo uma expressão própria e distinta das restantes personagens. A mestria que esta figura apresenta foi conseguida com a pintura a óleo, que permite a aplicação de tinta em camadas finas e transparentes que vão construindo a forma lenta e sucessivamente, conferindo-lhe maior consistência e permitindo um mais rico trabalho de matizes e efeitos luminosos. Conta-nos o historiador de arte Giorgio Vasari que quando Verrocchio viu esta figura a considerou melhor que qualquer uma sua e como consequência terá deixado de pintar. Este episódio, em que o discípulo ultrapassa o seu mestre é uma marca na vida e no talento de Leonardo e o ponto de partida para a observância de uma excelência técnica, autonomia de pensamento e capacidade singular de retratar pessoas e cenas com tom dramático e realista.
À esquerda: “A Virgem, o Menino, Santa Ana e São João Batista”; à direita: “A Virgem e o Menino com Santa Ana” – A imagem da esquerda apresenta um estudo para a pintura à direita, A Virgem e o Menino com Santa Ana. A comparação entre ambas as imagens permite inferir o sentido em que Leonardo trabalhava, como orientava o seu pensamento. Assim, no estudo as figuras são quatro, com São João Batista aludindo ao batismo de Cristo; Maria e Ana que estão à mesma altura, quase lado a lado; e Jesus ao colo de Maria. O grupo cria um grande corpo maciço numa composição estática e quase não dando destaque a nenhuma das duas figuras femininas. Na pintura, versão final, as figuras estão reduzidas a três: São João foi substituído pelo cordeiro, símbolo da Paixão; as figuras encontram-se dispostas em pirâmide, com Santa Ana atrás, olhando delicadamente para sua filha, Maria, que surge curvada, segurando seu filho, Jesus, que por sua vez segura o cordeiro. A ligação entre eles é uma cadeia em elo, cujas formas em diagonal e arqueadas conferem grande dinamismo. Este modo compositivo dinâmico é inovador para a época e foi utilizado por tantos outros pintores, entre eles Rafael e Miguel Ângelo. De notar também a técnica do sfumato, outra invenção revolucionária de Leonardo, que foi aqui levada à perfeição.
Uma interpretação para esta representação é o encontro das três gerações.
“Mona Lisa” – Pintura mais destacada de Leonardo da Vinci e obra-prima da arte, também das mais admiradas pelo público, deve em parte a sua fama às questões levantadas no que diz respeito à identificação da retratada e ao significado da pintura; por outro lado, foi uma tentativa de roubo do Museu do Louvre que a tornou na obra mais falada e visitada de sempre. Várias inovações pictóricas podem nela ser observadas: a composição piramidal, a perspetiva atmosférica, o claro-escuro e o sfumato, todas elas revolucionárias e características de Leonardo, resultados dos seus estudos de ótica. Foi através destes efeitos técnicos que conseguiu o enigmático sorriso, envolto em densidade e ambiência, uma construção da forma para além do seu próprio corpo sólido, conferindo-lhe uma tal intensidade expressiva que faz multiplicar estudos e teorias na tentativa de o interpretar.
Carro à manivela – Este modelo automóvel demonstra como se transmite movimento ao eixo de um carro: ao girar a manivela, as engrenagens de uma roda encaixam-se nas da outra, fazendo-a girar. As rodas movem-se a velocidades distintas, funcionando como o diferencial de uma automóvel moderno.
Carro autoimpulsionado (detalhe de engrenagem) – Leonardo da Vinci concebeu um carro para ser usado em espetáculos que era capaz de se mover sozinho, não necessitava de condutor. Anda e trava, em linha reta e curva, e as rodas traseiras deslocam-se de forma independente. Este tipo de carro é o primeiro do seu género.
Cidade Ideal –
O Renascimento preferiu um plano urbanístico reto e organizado funcionalmente, ao contrário do sinuoso medieval. Vários artistas se propuseram a criar essa nova cidade, perfeita. O modelo concebido por da Vinci constituía-se em dois níveis: o superior para as casas dos Senhores e circulação de pessoas e o inferior para a localização de lojas e armazéns e circulação de veículos; canais subterrâneos serviam para escoar a imundice. A articulação entre as diferentes partes era feita através de pontes e aquedutos. Portas e escadas serviam para facilitar o movimento dentro das edificações. Leonardo mostrou compreender bem o organicismo arquitetónico.
Esta era uma solução apresentada ao problema da falta de condições sanitárias típica das urbes, que abundavam em lixo e tinham indústrias próximo das habitações a libertar águas sujas, maus cheiros e fumos. O contacto com elas causava doenças e epidemias.
Os mesmos princípios enunciados pelo homem vitruviano são aqui usados.
Estudos anatómicos-
Para Leonardo, a máquina mais maravilhosa era o corpo humano. Os seus estudos do corpo eram apoiados na observação direta sobre cadáveres dissecados. Procurava entender a composição e o funcionamento da estrutura do corpo e do organismo através do desenho. O desenho entendido como “uma coisa mental”, assumiu grande importância como ferramenta de investigação e de pensamento, até hoje utilizada com o mesmo propósito. Os desenhos são de tal qualidade de traço, beleza e minúcia que se tornaram em material artístico.
Estudou não só a estrutura e o movimento, ou o funcionamento dos órgãos, como também de onde vêm as lágrimas e os espirros, de onde vem a doença, e até os estados emocionais como a ira, o desejo, a loucura ou a fome. Leonardo desenvolveu a anatomia como um ramo de investigação autónomo, de tal ordem que os seus desenhos permaneceram sem rival até ao fim do século XVIII e marcam o início da ilustração anatómica moderna.
Estudos anatómicos –
A maioria dos desenhos é de estudo científico e não de base de conceção da obra pictórica, embora o estudo anatómico tenha partido dessa intenção. O domínio que alcançou da figura humana é claro nas pinturas, onde as figuras são dotadas de maior realismo e naturalidade, através da proporção, da articulação do movimento, da densidade corpórea e da expressão facial.
Transformação do movimento rotativo –
Mecânica e Física foram outras duas áreas de estudo e experimentação. Força, movimento, alavancas, roldanas, rodas e engrenagens constituíam um espólio tecnológico essencial à evolução mas, mais do que conceber uma máquina funcional, importava a Leonardo compreender os princípios do seu funcionamento. Assim, estudava primeiro as partes individualmente, como o que provocava a rotação, a travagem, o que impulsionava o movimento, como funcionavam o parafuso, a roldana, etc. Os resultados e as aplicações foram múltiplas, com grande utilidade para as indústrias da época, como a têxtil. Para a agricultura, foi importante este mecanismo de transformação do movimento circular em linear. Usando uma manivela para fazer rodar a roda, uma barra horizontal agregada mexe-se para a frente e para trás em linha reta, iniciando um novo movimento retilíneo. Do mesmo mecanismo consiste o macaco de elevação.
Elevação múltipla –
Leonardo é apontado como sendo um dos primeiros a perceber a regra da fricção corrediça em mecanismos. Para levantar muito peso, é mais seguro distribuir igualmente a carga ao longo de uma série de pontos através de um sistema de roldanas e contrapesos, de modo a prevenir uma tensão excessiva em qualquer parte da grua. Além disso, a roldana permite diminuir o peso levantado.
Leão mecânico – O leão mecânico foi a invenção que mais impressionou os seus contemporâneos. Ele foi de facto construído em Florença em 1515 e enviado para Lyon para o cortejo de receção ao recém-coroado Rei de França, Francisco I: …ele deslocou-se do lugar onde se encontrava no átrio e, entretanto, começou a abrandar; no momento em que se imobilizou completamente, o seu peito abriu-se, mostrando estar repleto de lírios e outras flores – assim foi descrita a participação do leão no cortejo, como uma criatura viva. Uma verdadeira proeza renascentista.
Fato de mergulho – Leonardo idealizou diversos mecanismos que poderiam ser usados para respirar debaixo de água, como este fato. É em couro, e constituído por peças como as da roupa: casaco, calças e uma máscara. Tubos de cana revestidos por anéis de couro e aço ligavam-se ao nariz e até a uma boia que flutuava, de forma a fornecer oxigénio. Hoje, o semelhante a este fato é o escafandro.
Palma para natação – À semelhança de asas para o voo, uma palma para a água também com nervos de madeira a simular a estrutura óssea de uma ave aquática. Agora, pode também o Homem mover-se com agilidade em meio aquático.
Arma tipo leque –
Variante de arma com os canos dispostos em leque, possibilitando vários disparos. Devido ao seu tamanho e peso não podia ser transportada.
Os dotes de Leonardo foram reconhecidos em seu tempo de vida., tendo trabalhado como engenheiro militar para Ludovico Sforza, Duque de Milão, de 1482 a 1500, e para César Bórgia, entre 1502 e 1503. Construiu canhões, pontes móveis, escadas de assalto, armas de fogo, fortificações, uma catapulta e um tanque. Os seus desenhos são tão precisos, que é fácil hoje construir as máquinas, mesmo as que na altura não fossem realizáveis devido à falta de meios na época.
Tanque blindado –
O tanque blindado teria uma extraordinária capacidade de assustar o inimigo apenas pela sua estranha forma, grande tamanho e parecer mover-se sozinho. Era lento mas eficaz, presume-se. Era capaz de se deslocar em qualquer direção graças ao seu sistema de rodas engrenadas e era equipado com armas em seu torno, podendo atacar em todas as direções.