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THROES + THE SHINE DISSERAM E CUMPRIRAM: “HOJE É FESTA”

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Para os campistas, a manhã inicia-se com o calor a forçar a saída da tenda e com as longas filas para os chuveiros de água fria, ao ar livre. Nenhuma destas duas condições parece afetar a boa disposição dos festivaleiros, que conversam, tocam guitarra, cantam, e riem-se dos banhos frios. Pessoas de todas as idades partilham o espaço de campismo do festival, que se localiza a cerca de dez minutos a pé do recinto.

A vida é lenta em Cem Soldos. O sol e o calor conferem uma moleza a quem a visita e o ambiente tranquilo e descontraído parece satisfazer as ambições dos participantes.

As famílias aproveitam a manhã para assistir à Música Para Crianças, no Armazém. Alguns regressam ao campismo para preparar o almoço, outros preferem comer algo pelo recinto, nos vários pontos de restauração existentes, e aproveitar os concertos do início da tarde. Sonoramente, a manhã no recinto é ocupada pelos soundchecks de quem atua num dos palcos da Aldeia, mais tarde.

Entre concertos, os visitantes podem aproveitar as atividades que a aldeia oferece (e a diversão é garantida). No largo principal estão os Jogos do Hélder, um conjunto de diferentes jogos artesanais, que entretêm todas as idades e são uma novidade deste ano. Consta na aldeia que o Hélder, o criador, faz disto um passatempo, e que produz também jogos que estimulam a capacidade motora dos mais velhos, quando não está em Cem Soldos.

Numa rua perpendicular à do palco Garagem, uma pequena feira de artesanato aguarda os visitantes e compradores. Na feira de Marroquinarias, presente no Bons Sons desde a primeira edição, vendem-se livros usados, vestuário, bijuteria feita a partir de CDs estragados, cadernos personalizados, instrumentos artesanais, e há até espaço para leituras do futuro.

Um último posto na feira pertence à Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), que regressa ao Bons Sons depois do último ano, e aborda a sexualidade. Os estudantes oferecem preservativos aos participantes e ensinam-lhes a sua correta colocação, servindo-se de moldes, respondem às questões de quem visita, desmitificam alguns mitos e alertam para as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).

Neste segundo dia de festival, o fim de tarde ficou a cargo dos Les Saint Armand, que ocuparam o palco Tarde ao Sol, pelas 18h. Com Erro Belo cativam a audiência que já esperava por eles. A banda portuense, que celebra dez anos, agradece a participação no Bons Sons, “um magnífico festival”. O single , do EP com o mesmo nome, é reconhecido pelo público mal soam as primeiras notas. A música, leve e descontraída com letra onomatopeica, traz sorrisos ao rosto da audiência.

Terminada, Tiago Correia, que toca guitarra e canta, ergue a caneca de metal com o logótipo do Bons Sons. “À vossa”, diz, antes de beber um gole e começar Impaciência. Em Rainha incentivam o público a cantar o refrão, servindo-se das folhas com a letra da música, previamente distribuídas. A plateia adere e as vozes unem-se às de Tiago, António Parra e André Júlio. Segue-se  Flor.

“Ensinamos a letra para a próxima. Não tínhamos dinheiro para imprimir as folhas”. O público ri e movimenta-se com o som. A próxima música não estava nos planos da banda. A marcar presença em Cem Soldos desde quinta-feira, a convivência com os festivaleiros obrigou os Les Saint Armand a alterar a setlist, a pedido do público. Surge assim Matilha.

Tiago apresenta os colegas, antes de Truque: Aníbal Beirão, no contrabaixo, Alex Rodriguez-Lázaro, na bateria, André, na voz e guitarra e António, “em tudo o que é brinquedo”. O concerto parece terminado, mas uma rápida olhadela ao relógio faz perceber que ainda têm tempo e, sem terem ido embora, ouve-se Quem Regressa. Finalizam (agora sim) com A Vida é Bela.

A boa disposição da banda, as músicas e vozes harmoniosas, o crescendo que borbulha até ao refrão, onde as músicas atingem o clímax: são estes alguns dos motivos pelos quais o público abandona o palco Tarde ao Sol, no adro da igreja, satisfeito e entusiasmado, com a banda que reviram, ou que acabaram de descobrir.

Também isto é Bons Sons. O alinhamento raramente sobrepõe concertos. Os artistas fluem pelos palcos ao longo do dia e os festivaleiros seguem-lhes as pegadas, permitindo que descubram novos artistas, novas bandas, novos Sons portugueses.

Medeiros/Lucas é um projeto lisboeta de Carlos Medeiros, Pedro Lucas, Ian Carlo Mendoza e Augusto Macedo. Combina a voz de Medeiros com a música de Lucas e, no último álbum lançado, Terra de Corpo, a letra de João Pedro Porto, escritor. Todos são açorianos.

À exceção de Porto e de Augusto Macedo, os restantes pisam agora um pedacinho do continente, no palco Lopes Graça. Macedo encontrou, no entanto, o que Lucas descreveu como “substituto de luxo”. Rui Sousa, de Guimarães, assume as teclas. Tocam músicas dos seus dois álbuns. Safra de Gente, Asas e Fado Marujo são das primeiras músicas no reportório trazido por Medeiros/Lucas.

Para Búzio, trazem uma convidada especial. Mitó Mendes, metade da dupla Señoritas, junta-se à banda em palco e interpreta o tema, momentos depois de ter atuado no palco Giacometti.

As músicas contêm um caráter interventivo, espelhado nas letras que Medeiros canta e lê no livro que descansa no suporte à sua frente. Mantém a cabeça baixa enquanto canta, esperando pelo instrumental para percorrer o palco, contornando os colegas. O público está recetivo, apesar de ser percetível que a grande maioria não conhece nem a música nem as letras.

A Eira é palco de um dos nomes mais esperados da noite. Os Mão Morta celebram os 25 anos da edição do Mutantes S.21, o quarto álbum da banda, que apresenta uma viagem por nove cidades. Assim que Adolfo Luxuria Canibal pisa o palco, os muitos festivaleiros que por ele aguardavam aplaudem fervorosamente.

Iniciam o concerto com Marraquexe. “Bem-vindos a esta revisitação do Mutantes S.21”, exclama Adolfo, na sua voz inconfundível. Até cair traz ao de cima a exteriorização da persona de Adolfo no palco. Segue Paris e o microfone já não tem lugar no suporte, tal é a energia do vocalista. Pousa o pé na coluna, e exibe as suas meias vermelhas e azuis, que se sobrepõem aos sapatos clássicos pretos. Segue-se Istambul mas é em Velocidade Escaldante, a interpretar a letra, que dá ao público o espetáculo que esperam.

“’Tá uma bela moldura humana aqui no Bons Sons”, constata Adolfo e esclarece que a próxima música “passou na televisão e tudo. Quando passa na televisão é para as molduras humanas”. E não está errado. Budapeste levanta grandes reações do público, que a reconhece e canta com entusiasmo. De seguida, a banda bracarense parte rumo a Berlim, Amsterdão, Lisboa, encorajando o público português a cantar mais alto quando se aproximam do último destino.

“Sinto que vocês estão cansados. Por nós ficávamos aqui até arder Portugal todo.” O público discorda da primeira afirmação, e emite gritos de concordância na segunda. Os Mão Morta pretendem terminar com Bófia.

Com uma performance alucinante e intensa, a que, a este ponto, a audiência já está habituada, Canibal deixa-se cair, ajoelhando-se, até estar deitado em palco. Os seis elementos despedem-se e abandonam o palco. Mas o público tem outros planos. Na Eira, poucos são os que se movem. A banda é forçada a voltar, tamanho é o barulho da plateia. “Não sei se sabem, mas vocês estão a quebrar um protocolo. Era suposto não tocarmos nem mais um segundo.”. O público aplaude, feliz por levar a sua avante e diverte-se enquanto ouve a Oub’lá, tema lançado em 1988.

“Como é que ela se chama?”. “Né Ladeiras.” “Nel?”

Este é um diálogo repetido entre o público, com uma ou outra variante. A geração mais jovem do festival nunca ouviu falar da voz dos Trovante, Banda do Casaco ou Brigada Victor Jara, nos anos 70 e 80. A cantora apresenta, no Lopes Graça, um novo projeto, denominado Outras Vidas.

Segura uma pandeireta na mão. Começa com Salvé Maravilha. “Isto hoje está uma maravilha!”, garantiu, terminada a canção da Banda do Casaco, da qual fez parte durante dois anos, e antes de dar início a Outras Vidas, o single que inspirou o álbum. O público acompanha com palmas. Do seu mais recente trabalho, Ladeiras traz a Cem Soldos a única música que não é original, Noites de Assuão.

O tema é uma adaptação de uma música tradicional arménia. A portuense acompanha as músicas com movimentos suaves, delicados, enquanto conquista alguns visitantes mais novos. Todo o projeto é letrado por Tiago Torres Silva, que está no público e é alvo de um agradecimento especial. Também o é o Bons Sons, que apostou em Né Ladeiras, ao contrário de outros festivais. “Importam-se que eu tenha 58 anos?”. Com uma resposta negativa da plateia, Né salienta a importância de transmitir essa mensagem a outros festivais “e pode ser que a gente se veja por aí”. “Onde é que estão as mulheres da minha idade?”, termina assim o recado.

Cinco minutos depois da hora prevista, os Throes + The Shine chegam ao palco da Eira. Os primeiros são do Porto, os segundos de Angola, e dia 12, sábado, estão em Cem Soldos para apresentar aos festivaleiros a sua combinação de Rock e Kuduro. Trazem, com eles, uma convidada, Fabiola, originária de Viana do Castelo, que demonstra, ao longo do concerto, a sua personalidade provocativa e enérgica. Desde o primeiro (Rockuduro) ao último álbum lançado (Wanga), a banda, em palco, transcende a energia das músicas gravadas, extrapola os discos de estúdio.

Os The Shine, Diron e André do Poster, percorrem o palco e trazem os ritmos e danças africanas consigo. Não existem momentos de pausa; para os The Shine, todos os segundos contam para cativar e animar a plateia. O guarda-roupa condiz com a excentricidade do concerto, e é renovado, antes de Hoje é Festa. São puros entertainers e estão a dar espetáculo. Mas nem os Throes ficam atrás. Igor Domingues, na bateria, dança o mais que consegue sentado e chama pelo público. Marco Castro anima a guitarra, e a energia transparece na expressividade do rosto, ou nas poses excessivas enquanto toca.

O público salta, canta, dança, como ainda não tinha feito nesta edição do festival. “’Tá a cuiar?”, pergunta a banda. O público gritava a única resposta possível: “Tá!”. A poeira deste palco é visível no ar da noite, que seria fria, não fosse o calor que emana dos corpos em movimento. Pequenos moches multiplicam-se pela audiência e os The Shine juntam-se à diversão, na frente do palco. A terminar, com Coisa Louca, o público obedece às ordens dos Throes + The Shine, quando estes gritam “Chão!” ou “Jump!”. O concerto termina e o público está envolto em satisfação, suor e poeira.

O terceiro dia da 8.ª edição do Bons Sons conta com nomes como José Cid, com o álbum 10.000 Anos entre Vénus e Marte, Samuel Úria, Orelha Negra, Captain Boy e Sonoscopia.

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