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VIVE EM CADA MINUTO A TUA ETERNIDADE, AL BERTO

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“Al Berto, há um enorme precipício no teu nome” é dito a certa altura ao poeta no filme que tenta retratar uma fase inicial do mesmo em Sines.

Vicente Alves do Ó é quem assina esta biografia ficcionada de um nome maior da literatura portuguesa do século XX que, afirma, as novas gerações não têm descoberto como ele deveria ser descoberto. Vicente teve a vantagem de ter privado com o próprio Al Berto (não tanto como o seu irmão João Maria), o que é essencial para quem quer retratar uma vida passada nos primeiros anos pós-revolução.

A história passa-se numa zona piscatória do Alentenjo – Sines – nos anos subsequentes à revolução de Abril. É sabido acerca da liberdade e emancipação destes anos, que, de facto, não aconteceu só nos grandes centros urbanos, como Porto ou Lisboa. No entanto, Sines e a sua população não acolheu da melhor maneira este desejo de ser livre que o poeta e o seu grupo vivenciavam.

Vem então Al Berto de Bruxelas, onde se exilou intelectualmente e politicamente, acabado de estudar Belas Artes, pintura e escultura, para voltar à cidade onde cresceu e instalar-se no palacete da sua família de raízes burguesas. É neste “antro” que vive um estilo de vida libertino, onde organiza ora excêntricas festas ora saraus literários. É aqui também que tem a sua relação amorosa com João Maria do Ó e vive o sexo e o esplendor da liberdade.

Como já dito, Sines ainda não estava pronta para isto tudo. Este grupo de jovens foi mal recebido (“maricas dum cabrão!”, ouvia-se). As coisas começam a complicar-se, tanto para os amigos como para a relação entre o poeta e João Maria. É de realçar que este grupo englobava jovens sedentos de artes, uns pintavam, outros escreviam, outros tocavam, enfim, tudo o que vai contra a corrente do dito “normal”.

Ora, é portanto um filme, na sua essência, sobre o amor, que se centra na relação dele e do outro. Beleza e paixão. Desejo e prazer. Um filme que tenta pintar Al Berto na sua fase dita solar, quando ainda estava em Sines com vontade de mudar, antes de ficar conhecido da sua fase lunar, quando se muda para Lisboa e a boémia lhe é querida. Não é por acaso que o subtítulo seja “Amar sem medo”.

O filme, contudo, não será perfeito. Mostra pressa em juntar Al Berto e João Maria e os atores (já lá vamos) poderiam ser melhor trabalhados na dicção e entoação: fica a saber a pouco pouca da poesia dita. O elenco, explica Vicente à RTP, foi escolhido por não ser famoso, pois assim traria frescura ao filme. Não queria ele que um ator consagrado fosse visto a fazer de Al Berto, por exemplo. Isso é bom. Diz ainda que em Portugal tem-se a tendência a enclausurar os atores em caixas e a não saírem delas, sendo difícil associar um ator a outra coisa que não aquela que tenha feito. Ainda assim, não é de todo censurável esta escolha de elenco, à partida desconhecido, que conta com Ricardo Teixeira, João Pimentão, Raquel Rocha Vieira, Gabriela Barros, entre outros. Para os olhares distantes da homossexualidade, ela existe muito neste filme, com cenas de sexo e beijos entre os dois amantes, que se vão descobrindo. Não tem medo, então, de ferir a sensibilidade desmedida.

Apesar do aspeto menos favorável relativamente à perfomance dos atores, o filme possui bons nacos cinematográficos, e exemplo disso são os planos de câmara muito interessantes, tanto na praia de Sines, como em coisas simples e bonitas, por exemplo, “À procura do vento” acabado de ser escrito na máquina de escrever, ou o antitético momento em que a festa ocorre ao máximo lá atrás e aqui tão perto Al Berto conversa sobre a morte e o amor (dois dos temas afincados da poesia, como se fossem coisas muito distintas…) ou ainda a belíssima imagem de dois corpos nus, unidos num único abraço sem tempo sobre a luz do amanhecer, distinguindo-se apenas as suas sombras, formando um só corpo, seja ele de que sexo for. Ainda há tempo para um aparecimento da Marinha no palacete onde o grupo estava instalado. Certamente Mário Cesariny gostaria de lá ter estado…

 

o olhar foi o primeiro a tocar o corpo. depois as mãos pararam nesta cidade, perderam-se naquele jardim de cabelos e de alpendres. adquiriram suavidades nas planícies, subiram montanhas, falaram. as mãos falaram. demoraram-se esquecidas, suspensas, sobre o ventre.

 

Tanto mar, Al Berto, tanto mar e tão poucos a quererem-no. “O mundo só é real quando um homem chora”, é-te dito. Talvez por isso viveste “em cada minuto a tua eternidade”, não? Dizem-te: “Tens os olhos tristes, olhos de poeta. E eu, achas que tenho olhos de puta?” e respondes: “Não temos todos?”. Depois do filme foste para Lisboa, viver a noite, ser um monstro da noite, foste propagar a vida, relembrar os cinquenta comprimidos letais ao pequeno-almoço, foste colher lírios e sombras de luz. Foste pernoitar, Al Berto, fosse dia ou fosse noite, em corpos onde as estrelas pesavam pouco. Agora já cá não estás, mas continuas a pernoitar em quem te adora. Agora que as as novas gerações te descubram e as velhas não te esqueçam. O filme fez o seu papel, resta ao público descobrir o teu segredo. Sim, apagamos as estrelas e vamos dormir contigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.

 

não estás aqui mas vejo-te nítido quando uma pétala de bruma envolve a casa e adormece o desejo. um astro ininteligível e de órbita difícil , guia-me, ilumina-te. pelas frestas dum espaço oco perscruto o eco do meu corpo, o silente medo de continuar vivo.

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