Cultura

A HISTÓRIA DO SEGUNDO DIA DO ROCK NORDESTE

Published

on

 

Esta é a história do Tiago no segundo dia do Rock Nordeste. Tiago, estudante, que terminou o seu ano escolar com sucesso, decidiu abandonar as terras quentes do interior para ir ouvir música numa cidade igualmente quente do norte. Os termómetros estavam muito elevados, acima dos trinta graus, e no ar não corria aragem, apenas o sentimento de calor e vontade de despir. Após uma noite em que ouviu Dead Combo, Capicua, Sensible Soccers e DJ Marfox, voltou ao Parque do Corgo, em Vila Real, para levar com outra dose de música portuguesa. Passada a tarde no Rio com o mesmo nome do Parque, o Tiago sentou-se na relva a ouvir Márcia.

Descalço, sobre uma manta na relva, deliciava-se com a voz e a figura da cantora portuguesa dona de três álbuns e um EP e múltiplas colaborações. Artesã de canções, Márcia embalava o público que a ouvia num início de final de tarde abrasador, seco, num céu denso. Acompanhada pelo guitarrista e marido, revisitava as suas canções de uma forma doce e genuína, como tem habituado as pessoas. O Tiago bem gostava de estar ali tranquilo. Fora o calor abrasador que sentia, tudo estava em harmonia.

Um dos momentos mais bonitos para o Tiago chegou quando Márcia chamou outros músicos para tocar consigo a última música; também na última música que a meio entrou Samuel Úria, cantautor seguinte no cartaz; músicos esses que eram os do Úria. Já no palco, o músico de Tondela por ali ficou, acompanhado pelos seus muchachos, para chamar o teclista Silvas Ferreira – que Tiago descobriu mais tarde ser um excelente tocador de castanholas – e assim abrir com “Dou-me Corda”. Passou pelas canções que compõem os seus álbuns, mais vincado nas mais conhecidas por Tiago e outra gente, dando boas “malhas” e bom uso à sua língua. Tiago sentiu poesia a ser cantada em Eu Seguro, música do Samuel e da Márcia. Claro que esta foi chamada a palco. Findada a música, ele pediu para ela ficar; assim foi. Ia dançando em redor dos músicos que o acompanhavam. Em “É Preciso Que Eu Diminua”, as pessoas começaram a levantar-se e a dirigir-se para a frente do palco para mexer a anca, a cabeça, as pernas, o que quisessem. O Tiago rendeu-se e também lá foi. No fim, com tempo para duas músicas de encore, sentiu que foi um momento bonito da música portuguesa por estes dois “amantes”.

Passados alguns minutos depois das 20h, o calor ainda o afetava e o céu não parecia querer mudar. Uma cerveja sabe sempre bem aqui e ali, que foi um belo pretexto para abrir o apetite para o jantar. Com o shopping ao lado do Parque do Corgo e com uma pequena e simples zona de restauração dentro do recinto, as opções não escasseavam. Mais uma cerveja para o corpo, um bocadinho mais fresquinho, um apetite maior. Não importa revelar aqui o prato que acompanhou o vinho tinto do jantar. Importa sim dizer que as palavras que Tó Trips dissera no dia anterior se mantinham na cabeça dele.

Importa também escrever que às 22h 30, já noite, mas quente, os Mão Morta começavam no Palco Teatro. A banda começou com uma série de acordes longos e prolongados, determinados pelo maestro Adolfo Luxúria Canibal, que depois anunciou que era um concerto especial, por ser o primeiro da digressão adjacente aos 25 anos do Mutantes S.21. Viajando pelas cidades e histórias que o compõe, o Tiago via naquele senhor um excelente contador de histórias. Pode não ter dotes vocais de Robert Plant, mas é mestre em criar nos outros imagens a partir das palavras. Com histórias criadas naquelas cidades, de amor, morte, grito, Mão Morta tocavam melodias densas. Acabaram a revisitação com Lisboa (Por Entre as Sombras e o Lixo). Depois disso, tempo houve para mais umas malhas de encore. O Tiago viu uma banda de veteranos do rock, uma banda que o vocalista, algures nos anos 80 cortara a perna com uma faca no concerto ao vivo. Longe disso no tempo, agora mais calmos em palco, mas com a mesma vivacidade.

Pouco tempo teve o Tiago de ir pedir uma cerveja entre Mão Morta e o que viria a seguir. The Legendary Tigerman começava pouco depois e ele não queria ficar na parte de trás. A abrir surgia o seu superior, Paulo Furtado, vendo-se só a sua sombra projetada pelos focos de luz atrás de si, tocava um blues daqueles americanos. Depois vinha o grande João Cabrita no saxofone e Paulo Segadães na bateria. Agora veio o rock e o resto ficou nos corpos do público. Com uma música nova do álbum que sairá em setembro, foi um concerto em que se dançou e curtiu ao longo dos seus discos. Tiago, fã de Tigerman, na sua estava, enquanto algumas pessoas começavam ao mosh nas músicas que não o pediam, achava ele. Miúdos descontrolados e com sede de pular acharam aquilo um pretexto para tal. O Tiago, que apenas queria ver o tigre rugir e batalhar com o saxofone de Cabrita, manteve-se no seu estado, abstraindo-se do cenário. Twenty First Century Rock ‘n’ Roll veio e muita energia trouxe. Paulo berrava no microfone e Tiago e os restantes respondiam. Para terminar, num encore, The Legendary Tigerman tocava True Love Will Find You In The End, cover seu do Daniel Johnston, figura peculiar da música. Foi-se embora aconselhando a amar e ser amado, que algum dia teríamos o nosso.

Tiago quis descansar depois disto, e nada melhor que uma cerveja, achou ele. A seguir seguiu o que mais se esperava, Slow J. Não era o que ele mais queria ver, mas claramente que não ia deixar de. Abriu com Arte, num ritmo energético que colocou tudo a saltar. Depois ia abrandando, fazendo jus ao seu último aclamado álbum, The Art Of Slowing Down. A verdade é que o jovem, mesmo em ritmos calmos, declamava as suas letras e o público ia cantando com toda a força, mostrando que estava preparado para aquela dose. O Tiago, sentado lá atrás, impossível de não mexer o corpo, rendeu-se àquele jovem que estava igualmente rendido à plateia que se apresentava perante os seus olhos.

Depois desta introspeção, Beatbombers, formado por DJ Ride e Stereossauro, foram bombear o Parque do Corgo, com as suas misturas, originais ou de músicas já conhecidas. O som estava alto e tremia pelo corpo. As luzes estavam fortes e magoavam o olhar. Um analgésico suficiente para querer ir descansar.

Chegou ao fim mais um Rock Nordeste. Ficou a sensação de dever bem feito e de que a música portuguesa está viva e recomenda-se. Aplaude-se Vila Real e a organização. Aplaude-se também os músicos que nos dão arte. Após isto, vai-se embora, desejando a próxima edição. Pelo Tiago, está lá para o ano.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version