Cultura
FEZ-SE JUSTIÇA NO NOS PRIMAVERA SOUND
As honras de abrir o cartaz da 6ª edição do NOS Primavera Sound couberam a Samuel Úria, que mostrou merecê-las. Começou a atuação a hora pontual; 17h marcavam os ponteiros do relógio. Num palco recheado de quadrados ilustrativos da sua imagem, de álbuns e singles, o músico de Tondela, sempre com um espírito de humor em palco, ia apresentado a banda nos intervalos das suas músicas, conhecidas por grande parte de quem lá estava – “apresentar a banda faz parte da etiqueta. Vem nos livros!”, brinca. Num concerto onde se viajou pelos álbuns do cantautor de Tondela, cantou-se Lenço Enxuto, “a canção mais nortenha”, (esperava-se Manel Cruz, mas não chegou a aparecer), Carga de Ombro, Não arrastes o meu caixão, terminando a entoar que nunca fora do pop rock. Feliz por ali estar, Samuel Úria e seus acompanhantes introduziram energias ao público que ia chegando ao festival.
Depois do português, coube aos Cigarettes After Sex abrirem o palco NOS. Todos vestidos de preto, em frente a uma tela que passava imagens nostálgicas a preto e branco, num palco entre ecrãs que mostravam imagens do concerto sob efeito de filtro a preto e branco, a banda minimalista (dir-se-ia que numa simples carrinha cabe todo o seu material), dona de uma suavidade enquanto toca, criou uma atmosfera de pop sonhador e romântico sobre um relvado; viam-se pessoas a fumar, a abraçar, a beijar ou simplesmente a ver o único concerto àquela hora.
Ainda com um céu cinzento com raras aberturas de luz, os festivaleiros deram uns passos mais ao lado, dirigindo-se para o Palco Super Bock, a fim de ver e ouvir o Rodrigo Leão & Scott Matthew. De um lado, o músico português; de outro, o músico australiano. Visitando o álbum que os uniu, esta dupla, por alguns considerada estranha, harmonizou o público que assistia.
Minutos depois, outra vez no palco ao lado, Miguel começava a dançar nos seus ritmos de funk. “O príncipe de R&B”, com ecos do Prince, cantava em falcetes e numa voz límpida para uma plateia rendida aos poderes deste senhor de “Los Angeles, California”, como não se cansou de dizer. O céu a parecer algodão, que escondia frações do Sol a pôr-se, iluminava metade da plateia que dançava e fazia dançar, perante um Miguel com um sorriso do tamanho do palco, em frente a um ecrã cheio de cores estelares. “Show love and receive love” foi uma das mensagens deste que, tal como o nome, se sentiu português.
Com o dia a confundir-se com a noite, os Arab Strap entraram no palco ao lado. Entre gentes que os queriam ver e outras tantas que decidiram parar para comer, o recinto do festival cumprimentava-se de pessoas que apenas ali queriam estar. Os escoceses, a substituir a banda californiana Grandaddy, cujo baixista faleceu há cerca de um mês, reuniram-se no ano passado para voltarem a pisar os palcos. Com toques de eletrónica, foi um concerto em que não houve “chama imensa”, talvez pelos nomes que se seguiriam.
Run the Jewels, após o Palco NOS estar em frente a uma multidão, abriram o concerto com We Are The Champions, tema imortal dos Queen. Via-se muitas mãos no ar, formando um tecido que acompanhava as letras destes norte-americanos. Killer Mike e El-P, sempre envoltos em luzes vermelha e debaixo dos balões representativos do seu símbolo, agrediam um hip-hop inflexível, frenético e desbocado no discurso político. Num dos momentos com o público, entre os discursos que houve, afirmaram gostar imenso do Porto e da plateia, convidando até a plateia a ir fumar erva para o telhado do seu hotel, todos juntos, depois de toda a energia que foi este concerto em que se ouviu Blockbuster Night, Legend Has It, A Report to the Shareholders, Close Your Eyes, com tempo para um encore. Venha o próximo.
Sem tempo de ir à casa de banho ou buscar uma cerveja, Flying Lotus começava instantes depois no palco lateral. Muitos o queriam ver, não fosse a atuação de ontem a sua estreia em Portugal, levando uma multidão para o meio das árvores que rodeiam o palco secundário. Steven Ellison, o homem por detrás de Flying Lotus, apresentou-se com “uns novos beats e tal”, num grafismo exemplar que agradou fãs e quem apenas queria dançar. Com as suas batidas fez subir a temperatura de quem estava presente, enquanto outros tantos esperavam no palco ao lado pelos franceses Justice. É bonito sentir o que a solidão de um só homem em palco pode fazer.
Terminado Flying Lotus, todos se moveram para ver Justice. E a verdade é que quando o duo francês entrou em palco e começou a debitar os seus ritmos eletrónicos que lembram os anos 80, poucos eram os que estavam sentados. O relvado do Parque da Cidade transformou-se numa pista de dança sem limites. Copos no ar, cabeças a abanar, pés a não quererem tocar nunca o chão. O espetáculo luminoso que foi, literalmente, um espetáculo, enchia e preenchia a música dançante que se ouvia com todo o corpo. Atrás de Justice, a sua cruz, a sua justiça.
Poder-se-ia dizer que se podia morrer agora, morrer feliz, mas ainda há mais festival. Que o relógio ande rápido, que hoje é dia de decisões e de First Breath After Coma, Pond, Whitney, Bon Iver, King Gizzard & The Wizard Lizard e muito mais.