Cultura
O AUTO DA PONTE DA BARCA, CELTA
A um passo dos nossos vizinhos espanhóis, a paisagem de Ponte da Barca já é, por si só, quase que suficiente para nos transportar para o místico passado Celta, com a sua vista para o Rio Lima – de se ficar a olhar e a sorrir por mais. Nada que um bom passeio não resolva, e nada como uma vila repleta de curiosos recantos para dar corda aos sapatos.
O parque de campismo, perdido no caminho para Lindoso, em Entre Ambos-os-Rios, está bem afastado do recinto do festival, sendo a única forma de chegar de um lado ao outro, na ausência de veículo próprio, um autocarro com apenas um horário de partida, às 20h30, e um de regresso, à 1h50. (Ora, quem o perder pode optar por, no puro espírito Celta, pernoitar num jardinzinho das praças da vila ou fazer uma peregrinação de volta à tenda.)
Porém, no longínquo acampamento percebemos que a distância ao centro das actividades festivas não tem só desvantagens. Adormecer com o brilho de um céu recheado de constelações e acordar ao lado do majestoso rio Lima tem todo o seu encanto (e é convite a um dia pleno de preguiça que o leitor nem calcula). Um feliz acaso levou-nos de encontro do Luís, exímio metedor de conversa, que com a sua prancha de paddle e a sua simpatia nos mostrou alguns recantos mais escondidos do paradisíaco Parque da Peneda-Gerês.
O cativado, mas pequeno público do primeiro dia, foi crescendo para uma entusiasmada e saltitante massa humana com o passar dos dias. Os ritmos Folk contagiantes encheram essa calorosa gente de uma enorme vontade de dançar, uns com a concentração e firmeza de quem sabe o que faz, outros, mais trangalhadanças, com o descompromisso e alegria de quem não sabe mas pouco preocupado está com isso.
Abre-se o festival, uma hora mais cedo do que o esperado, com os The Oafs, a que se seguem os“Keltia, o Musical”, um espetáculo que dá vida à lenda da origem da cultura Celta – portanto, um cenário mitológico, bons momentos de música de raiz Celta (com uma pitada de dramatismo e vocalizos a la Festival da Canção) e um fio condutor do qual um espectador facilmente se perde ao longo duas horas de narrativa, mas sem ressentimentos.
Os Porto-Riquenhos Peregrino Gris colmataram a noite com um Folk bem-disposto que varreu a timidez da assistência, tendo sido poucos aqueles que não arriscam uns passinhos célticos.
Voltando ao recinto para um segundo dia, começámos por ouvir o Quique Escamilla, directo do México, trazendo histórias do outro lado do Atlântico, com a sua guitarra de ritmo a puxar para o Reggae e a voz meio áspera defendendo a liberdade. Os fardos de palha espalhados foram sendo, progressivamente ocupados e o festival lá foi ficando cada vez mais compostinho.
Não há tempos mortos, pois os dois palcos, lado-a-lado, estão (idealmente) sempre a funcionar em alternância. Xabier Díaz & Adufeiras de Salitre encantaram com os instrumentos, a alegria e as fortes vozes femininas tão tradicionais de Portugal e da vizinha Galiza. Terminam o concerto com um concurso de dança Paso Doble. Ganha o prémio uma família de três (sim, perdemos; mas não nos despeçam do jornal, por favor!), culpa das crianças. Seguiu-se a Chulada da Ponte Velha, um grupo tipicamente português que nos ensina a dançar (ou a tentar dançar) umas “chulas”.
Entre pisadelas, bailarinos perdidos e balanços desequilibrados, a brincadeira e alegria reinam com a sorridente Lígia Milheiro a lançar os passos. Desconstruindo os ritmos tradicionais reconhecidos e transmitindo-os de uma nova e fresca perspectiva, os Diabo a Sete marcam a noite de forma suis generis.
Depois foi a vez do projecto Enraizarte, uma arrojada mistura entre a música popular e umas guitarradas a puxar para o Rock, cuja energia infinita dos elementos em palco animou a fiel audiência. No último concerto, os Kalakan, com as potentes harmonias vocais e as mensagens agitadoras, encheram a alma dos presentes juntamente com Luís Peixoto, munido do seu cavaquinho agilmente dedilhado, dando um toque bem português à música dos bascos.
Os concertos do último dia arrancaram com uma boa hora de atraso, começando pelos Les Saint Armand, que apresentam uma sonoridade deveras fresca e nacional, com letras românticas, harmonias delicadas e a sensação de quem rodopia num alegre carrossel. Os tão aguardados Rura, inundaram o recinto com o encanto pitoresco da música tradicional escocesa.
Ouvimos ainda os Virandeira, uma nova tentativa, desta vez vinda de terras galegas, de “arrockalhar” o folclore Celta, com uns riffs rasgados e um gaiteiro bem pacato e sorridente. Os The Town Bar chegaram com um espírito de palco contagiante, uma harmónica a evocar o Country e uma trompete que levou os pés do público a dançar de leve um divertido Twist.
Fecharam o cartaz em grande, e sem necessidade de grandes apresentações, os Kumpania Algazarra. Como de costume, fizeram questão de garantir que ninguém poderia permanecer calmo. Com o açambarcador espírito da música balcânica, levaram os braços da malta ao ar e instalaram uma caótica reviravolta de passos e contra-passos. Juntou-se à “Algazarra” Marcelo Almeida (Enraizarte), e a sua sonante gaita-de-foles deu um toque Celta à já louca e eclética confusão.
Não nos ocorre melhor desculpa para uma excelente aventura por terras minhotas do que este Festival Folk Celta. com Rita Viola
Correcção: Os Kalakan são bascos, não galegos, como antes tinha sido escrito. The Oafs actuaram, sim, mas num horário diferente do inicialmente agendado.
Marta Barbero
03/08/2017 at 18:43
Os kalakan não são galegos…. são bascos…
Ana Rocha
04/08/2017 at 12:36
Uma pequena correcção, os The Oafs actuaram sim, foram até eles a abrir o festival e não “Keltia, o musical” como descrito…