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Cultura

EM CENA: A ESTUPIDEZ DA METAFÍSICA E A METAFÍSICA DA ESTUPIDEZ

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“Um grupo de pessoas da Póvoa de Varzim desloca-se ao Auditório Municipal para assistirem a uma peça de teatro”. Assim estava escrito na primeira página do “guião” entregue a todos os que se dirigiram ao referido local para assistirem à estreia da nova produção teatral dos pathos. Os membros da associação são ainda responsáveis por mais projetos para além dos do âmbito dramatúrgico, embora o foco – e o maior reconhecimento – recaia, precisamente, nas peças encenadas, tendo a última sido “Amor e outras cenas absurdas”, em maio.

A inovação é um must e o grupo não faz duas peças iguais. Em “Extremamente Metafísico e estúpido”, a encenadora Rita Nova recuperou a peça “God”, de Woody Allen,  e adaptou-a não só aos portugueses, mas aos poveiros, presenteando-os com uma hora de referências a lugares emblemáticos (como a rua da Junqueira ou o bairro Sul) e restaurantes da cidade igualmente icónicos.

Passados quinze minutos das dez da noite, as luzes apagam-se e o espetáculo começa. Algures na Grécia antiga, um ator (Diabetes) e um dramaturgo (Hepatite) comentam o quão difícil é arranjar o final perfeito para a peça de Hepatite. Frustrados por não conseguirem uma resposta que satisfaça essa importante questão,  ambos começam a quebrar a tradicional divisão teatral entre espectador e audiência, deixando transparecer, assim, que aquela não seria uma peça tradicional.

De facto, esta é uma comédia com claras influências do teatro desenvolvido pelo dramaturgo alemão, Bertolt Brecht. No seu teatro épico, Brecht empregava determinados mecanismos de distanciamento para que o público se apercebesse do carácter ficcional da peça e assumisse uma atitude crítica, de modo a desenvolver uma consciência individual sobre o assunto a ser encenado. No drama do cineasta nova-iorquino (e na adaptação de Rita Nova), também o ator e o dramaturgo quebram os cânones tradicionais de teatro ao admitirem que são personagens ficcionais criadas por Allen e que as pessoas na audiência tinham, inclusivamente, pagado para os ver. “É extremamente metafísico!”, declaram.

Inicia-se, a partir desse momento, a entrada de uma série de novas personagens, muitas delas vindas da audiência e que não faziam, inicialmente, parte da peça encenada por Hepatite. Uma delas é Dores, uma jovem que estudou filosofia (na privada) mas que não sabe responder às mais importantes questões filosóficas. Através da introdução de uma nova personagem, que avança com o final perfeito para a peça (a intervenção de Deus), é finalmente concretizada a noção de peça dentro de uma peça. Uma vez delimitado o final, dá-se início à representação da peça de Hepatite, na qual Diabetes representa um escravo encarregue de enviar uma mensagem ao rei.

Tanto na peça de Rita Nova como na peça de Hepatite, personagem sujeita às decisões criativas de Rita (como a própria o refere, em palco), as personagens lançam para o ar uma série de questões filosóficas e metafísicas, deixando nítida a intenção de demonstrar o quão estúpidas essas dúvidas e teorias existenciais podem soar.

Depois de um final bem conseguido e, indubitavelmente, metafísico, não foram só os pathos que foram recebidos com uma prolongada e vívida salva de palmas. Também a audiência – aquela que pagou para ver a peça – foi recebida com aplausos pelos atores que os aguardavam à saída do auditório.

Após a apresentação, o JUP teve a oportunidade de conversar com Rita Nova e Rita Tomaz, a presidente da Associação Pathos. A encenadora revelou que já fez teatro amador e que já conhecia a peça de Woody Allen há bastante tempo e, embora quisesse encena-la, o projeto foi sempre sendo adiado. No entanto, Rita encontrou nos pathos o grupo ideal para levar esta comédia aos palcos e o resultado está em cena este fim-de-semana. Com efeito, o que torna este grupo tão único é a liberdade criativa com que trabalham. Rita Tomaz acrescentou que  todos os membros têm a liberdade para expressarem os seus interesses e os assuntos que gostavam de levar ao palco.

Em suma, trata-se de um teatro sem regras, moldado pela criatividade e pelo gosto de cada um dos seus membros, que encontram na Associação Pathos a liberdade para experimentarem e brincarem com a arte de representar.

As jovens acrescentaram ainda que a peça está repleta de pequenos e minuciosos detalhes, sendo que o público não é capaz de detetar muitos deles por não haver tempo de assimilação suficiente. Apesar disso, não descuraram nos detalhes, algo em que a encenadora admite ser “muito precisa”. Nova confessou ainda que teve de lidar com imensos problemas ao adaptar a peça, em grande parte devido ao  facto de se tratar de uma peça dentro de outra.

Quanto ao cenário, houve a necessidade de delimitar o que era real e o que não era, tendo em conta a grande sobreposição de camadas. Há, por isso, todo um planeamento subjacente à concepção da peça que, embora não totalmente manifesto, é demonstrativo da qualidade minuciosa com que a mesma é preparada e executada.

Relativamente ao que o público pode esperar do grupo no futuro, a resposta é ainda incerta. O início do próximo ano assinala o começo da preparação de mais uma peça, mas o leque de envolvidos na futura produção poderá, claramente, variar do das anteriores. A única garantia que a encenadora e a presidente da associação avançam é de que o novo projeto não se baseará na obra de um outro dramaturgo. Após duas adaptações consecutivas, referem querer apostar, agora, na escrita coletiva de uma peça original.

 

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