Cultura

A MÚSICA PORTUGUESA EM FESTA NO NORDESTE

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Está uma noite quente em Vila Real. Para os que chegam, no carro marcam 30 graus. Já dentro do recinto, muitos esperam por Dead Combo, no palco Teatro – um anfiteatro ao relento-, enquanto outros passeiam pelo recinto à descoberta. Há pessoas de todas as idades e de vários locais fora Vila Real. Enquanto esperam, as crianças arranjam outro entretenimento, mas sempre perto dos seus pais.

Entretanto, ao fundo do palco surge “Café Lisboa”. Espera-se um pouco dos ares do Sul que os Dead Combo ficaram de trazer. E não é que o palco se tornou mesmo um café, com mesas, pessoas, talvez casais ou amigos, sentados à espera que o empregado chegasse para os atender. E sim havia empregado. E um bar também.

A luz reduz-se aos candeeiros colocados em cima de cada mesa. Recuamos até à década de 20/30, mas para alguns com um tom mais melancólico. Um contrabaixo e várias guitarras estão pousados, criando um círculo à volta dos bancos onde Tó Trips e Pedro Gonçalves se vão sentar. Os protagonistas ainda não entraram em palco, mas já há a recreação de um momento, um cenário e um ambiente.

Todos pensam em café concerto, quase como se cada um tivesse também a sua mesa e os seus pedidos. O Tó e o Pedro chegam finalmente. Pegam nos seus instrumentos e voltam-se um para o outro. A partir do momento em que se sentam, os seus corpos tornam-se leves à força e grandeza dos seus instrumentos e musicalidade. Atrás deles, as pessoas vão continuando os pedidos: mais uma bebida, por favor. E o empregado passeia entre as mesas.

Do lado do público, se houvesse copos e pratos, com certeza teriam parado a sua refeição para aproveitar o momento de paixão musical. As escadas estão completamente ocupadas, os que chegam atrasados sentam-se no chão, talvez por quererem estar mais próximo das bandas.

Tó Trips parece um ilusionista, e não que isto acarrete algum tipo de conceito negativo, com o seu fato feito à medida e o seu chapéu de quem lá guarda coelhos. Mas não é aí que reside a sua magia, mas sim no seu tocar de guitarra. Consegue captar o olhar e prendê-lo ao mais pequeno pormenor.

Esse olhar que era só teu marca o início. O som está clean, ouve-se com perfeição cada acorde e bater na guitarra. Até o bater do pé do Tó Trips que começa no palco e ecoa por todo aquele raio. Já Pedro Gonçalves abandona o seu lugar por uns minutos e dirige-se até ao bar. Pega num kazoo, infiltra-se no meio dos que estão nas mesas e começa a tocar, acompanhando o seu colega.

Há conversa de fundo, mas isso não deixa de penetrar o olhar de curiosidade do público na banda. Sinal disso são o abanar a cabeça e o bater do pé ao ritmo.

As Cordas da Má Fama são 3 músicos que, eventualmente, se juntaram aos Dead Combo. Entretanto, mais pessoas vão chegando e estendem toalhas no chão para ficar mais perto do palco. Dos lados há quem ocupe o espaço relvado que está disponível. A interação com o público não é, com certeza, das prioridades de Dead Combo.

Tó Trips curvava-se sempre, para conseguir chegar ao microfone colocado mais abaixo e ao seu lado, e dava um obrigado. É caracterizador. Mas este pormenor acaba por ser um pormenor, pois o contexto musical é diferente. Não há necessidade de haver muita palavra e diálogo. A interação está no corpos deles enquanto tocam.

Tó Trips acende o cigarro ao som de Povo que cais descalço e diz “está fresquinho aqui”. O público ri. Pedro junta-se ao seu amigo e deixam-se ficar no bar enquanto entregam o público de Vila Real aos 3 músicos. Toda o cenário e o movimento em palco lembra-nos um teatro musical, apenas não há falas.

Dead Combo terminam com Eletrica Cadente e Lisboa Mulata. Agradecem a todos, ao público e organização e pedem que o festival continue por muitos anos. Pois, também nós.

“O melhor da música portuguesa está aqui”, a frase que se vê e que se lê por todo o lado numa pequena placa, relembra porque cada um veio ao Rock Nordeste. E porque é de música que se falava, o concerto de Capicua logo começou. Agora no palco Parque, um anfiteatro natural. Os amigos que estavam em Dead Combo encontram os que agora chegaram para Capicua. Entre abraços e risos, vizinhos que se reencontram, Capicua chega a Vila Real e recebe todos de braços no ar.

É, de certo, um festival muito querido para Ana Matos Fernandes que diz estar “muito feliz por cá estar”. Relembra, também, que cada vez o festival tem mais gente e di-lo com um sorriso de ponta a ponta.

Alguns rendem-se à relva e continuam sentados, outros levantam-se e começam lentamente a dançar. Já passa da meia noite e o recinto continua a encher, mas também são cada vez mais aqueles que se sentam e preferem ver o concerto da relva.

Meia hora depois do concerto ter começado, Capicua já tinha percorrido uns bons quilómetros em palco. De um lado para o outro, o pedido era sempre o mesmo: “Mais barulho para vocês, Vila Real”. Fora os gostos, a energia de Capicua é inquestionável e estar sentada não era o plano dela. Todos esperavam pela Vayorken que acabou por chegar e encerrar o segundo momento do primeiro dia do Rock Nordeste. Aí, ninguém resistiu: esqueceram a relva por uns momentos e levantaram-se. Mais próximo do palco, vemos, finalmente, danças entre amigos que cantam a letra entre si de uma forma divertida.

Antes de Sensible Soccers, o público vem reabastecer energia junto às barracas de comida. Alguns já se despedem do primeiro dia rumo às suas casas. Uns regressam amanhã, outros deixam um “até para o ano”. Mas os Sensible Soccers não deixaram de ter casa cheia. A banda consegue despertar o gosto da dança logo na primeira música. Vemos um público diferente, mais jovem que, pela primeira vez na noite, está “colado” às grades. Começa agora uma grande viagem instrumental e ao instrumental.

Acendem-se cigarros, há conversas paralelas mas tudo concentra-se no palco. Há problemas técnicos, mas isso não pareceu afetar a performance da banda que continua a levar a todos na sua nave pseudo-espacial que, de vez em quando, dá uma volta e vira-se ao “dançável”. Exemplo disso, são as quatro amigas que, algumas até de costas para o palco, dançam de olhos fechados de modo libertador.

Os Sensible Soccers assumiram, assim, na base do instrumental, várias expressões de cada instrumento. Desde o palco aos que ficam atrás nos muros, sentados. Mas que o público de Vila Real é resistente, isso é.

A noite terminou com a atuação de Dj Marfox. O segundo dia do Rock Nordeste contou com Samuel Úria, The Legendary Tigerman, Mão Morta, Márcia, Slow J e Beatbombers.

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